Projeto de Lei 2.253/2022 tem o intuito de revisar alguns pontos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), a qual concede aos presos em regime semiaberto o direito da saída temporária em determinados períodos do ano. A nova proposta pede a abolição total do benefício -  (crédito: Jonas Pereira/Agência Senado)

Projeto de Lei 2.253/2022 tem o intuito de revisar alguns pontos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), a qual concede aos presos em regime semiaberto o direito da saída temporária em determinados períodos do ano. A nova proposta pede a abolição total do benefício

crédito: Jonas Pereira/Agência Senado

O projeto de lei que propõe o fim das "saidinhas" temporárias está parado na Comissão de Segurança Pública (CSP) do Senado. Aprovado na Câmara dos Deputados, em agosto de 2022, o Projeto de Lei 2.253/2022 tem o intuito de revisar alguns pontos da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), a qual concede aos presos em regime semiaberto o direito da saída temporária em determinados períodos do ano. A nova proposta pede a abolição total do benefício.

As críticas às saidinhas temporárias retornaram ao centro do debate político após o sargento Roger Dias da Cunha, da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG), ser baleado, na última sexta-feira (5/1), com dois tiros na cabeça e um na perna. Durante uma ação policial no Bairro Novo Aarão Reis, na Região Norte de Belo Horizonte, o militar foi baleado pelo suspeito Welbert de Souza Fagundes, de 26 anos, que era considerado foragido da Justiça por não retornar ao presídio depois da concessão de uma "saidinha" no mês de dezembro.

A saída temporária, alvo de críticas inclusive do governador Romeu Zema (Novo), do senador Cleitinho (Republicanos) e do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), além de outros políticos, é uma medida de ressocialização concedida aos presos com bom comportamento e faz parte do processo de progressão de regime.

A lei atual permite a saída dos condenados no regime semiaberto para visita à família durante feriados, frequência a cursos e participação em atividades que promovam a ressocialização.

"Leis ultrapassadas podem tirar a vida de mais um policial em Minas. Bandidos com histórico de violência são autorizados para 'saidinha', que resulta em insegurança para todos brasileiros. Passou da hora disso acabar. A mudança está parada no Congresso. Até quando?", disse o governador Romeu Zema ao comentar o caso do sargento baleado.

O que diz a lei?

Conforme o art. 122, da Lei do Código de Execução Penal, "os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: (i) - visita à família; (ii) - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior,(iii) - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social".

A autorização é concedida aos detentos que tenham cumprido um sexto (1/6) da pena, se o condenado for primário, e um quarto (1/4) para reincidentes. Além disso, as saídas temporárias não podem ultrapassar o prazo de sete dias.

A justificativa para a concessão das saídas temporárias parte do princípio da necessidade de ressocialização do indivíduo privado da liberdade, isto é, detido no sistema carcerário. Dessa forma, as saidinhas servem para reinserir detentos no convívio social. O ponto de crítica de muitos parlamentares é que parte dos condenados, supostamente, comete novos crimes enquanto desfruta da saidinha temporária.

Em Minas Gerais, por exemplo, a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) informou que foram registradas 118 fugas durante as saídas temporárias. Destes, 45 foram presos, e 73 ainda estavam foragidos, até esse sábado (6/1).

Para o senador e relator da proposta na Comissão de Segurança Pública, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a superlotação e a precariedade do sistema prisional brasileiro prejudicam a ressocialização adequada dos presos e, por isso, retorno dos presidiários às ruas traz mais perigo à sociedade. Na comissão, houve pedido de vista do senador Fabiano Contarato (PT-ES) para avaliar melhor o projeto antes da votação.

O advogado criminalista Greg Andrade acredita que a proposta, da forma como está sendo debatida, é simplista e não trata de discutir as raízes do sistema prisional brasileiro. Em sua opinião, o sistema carcerário está abandonado pelos gestores, o qual ele atribui a culpa na falha na ressocialização dos detentos. O especialista também ressalta que a lei foi construída pensando justamente no retorno do cidadão à sociedade, após o cumprimento da pena.

