Os ministros Fernando Haddad, Rui Costa e Alexandre Silveira, Lula e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Assembleia, Tadeu, se reuniram no dia 21 de novembro para discutir a dívida mineira -  (crédito: Ricardo Stuckert/PR)

Os ministros Fernando Haddad, Rui Costa e Alexandre Silveira, Lula e os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Assembleia, Tadeu, se reuniram no dia 21 de novembro para discutir a dívida mineira

crédito: Ricardo Stuckert/PR

Em meio às complexas negociações sobre a dívida bilionária do Estado de Minas Gerais com a União, estimada hoje em aproximadamente R$ 160 bilhões, surgiram recentemente novas propostas para a resolução do impasse. Diante da proposta de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), apresentada pelo governador Romeu Zema (Novo)e em tramitação na Assembleia Legislativa como a única opção viável para manter o equilíbrio fiscal do estado, outros líderes políticos tomaram a frente das negociações em busca de alternativas para aliviar a dívida.

A proposta defendida pelo Governo de Minas Gerais é a aprovação do Projeto de Lei 1.202/19, que autoriza o estado a aderir ao Regime de Recuperação Fiscal. Instituído por meio da Lei Complementar nº 159/2017, o RRF foi elaborado para os estados que enfrentam problemas de caixa. A adesão precisa ser autorizada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que tem de aprová-la até 20 de dezembro. Além disso, é necessário a apresentação de um plano prévio ao Ministério da Fazenda.

O RRF tem o propósito de refinanciar as dívidas dos estados. No entanto, os governos devem se comprometer com uma série de ajustes fiscais durante os nove anos de duração do regime. O pacote econômico proposto por Romeu Zema contém medidas de controle de gastos, venda de empresas estatais, congelamento de reajuste para o funcionalismo, criação de previdência complementar e a equiparação das regras do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), no que couber, às regras dos servidores da União.

Entre as medidas de redução de gastos está a concessão de apenas duas recomposições salariais para os servidores, a primeira, em 2024, e a segunda, em 2028. O plano também inclui a desestatização da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) para o abatimento dos débitos. O governo alega que a federalização da empresa pode gerar receitas acima de R$ 20 bilhões, que podem ser utilizadas no estoque da dívida.

Uma das críticas em torno do RRF é sobre a ausência de garantia para o pagamento dos débitos com a União durante o período de vigência do Regime de Recuperação. Os próprios membros do governo reconhecem que mesmo com o pagamento progressivo nos próximos, a dívida cresceria durante a recuperação fiscal, saindo dos atuais R$ 164 bilhões, podendo chegar a R$ 210 bilhões em 2032, no fim da vigência do RRF.

Atualmente, o pagamento das parcelas da dívida está suspenso desde o fim de 2018, por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, o estado precisará pagar R$ 18 bilhões da dívida com a União já em 2024.

Prorrogação

Após reunião com Rodrigo Pacheco e Fernando Haddad em Brasília em 23 de novembro, Zema anunciou que pediria a prorrogação do prazo de uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no fim de 2018 e que permitiu que o estado ficasse sem pagar a dívida com a União desde então. A medida perde o efeito no próximo 20 de dezembro, o que significa que, sem a aprovação do RRF ou de uma opção paralela, os cofres mineiros já passariam a ter cifras significativas destinadas à União mensalmente a partir do ano que vem. Na última terça-feira, o governo de Minas enviou um ofício ao Ministério da Fazenda para organizar uma ação conjunta no STF para tentar a prorrogação dos efeitos da liminar. A ideia é elaborar uma peça única para enviar à corte. A menos de 20 dias do fim do prazo, os ministros do Supremo ainda não foram oficialmente provocados.

Federalização

Em paralelo ao RRF, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), articula junto a deputados estaduais e ministros do governo federal uma proposta alternativa para reduzir a dívida do Estado, dividida em quatro medidas. A primeira delas é a federalização de empresas estatais como a Codemig, Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). O valor das estatais seria utilizado para abater o débito com a União.

Além disso, o estado de Minas Gerais teria direito a uma cláusula no contrato que prevê a recompra dos ativos em até 20 anos. Sobre esta proposta, o governador mineiro sinalizou maior interesse. Neste plano, as privatizações tão defendidas por Zema ficariam em segundo plano.

A segunda medida elencada por Pacheco é a cessão à União do crédito ao qual o estado terá direito pelos acordos de reparação com as mineradoras responsáveis pelas tragédias de Mariana e Brumadinho. Este repasse dos créditos, de acordo com a proposta, deve ser feito mediante a condição de que os recursos sejam integralmente aplicados em Minas Gerais.

Já a terceira medida estabelece usar o valor obtido via acordo de compensação pelas perdas da Lei Kandir (cerca de R$ 6,5 bilhões dos R$ 8,7 bilhões que Minas deve receber), celebrado no STF para abater no valor da dívida. O último ponto é a instituição de um novo Programa de Recuperação Fiscal (Refis) para os estados, concebido pelo governo federal e o Congresso Nacional, que institui uma regra geral para os estados devedores que desejam quitar seus débitos com a União.

