A defesa dos suspeitos do assassinato de Alice Martins Alves, ocorrido no último mês de outubro, pediu à Justiça a realização de duas reconstituições e de uma acareação, com o objetivo de "buscar provas". A vítima, uma mulher trans de 33 anos, morreu no último dia 9 de novembro, em decorrência de ferimentos provocados por um espancamento sofrido em 23 de outubro. Os acusados são dois homens, de 20 e 27 anos, que trabalhavam como garçons na lanchonete Rei do Pastel, na região da Savassi, em Belo Horizonte.

A advogada dos suspeitos, Susan de Jesus Santos, solicitou que sejam feitas reconstituições do deslocamento da vítima entre o estabelecimento e o local do espancamento, situado no entorno, e também da saída de Alice da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul, em Belo Horizonte, onde foi atendida. A defesa também pediu as imagens de câmeras de vigilância que mostrem a mulher deixando a unidade de saúde. Por fim, a jurista pediu ainda uma acareação com um motociclista que testemunhou o ataque e, inclusive, interveio junto aos agressores.

A advogada afirma que os dois acusados são inocentes e que a realização desses procedimentos ajudará a esclarecer o crime. "Vamos responder o que Alice não pôde: que não foram nossos clientes", afirma Susan. A versão da defesa é de que Alice foi espancada por outra pessoa e não recebeu atendimento médico adequado.

Durante o registro de ocorrência, em 5 de novembro, a mulher relatou que não conhecia os agressores e identificou um deles apenas como homem branco, de cabelos escuros, usando calça jeans e camisa preta. De acordo com a advogada, essas características não condizem com o biotipo dos suspeitos, descritos por ela como negros. "Sim, (a reconstituição) poderá descobrir quem é esse homem branco alto que ela cita", diz Susan.

Na última quarta-feira, o 1º Tribunal do Júri Sumariante de Belo Horizonte aceitou a denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) por feminicídio qualificado por motivo fútil contra os suspeitos. os dois homens se tornaram réus no processo criminal e poderão, após audiência de instrução, ser julgados pelo Tribunal do Júri da capital. A defesa dos suspeitos questiona a denúncia do MPMG e alega que o próprio órgão deveria ter solicitado as reconstituições.

Auto-mutilação

O homem de 27 anos foi apontado pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) como o comandante da perseguição e do ataque a Alice. Tanto ele quanto o outro suspeito, de 20 anos, trabalhavam no bar no dia dos fatos. As investigações constataram que o mais velho foi quem atendeu a vítima e comandou as agressões. Ele possui passagem por tentativa de roubo e uso de drogas e havia sido demitido pelo estabelecimento, mas ainda prestava serviços como freelancer.

Os suspeitos prestaram depoimento e confessaram que perseguiram a vítima para cobrar a fatura não paga. No entanto, negaram ter agredido a mulher. Os suspeitos, acompanhados de uma advogada, afirmaram em depoimento à PCMG que ao abordarem a cliente, ela teria se jogado no chão e começado a se bater. Além disso, ela teria tentado chutá-los e batido a própria cabeça no meio fio, quebrado o nariz.

A versão foi desmentida pelas investigações, já que nenhum dos dois tinha algum tipo de lesão, e os ferimentos seriam difíceis de ser auto infringidos. "Pelos exames que foram feitos, pelo nariz e costelas quebrados, ela nunca teria conseguido provocar essas lesões", pontua a delegada Iara França, do Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídios, do Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pelo caso. 

Ainda de acordo com a delegada, o crime teria sido motivado por transfobia, mascarada pela dívida que a  vítima tinha no estabelecimento.  Os áudios da câmera de vigilância, além da intensidade das agressões, comprovariam o preconceito dos suspeitos. França explica que, apesar disso, os homens foram indiciados por feminicídio, pela condição de gênero da vítima.

Possível negligência médica

Apesar de as investigações apontarem o cometimento de um crime de ódio, a PCMG também solicitou ao Ministério Público (MPMG) que investigue possível negligência médica na morte de Alice. O objetivo é analisar o fato de a vítima ter procurado atendimento médico, mas ter sido liberada.

No dia 2 de novembro, após ter recebido alta na UPA Centro-Sul, Alice foi levada de ambulância para o Pronto Atendimento do Hospital da Unimed, em Betim (MG), na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na unidade de saúde, exames de imagem apontaram fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo.

Em 8 de novembro, os médicos diagnosticaram uma perfuração no intestino, possivelmente causada por uma das costelas quebradas ou, segundo suspeita do pai da vítima, Edson Alves Pereira, agravada pelo uso de anti-inflamatórios após a agressão. Com o diagnóstico, Alice foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas não resistiu.

Alice morreu em decorrência de uma infecção generalizada, causada pela perfuração de parte do intestino. A informação consta no atestado de óbito da vítima. O documento, enviado à reportagem, indica que a causa da morte foi "choque séptico, abdome agudo perfuro, úlcera duodenal perfurada" e uso de anti-inflamatório.

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