“Me solidarizo com a família do policial militar, acidente trágico, mas a visão jurídica não pode ser movida no calor do momento. Sempre pensam assim: ‘Aconteceu algo trágico, vamos endurecer a lei’. A gente quer resolver o problema ou quer vingança?”, questiona o advogado.

“Na lei fala que a ressocialização da pessoa tem que ser gradativa, que o indivíduo tem que visitar a família para estreitar os laços. Esse é o propósito da lei, não é ser benéfico para 'vagabundo'. Só que nosso sistema prisional está abandonado, não se fala em políticas de ressocialização. Essas pessoas ficam cinco, dez, 15 anos, e saem do sistema prisional sem um documento sequer. O sistema prisional está jogado às traças, a família não consegue visitar (o preso), aí você coloca a pessoa naquele ambiente violento, sem perspectiva. Abandonam as pessoas que já foram abandonadas”, continuou.

O advogado cita a ausência de políticas públicas para a ressocialização, como a falta de acompanhamento com psicólogos, assistentes sociais e médicos, além de oportunidades na área da educação, como a oferta de cursos e livros. “Por que o Zema não comenta sobre os inúmeros casos de tortura, de maus-tratos, abandono? Aquele que errou precisa de atenção, porque ele vai voltar (para a sociedade). É uma questão de prevenção, mas eles pensam que prevenção é o endurecimento de leis. Antes de o Zema falar de endurecimento de leis, ele devia olhar para dentro do sistema prisional”, aponta.

Políticos mineiros reagem

Um dos políticos a se posicionar sobre o ocorrido foi o deputado federal Nikolas Ferreiras, que cobrou dos deputados federais que votaram (em 2022) contra o projeto de lei que estabelece o fim da saída temporária um posicionamento sobre a situação e questionou o porquê de o Senado não prosseguir com o projeto. "Por que o presidente do Senado e os senadores não colocaram em pauta as saidinhas temporárias? Porque eles estavam preocupados com outros assuntos mais importantes", disse Nikolas, em tom de ironia, ao exibir a aprovação do projeto de lei que torna pau de arara em romarias uma manifestação cultural. "Nós temos um Senado que está preocupado com isso daqui e não está preocupado com as causas que realmente impactam a sociedade e tem gerado mortes. É realmente revoltante. Na Câmara (dos Deputados) não é muito diferente", completou Nikolas.

Em um vídeo publicado nas redes sociais, Cleitinho também criticou a medida. Exaltado, o parlamentar disse que a saída temporária é um "benefício" para bandidos e se posicionou totalmente contra as saidinhas. "Essa pauta está parada no Senado. Sou totalmente a favor de acabar com essa porcaria. Eu quero dar um recado para quem vai criticar: nós vamos acabar com as saidinhas neste ano. Para você que é contra acabar com a saidinha no Brasil, te sugiro que você vá passar o Natal e o réveillon na sela com eles. Porque nós vamos acabar com essa patifaria aqui no Brasil", disse Cleitinho.

Outros projetos

O PL 2.253/2022 é de origem de outra proposta, o PLS 7/2012, da então senadora Ana Amélia (RS), que previa apenas a redução do benefício para uma vez por ano ao preso com uma única condenação. O projeto foi modificado na Câmara dos Deputados e no relatório do deputado Capitão Derrite (PL-SP) e tramitou junto com outros 46 projetos com o mesmo assunto, apresentados desde 2013, para concentrar as discussões.

No Senado, outras propostas sobre a saída temporária também estão sendo debatidas. Do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o PLS 31/2018, desarquivado no ano passado, também prevê revogar as saidinhas. Já o PL 476/2023, da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), tem o objetivo de agravar a pena quando o crime é cometido durante saída temporária ou outros casos fora da prisão.