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Estado de Minas ANNA MARINA

Envelhecer sem atenção familiar traz sofrimento

Família é vida, é atenção, é cuidado, é companhia. Fins de semana sem visitas e aniversários sem comemoração espantam a alegria de que vive mais


16/03/2022 04:00 - atualizado 16/03/2022 07:24

Ilustração da Coluna Anna Marina
Aquela imagem de idoso sentado na sala, esperando o tempo passar e a morte chegar, já vai longe

Gosto muito de assistir a filmes de épocas, aqueles confortos que as mulheres tinham, quando eram nobres, é claro. Rainhas sendo vestidas, calçadas, abotoadas é meu desejo na vida. Sempre achei uma chatura, mas com a idade tenho mesmo é canseira de me vestir, abotoar as roupas, acertar com as pernas das calças e por aí vai. Cada dia que passa tenho mais preguiça e dificuldades para me vestir, prefiro ficar em casa com aquelas roupas que são enfiadas pela cabeça e vão até os pés, sem fechos, sem botões, sem cintura. A dificuldade é que não se pode ir ao comércio vestida assim, então é preciso trocar de roupas, compor a figura para não espantar.

Leia na coluna VITALidade: "O idoso que mora só"

Estamos entrando no terceiro ano de pandemia e quando recebi a ordem da direção deste jornal que devia ir pra casa e lá ficar, acreditei que era exagero, que seria por pouco tempo. Só agora conseguimos ver uma tentativa de libertação desta COVID- 19, que, para falar a verdade, acredito que ninguém sabe realmente como é que apareceu. E que ninguém sabe realmente quantos infectou e matou. Gosto muito de ver os jornais de TV de fora do país e a BBC tem relatado, várias vezes, que a realidade da pandemia é pelo menos 30% a mais do que se sabe. Os números são mundialmente enganosos.

Pelo sim, pelo não, mesmo não tendo quem me ajude a vestir, tenho certeza de que não vou parar nessas casas que recebem idosos. Isso porque, como são quase todas adaptadas de moradias normais, não têm o conforto necessário. Em uma das minhas viagens aos Estados Unidos, fui visitar uma casa dessas. Caí de quatro: a casa era, na realidade, um hotel para idosos, com todos os confortos necessários. O que fui visitar era para mulheres (são, ou eram, separados por sexo).

E quem morava lá tinha tudo que encontrava na vida normal: restaurante, casa de chá, piscina, fisioterapia, lojas de roupas, massagistas, cabeleireiros, presentes, salas de encontro e áreas para exercício ao ar livre. Sem ter que se preocupar com coisa nenhuma, como acontece com quem leva uma vida tradicional. Sem falar, é claro, que era preciso ter uma boa conta bancária para enfrentar todos os custos dessa vida boa.

Essa mania de resguardar idosos em locais especializados custou a chegar por aqui, onde tradição é manter a família unida. Agora que chegou, mudou totalmente essa tradição. Tenho conhecido casos de mães – ou pais – de filhos únicos levados para morar nessas casas de repouso. Na maioria das vezes para conforto dos parentes, raramente para que recebam cuidados que de outra forma seriam difíceis. Como não posso ficar sem perguntar, quis saber de uma conhecida a razão de seu pai, com família grande, muitos filhos em casa, ter sido levado para uma casa dessas. Não esqueci a resposta até hoje: “Ele é muito grande, muito pesado, dá trabalho”. Trabalho, aliás, que manteve a família muito bem durante a vida de todos.

A cultura nacional vai mudando e aquela imagem de idoso sentado na sala, esperando o tempo passar e a morte chegar, já vai longe. Junto com isso, as novas doenças, bem tratadas, alongam a vida do paciente que aceita a atenção como cuidado da família. Mas quando essa vida alongada vai parar em local distante da atenção familiar, que vai deixando o tempo passar, os fins de semana sem visitas, os aniversários sem comemoração, “ele não se lembra”, tenho o maior sofrimento. Família é vida, é atenção, é cuidado, é companhia.

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