Lulu Santos

Lulu Santos diz que suas canções eram 'estridentes demais' no início da carreira, e decidiu cantar diferente

Jorge Bispo/divulgação

'Há 23 anos, fiz esse processo para não esganiçar demais. Minha voz rende mais na região que é natural, grave. Isso não significa que eu não possa gorjear até um ponto mais alto. Mas ficar dentro do tom é tão confortável para mim que resolvi assumir essa história. E virou o mote do show'

Lulu Santos, cantor e compositor

Ao contrário de 99% dos cantores e instrumentistas que se dedicam à música popular, Lulu Santos lá atrás, nas origens, não teve muita experiência em tocar em bailes ou barzinhos. Vieram as primeiras bandas – com destaque para o Vímana, onde Luiz Maurício tocava ao lado de Lobão e Ritchie – e, logo na virada dos anos 1980, a carreira solo, aí devidamente batizado Lulu Santos.

“Eu não tinha a prática de cantar até fazer meu primeiro álbum (‘Tempos modernos', de 1982). As primeiras canções foram escritas no impulso, na emoção, e muitas vezes suas tonalidades não eram confortáveis (para o seu tom de voz)”, ele conta. Demorou muito até que Lulu encontrasse o seu lugar no canto. Mais ainda para se assumir barítono – grosso modo, a voz média masculina, mais pesada do que a do tenor (de tom agudo) e menos grave do que a do baixo.
 
“Barítono” acabou nomeando a nova turnê de Lulu, a primeira criada no pós-pandemia e, mais importante, que celebra seus 70 anos. Foi justamente no dia do aniversário, 4 de maio, que a temporada começou. O show de estreia, transmitido pelo Globoplay, está disponível na plataforma.

Desde então, emendou uma turnê nos Estados Unidos (nove apresentações em 12 dias) e começou a percorrer o Brasil. Em Belo Horizonte, serão dois shows, em 1º e 2 de setembro, no Arena Hall – a primeira data foi marcada recentemente, pois os ingressos para o dia 2 estão quase esgotados.
 
 

Hits 'ressignificados'

Nessa altura da vida e da carreira, Lulu não quer inventar a roda. Desfia montante considerável de hits colecionados ao longo da carreira discográfica que em 2022 atingiu as quatro décadas.

“Nunca nego fogo. Meus shows sempre terão os hits, que são meu privilégio, minha história. E o passado não se esquece, ainda mais porque tenho orgulho da minha bagagem”, diz ele.
 
Verdade seja dita: ao contrário de muitos companheiros de geração, cujos shows trazem nostalgia e nada mais, os de Lulu, não. Muitas das canções remetem a tempos passados, mas parte de sua produção se ressignificou, para usar o termo da moda.

“As canções acabam tendo uma temporalidade, mas tem as regravações. O Pedro Sampaio fez há pouco tempo uma versão de 'Toda forma de amor' que se tornou afirmativa acerca dele mesmo (o DJ e produtor assumiu sua bissexualidade no Lollapalooza deste ano, quando apresentou a releitura do hit). Teve ainda o Vitor Kley que regravou 'A cura'. Dessa maneira, as canções recirculam, ressurgem como um comentário sobre o momento que está se passando. São músicas feitas há 20, 30 anos, que acabam colando numa situação contemporânea. 'Tempos modernos', por exemplo, trata de redenção, esperança e anseio por melhoras”, diz o compositor.
 
Pedro Sampaio e Lulu Santos

Pedro Sampaio apresentou releitura de 'Toda forma de amor', no Lollapalooza, e assumiu sua bissexualidade em público

Instagram/reprodução
 

Até a estreia de “Barítono”, Lulu estava fazendo um show “que a gente chamava internamente de pinguela, pois não tinha motivo”. Para a nova turnê, é tudo novo, a começar pelo cenário.

“Estamos dentro de uma caixa cênica costurada a mão por costureiras em um galpão no Cais do Porto, no Rio. Todo o cenário foi feito por mulheres. São uns panos que tem gente que acha que é garganta, outros remetem à aurora boreal. É algo meio vivo.”

