Vladimir Safatle, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP) -  (crédito: Sabine Vielmo/Divulgação)

Vladimir Safatle, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP)

crédito: Sabine Vielmo/Divulgação

Vladimir Safatle, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP), está em Belo Horizonte para dois eventos ligados ao seu mais recente livro, “Alfabeto das colisões” (Ubu). Nesta sexta-feira (10/05), às 18h, acontece a sessão dupla de "Sete anos em maio" (2019) de Affonso Uchôa e "As linhas da minha mão" (2024), de João Dumans, seguido do lançamento e debate do livro de Safatle. Será no Cinema Minas Tênis Clube (Rua da Bahia, 2244).


No sábado (11/05), às 11h, o livro ganha bate-papo com o autor e Gilson Iannini na Livraria do Café com Letras (Rua Antônio de Albuquerque 781, Savassi).

 


Antes de chegar a BH, o filósofo concedeu entrevista ao Estado de Minas sobre a relação do conceito de progresso, um dos temas de seu mais recente livro, com as enchentes no Rio Grande do Sul e a disseminação de fake news.

 

Confira a seguir:



Como as enchentes no Rio Grande do Sul representam a associação do progresso com a violência?


Uma catástrofe como essa não tem nada de contingente, ela é o resultado necessário do tipo de crise ecológica que o progresso capitalista produziu. E é algo completamente previsível. Há pelo menos 50 anos sabemos que o crescimento exponencial do capitalismo, dentro de um de um sistema de recursos naturais finitos, produziria esse tipo de colapso climático e ambiental, com todas as consequências que estamos vendo hoje.

 

Ou seja, essa dinâmica de progresso marcada pela noção de crescimento exponencial era uma forma brutal de violência contra a terra, contra a natureza, contra o trabalho, não é? Agora, a gente só está vendo as consequências disso.

 


Onde e quando o Brasil falhou na construção desse modelo de progresso?


Não, o Brasil não falhou nesse modelo de progresso. O Brasil é a representação mais bem acabada do que progresso efetivamente significa. A questão toda é entender que dentro do sistema capitalista não há outra forma de progresso a não ser essa que é completamente vinculada à consolidação de crises: crise ecológica, crise econômica, crise ambiental, crise social, crise política, crise psíquica. Então, o que a gente está vendo não é uma falha na construção do modelo de desenvolvimento.

 

Pelo contrário, o que estamos vendo é um modelo de desenvolvimento bem-sucedido. E, quanto mais bem sucedido ele é, ou seja, quanto mais ele realiza os princípios normativos que lhe são próprios - princípios de acumulação infinita, baseada na crença de que terra e trabalho são fontes inesgotáveis de extração valor - mais evidentes ficam as suas verdadeiras consequências. Então, o Brasil, na verdade, é apenas o modelo mais bem acabado de progresso, é a explicitação das contradições imanentes à noção de progresso.

 


Por que a desinformação se amplia em casos extremos como na calamidade que atravessa o Rio Grande do Sul?


Porque um dos elementos fundamentais da extrema direita é a indiferença. Enquanto um de seus afetos fundamentais, a indiferença mobilizada pela extrema direita se baseia na ideia de que existe uma diferença social profunda que deve pautar todas nossas formas de relação. Então, quando você começa a insistir não apenas na necessidade de construir uma solidariedade com as pessoas que sofrem, mas também na necessidade da sociedade de refletir os seus caminhos de desenvolvimento e de progresso, é claro que isso vai encontrar resistência por parte da extrema direita.

 

Pois o que ela defende é uma relação com os recursos naturais que é completamente predatória e extrativista, para eles os recursos naturais nada mais são do que o valor que pode ser atualizado a qualquer momento: a natureza nada mais é do que um estoque a ser mobilizado para a produção de mercadoria. Então, quando você coloca esse tipo de problematização, eles vão tentar fazer tudo o que for possível para impedir que a discussão se desenvolva nos termos adequados.

 

Capa do livro

Capa do livro

Reprodução