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Estado de Minas BRASIL S/A

Diálogos quadrados no centro do poder em Brasília

Depois de tentar reger uma maioria parlamentar que não tem, Lula faz acenos, mas precisa fazer mais


14/05/2023 04:00 - atualizado 24/05/2023 09:04
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Prédio principal do Congresso Nacional em Brasilia, na Praca dos Três Poderes
Prédio principal do Congresso Nacional em Brasilia, na Praca dos Três Poderes (foto: Mauricio Medeiros/Flickr)
Tudo considerado, a apuração policial dos malfeitos da turba radical do ex-presidente e os tumultos dos arruaceiros de extrema-direita que se elegeram à sua sombra no Congresso têm sido bons para o governo do presidente Lula. Ajudam a distrair a atenção sobre o que é relevante.

Com uma agenda econômica que lhe pôs a reboque da ortodoxia do Banco Central, além de tentar fazer maioria no Congresso apelando ao velho recurso da retenção do pagamento de emendas parlamentares, o governo se embolou no meio do campo da economia e da política, desperdiçando tempo que não dispõe para apresentar resultados e frustrando quem o apoiou não por gosto, mas para tirar o outro e ele provar ser melhor.

Na economia, um governo com DNA socialdemocrata eleito para gerir um Estado obsoleto e institucionalmente desengonçado deveria dedicar-se, diuturnamente, a atualizar as suas entranhas administrativas e atrair o empresariado para pensar junto a retomada do crescimento econômico.

Na política, com apenas 68 deputados eleitos pelo PT, muito atrás da bancada de 99 parlamentares do PL de Jair Bolsonaro, manda o centrão dos partidos de centro-direita, detentores da maioria na Câmara e no Senado. Eles topam apoiar o presidente eleito em troca de concessões. Mas o fisiologismo clássico já não é o eixo condutor das negociações.

Assim como na economia, a expectativa empresarial converge para ações de facilitação do investimento privado, a maioria parlamentar que põe em evidência o presidente da Câmara, Arthur Lira, seguido do senador Rodrigo Pacheco, do Senado, quer mais que cargos no governo para os correligionários dos partidos e o pagamento de emendas que direcionam verbas do orçamento federal para obras em seus redutos eleitorais.

Todos têm consciência de três realidades: 1ª, o governo é amplamente minoritário no Congresso; 2ª, o voto majoritário nas últimas eleições contemplou partidos de centro-direita no Congresso e nos estados; 3ª, só o crescimento econômico com alguma indução estatal satisfará tanto as demandas sociais quanto o sufoco financeiro geral das empresas sem esgarçar ainda mais o puído e remendado orçamento público do país.

 O triângulo do poder


É este o triângulo em que se inserem as forças políticas, econômicas e sociais com capacidade de influenciar as decisões, se puderem ou se souberem concordar em torno de princípios de governabilidade.

A falta desse entendimento cria confrontos ociosos, como a tentativa de mudar o marco do saneamento e a privatização da Eletrobras, ambos legislados sem contestação a seu tempo, e abala a segurança jurídica, se levados ao Judiciário num momento em que o STF busca sair do palco a que foi levado pela omissão da PGR e a subversão com raiz militar.

Nenhuma lei é perfeita, todas precisam de atualização com o tempo, o caso das redes sociais, nascidas sem regulamentação que conforte seus deveres e direitos em relação seja ao consumidor, seja à liberdade de expressão. Outra coisa é pretender mudar uma lei por meio de decreto, como se tenta com o marco do saneamento.

O fórum é o Congresso, como também na lei da Eletrobras. Ela deixou a União com 40% das ações da ex-estatal, mas apenas 10% nas votações enquanto acionista, o que é comum em sociedades abertas para bloquear a captura de seu controle.

Com diálogo sobretudo na Câmara, de onde surgiu boa parte das leis de viés mais liberal na economia, o governo poderia conseguir algo.

Na marra ou liberando dinheiro de emendas já empenhadas caso a caso, confronta a liderança forte de Lira, que dias atrás foi enfático ao dizer que presidente da Câmara é parceiro, não líder de base aliada.

Talvez por isso Lula fez um aceno na sexta-feira, dizendo em evento em Fortaleza que "não é o Congresso que precisa do governo, do jeito que está a Constituição, é o governo que precisa do Congresso".

O mais bobo é suplente

No fim e ao cabo, há espaço para acordos que atendam ao interesse do país e não apenas aos de lobbies e ideologias. Mas as partes precisam de um mapa do caminho, que não é uma regra fiscal moldada para travar os projetos de investimento. E não porque isso seja errado, mas pela dúvida do mercado financeiro sobre a capacidade executiva do governo.

O Banco Central e sua teimosia em manter a Selic parada há quase um ano na taxa de 13,75% versus a inflação em 12 meses até abril de 4,18%, cedendo, portanto, e assim elevando a taxa real de juro do overnight para absurdos 9,18%, são partes do desconcerto político.

O lobby dos financistas acha que pilota a diretoria do BC de Roberto Campos Neto, quando as forças majoritárias do Congresso é que dão à autoridade monetária independente o calço para ignorar a cobrança por menos juros do governo - de resto, de todo o empresariado que preza mais as atividades operacionais que as receitas financeiras.

O ex-ministro e ex-deputado Antonio Delfim Netto brincava dizendo que em Brasília o mais bobo é suplente. Ingenuidade não faltou aos Lula 1 e 2, exceto alguma soberba que deixou marcas na relação com o Congresso. Hoje, para fluir a relação com Lira & Cia., precisa de um plano que pare de pé e seja considerado ok para todos.

Propósito e prosperidade

A química que funcione contra crise política e desobstrua o caminho medíocre da economia nas últimas décadas é complexa, mas possível. É preciso, para começar, propósito, que é o crescimento à larga. Passa pela "prosperidade comum", espécie de mantra do chinês Xi Jinping, e assemelhada ao "America First" de Trump e ao "Buy America" de Biden.

Outro consenso necessário é o de que o crescimento erguido à custa de incentivos aos consumo não é transformador, além de desfalcar o Tesouro pela receita (com menor base produtiva) e pela despesa (via transferências de renda).

Investimento, e entre eles os em indústrias e serviços avançados, é o que falta num mundo cada vez mais submetido a restrições ambientais e em que todo produto se tornou digital, tal como a infraestrutura de energia e logística que lhe serve de apoio.

Tem capital para isso? Tem a rodo, se governo e Congresso aprovarem o que outras nações fizeram há décadas - tipo reforma tributária do consumo e da renda (com incidência digital, o que nem está ainda em questão), desmonte da teia de arcaísmos burocráticos, revisão de programas para verificar se ainda são necessários ou atendem aos seus fins.

Sem isso, continuaremos o que somos: sem futuro, que em outras partes do mundo já é o presente. Mas precisa envolver a política.

Como? Reformatando o sentido das emendas de relator, as RP-9 do tal orçamento secreto. Um plano de investimento de longo prazo detalhado por microrregiões, com participação do Congresso, pode ser a trama do bem para enredar os políticos como partes legitimas da reconstrução.

Com algo assim, mais ministros da maioria parlamentar no Palácio do Planalto, vontade do presidente de conversar com os líderes das casas legislativas e técnicos com visão sobre o que fazer, há chances de funcionar.

O BC virará nota de rodapé e os consultores de "abismos fiscais" terão de se reciclar. Que nome dar a disso? Simples: governo de coalizão. Ponto!

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