Novidades do baú

Acompanhado de cinco músicos e de seu repertório amplamente conhecido, Lulu traz algumas novidades. Que não são exatamente novas, mas vão soar como tais para muita gente. Uma das canções é “Esse brilho em seu olhar”, do segundo álbum dele, “O ritmo do momento” (1983), e nunca executada nas turnês anteriores.

“Não é dos meus grandes sucessos, mas gosto imensamente dela. É a canção que puxa o discurso de 'Barítono', que tem umas falas explicativas”, conta Lulu. “Esse brilho em seu olhar”, explica ele, tem uma nota aguda, um falsete. “Eu nunca me sentia bem para cantá-la.” Mas houve a mudança de tom, e agora ele se sente bem em interpretá-la.

A história de “Barítono” não começou agora. “O processo todo tem mais de 20 anos. Quando gravei o 'Acústico', em 2000, tinha baixado um tom em algumas canções. Na verdade, a partir dos anos 1990, quando já compunha mais naturalmente, com arranjo vocal mais verdadeiro, não precisei baixar o tom.”

'As canções recirculam, ressurgem como um comentário sobre o momento que está se passando. São músicas feitas há 20, 30 anos, que acabam colando numa situação contemporânea. 'Tempos modernos', por exemplo, trata de redenção, esperança e anseio por melhoras'

Lulu Santos, cantor e compositor



“Tempos modernos”, standard de Lulu, é um bom exemplo das mudanças de tonalidade. Ele conta que já a regravou sete vezes, com arranjos diferentes. “A versão mais consumida no streaming é a do 'Acústico', em que gravei com um tom abaixo, meio sem notar.” No show, ele interpreta os hits com arranjos mais próximos das gravações originais.

Na opinião de Lulu, as músicas da fase inicial, oitentista, eram “estridentes demais”. “Então, há 23 anos fiz esse processo para não esganiçar demais. Minha voz rende mais na região que é natural, grave. Isso não significa que eu não possa gorjear até um ponto mais alto. Mas ficar dentro do tom é tão confortável para mim que resolvi assumir essa história. E virou o mote do show.”

A idade afeta a voz. “É como todo processo de tempo e de uso. Você acaba gastando”, continua Lulu, que se tornou cantor essencialmente praticando. “Fiz até aulas de canto no período amador, na Escola Nacional de Música. Mas fazia só porque queria música de qualquer forma. Era uma coisa muito distanciada do canto popular, sobretudo do rock, em que se abusa da corda vocal.”

Mais tarde, por meio de sessões com fonoaudiólogos, passou a entender. “Com a prática, a experiência, você acaba dando nome aos bois. Isto é que é voz de garganta, de peito. A essa altura, entendo meu equipamento.”
 
Lulu Santos e o marido, Clebson Teixeira, na Serra Moeda

Quase mineiro: Lulu Santos e o marido, Clebson Teixeira, na Serra da Moeda

Clebson Teixeira/Instagram
 

Shows em Minas

Hoje, aos 70, não tem tempo ruim. A agenda está cheia até novembro, com shows em locais grandes, como as duas datas de BH. Por aqui, ele sempre dá uma “banda” quando pode. Acompanha o marido, Clebson Teixeira, hoje seu empresário, que morou na capital mineira até alguns anos atrás.

Lulu, que já levou “Barítono” para Lavras Novas e Tiradentes, ainda se apresenta, em Minas, em Uberaba (29/7, no Jockey Clube) e Lavras (26/8, no Camuá Eventos). “Não vou frustrar expectativas. Satisfazer a vontade do público também me sacia”, conclui.
 
 

“BARÍTONO” 

Show de Lulu Santos. Em 1º e 2 de setembro, no Arena Hall (Avenida Nossa Senhora do Carmo, 230, São Pedro). Ingressos de R$ 120 a R$ 550 (para o show do dia 1º/9) e de R$ 250 a R$ 460 (setor ouro em 2/9, único com ingressos disponíveis). À venda na bilheteria e no sympla.com.br