Alteração no Juros

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional, propôs, por meio do Projeto de Lei Complementar 245/2023, medidas semelhantes às elaboradas pelo senador Rodrigo Pacheco, entre outras iniciativas, que irão modificar o índice de juros das dívidas dos estados, as regras para os estados aderirem à recuperação fiscal e as compensações provenientes da Lei Kandir. Reginaldo Lopes, que também é economista, divide a sua proposta em duas direções: reduzir a alíquota de correção da dívida e reduzir o valor da dívida, a qual ele avalia como “impagável”.

Atualmente, a dívida do Estado é calculada com juros conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mais 4% ao ano ou Taxa Selic. De acordo com estudos econômicos apresentados pelo deputado, a economia brasileira nos últimos 40 anos cresceu 1,2%, dessa forma, não é concebível que o estado pague essa taxa de juros. “O Estado não produz riqueza, ele arrecada, e ele arrecada riqueza a partir do crescimento econômico, então como cobrar IPCA + 4%?”, pontua Lopes.

A proposta do deputado propõe que o juros seja calculado com base no IPCA mais a média do crescimento real do Produto Interno Bruno (PIB) dos últimos cinco anos. Segundo o parlamentar, seria possível reduzir o juros pela metade. “É inaceitável um juros acima do crescimento real da economia, se torna impagável”.

Em relação a redução do valor da dívida, o parlamentar propõe um modelo matemático que apresenta uma redução a partir das compensações da Lei Kandir. Conforme o cálculo, se a exportação de cada estado que está pedindo a Recuperação Fiscal for 100% a receita líquida arrecadada, o estado teria uma redução de juros 2%; se for 80%, redução de 1,5%; 60%, redução de 1%; 40%, redução de 0,5%. Seguindo este modelo, de acordo com Reginaldo Lopes, seria possível reduzir a dívida pela metade e quitar a dívida em até dez anos. Vale ressaltar que o projeto abrange a todos os estados que quiserem aderir ao RRF.

Outros propostas feitas pelo deputado são a proibição de privatização das estatais dos estados que aderirem ao RRF, sob o argumento de que tais empresas geram lucros para o estado; a possibilidade de reajuste para servidores naqueles estados que estão em Recuperação Fiscal, um dos principais pontos criticados do RRF; e a amortização da dívida com recursos que a União venha a receber por compensação de danos ambientais.

Federalização e RRF não garante fim da dívida

Até o momento, além da adesão ao RRF, a proposta alternativa que obteve aprovação do governador Romeu Zema é a federalização das empresas estatais mineiras como meio de quitar os débitos com a União. Contudo, especialistas apontam que apenas a federalização não representa a melhor solução para o Estado.

A proposta levanta questionamentos acerca de outras medidas paralelas apontadas como complementares para que as federalizações, de fato, tenham efeito. Uma dessas medidas é a definição do valor real das empresas. Devido à possibilidade de diferentes parâmetros para calcular as cifras, não existe consenso sobre a quantia que o governo federal está disposto a deduzir da dívida.

A economista Eulália Alvarenga, especialista em direito tributário e gestão pública, destaca que o Regime de Recuperação Fiscal é paliativo e não resolve a dívida do Estado. Para ela, a abordagem mais eficaz seria alcançar um consenso sobre o montante da dívida de Minas Gerais, revisando os índices de juros. “A dívida de Minas do jeito que está é impagável. Sou totalmente contra o Regime de Recuperação Fiscal, porque de recuperação não tem nada, simplesmente adia a dívida para outro governo e as gerações futuras pagarem, que não vão pagar”.

A especialista pontua que o indexador da dívida passou por diferentes mudanças desde o início da renegociação, em 1998, até o momento atual. Na primeira fase de renegociação utilizou-se o IGP-DI como índice. Posteriormente, aplicou-se à Selic, até 31 de dezembro de 2012. E a partir de então, o modelo atual, o IPCA + 4% ano ou Taxa Selic. Para Eulália, é crucial revisar essa taxa de juros.

"O IPCA + 4% é a inflação oficial, definida pelo IBGE, + 4% de juros. A receita do Estado não cresce a inflação + 4%. Com isso, tem que tirar dinheiro da receita do Estado. Então em Minas, a receita líquida real para pagar esse IPCA + 4% também não vai resolver o problema, tanto é que a dívida é uma bola de neve. Essa qualidade dessa dívida, com esse índice, ela vai se tornar impagável”.

Segundo a especialista, a proposta ideal seria aplicar um índice compatível com a sustentabilidade do contrato, como corrigir o valor da dívida desde o início apenas com base no índice de inflação. “Corrigir a dívida desde o início pelo IPCA, e ver se a gente deve ou não, e a partir daí fazer a negociação”, pontua.

A economista também acredita que federalizar as estatais também pode acarretar problemas para o estado. "Eu sou contra a federalização. Copasa e Cemig têm função social. O controle da água e da energia ficar na mão da União, por ser um estado com 'n' problemas que o Brasil tem, nós vamos ficar sem respaldo".