Passados dois anos do crime ambiental ocorrido no distrito do Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 2019, as artistas Bárbara Lissa e Maria Vaz, que formam o duo Paisagens Móveis, retornaram à região da tragédia para registrar, em fotografia, as reminiscências do desastre.
O resultado é o trabalho "Quando o tempo dura uma tonelada", que inclui fotografias, dois vídeos e instalações de som, e será apresentado a partir desta quinta-feira (4/8), na Galeria de Arte do BDMG Cultural.
O duo investiga as mudanças na paisagem por meio da composição química que ainda contamina a área, a presença de metais pesados no rio Paraopeba e a fina poeira mineral tóxica suspensa no ar.
Nas constantes visitas aos distritos do entorno da mina, as artistas observaram as casas sendo abandonadas aos poucos, à medida em que iam sendo adquiridas pela empresa responsável pela tragédia.
Instigadas a transpor a materialidade da tragédia à fotografia, elas se utilizaram de sobreposições parciais de imagens retratando o capim crescente, a demolição de construções como forma de apagar a memória do ocorrido, mas também a revelação dos negativos em uma miscelânea de químicos reveladores e à água local contaminada pelo minério.
"A gente trabalha pensando nesses dois tempos, um tempo quase suspenso na cidade e outro que não para de correr, que é o tempo do trem, o tempo da ganância e que se relaciona com o título da mostra"
Maria Vaz, artista
Testemunho
"É uma forma de a gente trazer um testemunho desse acontecimento para a própria imagem, para a revelação da fotografia. As fotos têm essas manchas, essas marcas, uma dureza, uma coisa meio machucada do próprio material que a gente usou do local e do rastro do acontecimento," afirma Maria Vaz.Bárbara destaca a falta de sinalização em relação à construção de uma memória sobre o desastre. Segundo ela, em muitos dos locais visitados, elas tiveram reais dificuldades de acesso. O epicentro do desabamento da mina, por exemplo, é inacessível para pessoas comuns.
"Uma coisa que aconteceu tanto no rompimento em Mariana, quanto em Brumadinho é que, para cobrir a lama, é colocado, intencionalmente, capim, que cresce muito rápido. Pensando nessas várias camadas que a gente chama de 'impossibilidade de ver', a gente vai pensando também nestas camadas dentro da imagem”, diz.
"Quando aconteceu (a tragédia), só se falava nisso. Depois de dois, três anos, parece que o assunto está encerrado. Você só acha quando vai direto nos canais dos atingidos por barragens ou institutos que trabalham com isso. Então a mostra pode servir como uma forma de não se esquecer"
Bárbara Lissa, artista
“Aparece nessas imagens muito dessa vegetação rasteira que cobre essa lama ou um pouco dessas casas, também cobrindo essas imagens, reconstituindo essa paisagem através dessas camadas de sobreposição parcial que a gente constitui," ela afirma.
A dificuldade de acesso, segundo elas, se deu também em relação às pessoas, devido ao isolamento imposto pelo período da pandemia. Elas contam ter evitado um contato mais direto com os moradores da região, mas dizem ter ouvido relatos tocantes de quem acompanhou tudo de perto.
"Pensando nesse tempo dilatado, expandido que a gente traz nesse trabalho, e também pensando na imagem do trem, que é muito forte para Minas Gerais, vendo essa montanha sendo carregada tonelada por tonelada, a gente ficou pensando nesse tempo que não termina. Continua correndo, continua levando minério e prometendo mais desastres do tipo," comenta Bárbara.
"A gente trabalha pensando nesses dois tempos, um tempo quase suspenso na cidade e outro que não para de correr, que é o tempo do trem, o tempo da ganância e que se relaciona com o título da mostra”, completa Maria.
“QUANDO O TEMPO DURA UMA TONELADA”
Mostra do duo Paisagens Móveis, formado pelas artistas Bárbara Lissa e Maria Vaz. Desta quinta (4/8) a 11/09, diariamente, das 10h às 18h; às quintas, até às 21h. Na Galeria de Arte do BDMG Cultural (Rua Bernardo Guimarães, 1.600, Lourdes). Entrada franca.
*Estagiário sob supervisão da editora Silvana Arantes