Caso Alice: advogada afirma que polícia transformou réus em bode expiatório
Em entrevista exclusiva ao EM, defensora dos garçons diz que por causa da manifestação de movimentos sociais, autoridades 'entregaram um culpado pré-fabricado'
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Uma das advogadas dos garçons acusados de agredir Alice Martins Alves, de 32 anos, em outubro deste ano, afirma que a investigação não considerou as próprias declarações da vítima para indiciar os suspeitos. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Luciana Rezende enfatiza que os homens indicados pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) como responsáveis pelo ataque e morte da vítima, uma mulher trans, são inocentes. Segundo a polícia, Alice morreu em 9 de novembro, 17 dias depois de ser atacada ao sair do Bar Rei do Pastel.
A advogada explicou que as características repassadas por Alice dos homens que a atacaram não condizem com a fisionomia física dos garçons indicados pela investigação. A menção foi feita em um boletim de ocorrência, registrado em 5 de novembro. Na oportunidade, a vítima relatou que não conhecia os suspeitos e identificou um deles apenas como um homem, branco, com cabelos escuros e usando calça jeans e camisa preta.
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“No boletim de ocorrência está bem claro que ela identificou os agressores como homens brancos e altos. Arthur e William são dois homens pretos. Não dá nem para ficar em dúvida e chamar os dois de pardos”, afirmou.
Para Luciana, a identificação dos clientes foi apressada e equivocada. “Eles foram transformados em bodes expiatórios. Por ser uma mulher trans, os movimentos sociais se manifestaram, a polícia quis entregar um bode expiatório, um culpado pré-fabricado.”
O que disseram os réus?
Ao EM, William Gustavo de Jesus, de 20 anos, afirmou que não agrediu a vítima, mas confirmou que foi atrás da mulher trans para cobrar a conta não paga, a pedido do gerente do Bar Rei do Pastel, onde trabalhava na época. Ele conta que na noite de 23 de outubro estava trabalhando de garçom quando atendeu a mesa que Alice estava.
Em determinado momento, ele relata que foi chamado pelo subgerente da unidade e informado que a cliente tinha o costume de sair sem pagar e, por isso, ele deveria “ficar de olho”. Depois de um tempo, o garçom percebeu que a vítima já tinha ido embora e, ao questionar se ela teria quitado o consumo, recebeu uma negativa.
“Então, o gerente disse que nós teríamos que ir lá fazer a cobrança da conta. O Arthur foi na frente e eu fiquei na loja, porque a gente tem horário para encerrar as mesas que ficam do lado de fora, por conta da fiscalização. Quando o Arthur começou a demorar um pouco, eles me pediram para ir ajudar. Nesse momento, eu peguei a máquina de cartão, fui até lá e, quando cheguei, vi algumas pessoas e o Arthur e a Alice estavam conversando”, relata.
Ainda segundo o homem, quando ele se aproximou, o colega o perguntou o valor da conta e ele repetiu. William afirma que apesar de estarem cobrando o pagamento da conta, em nenhum momento os dois bateram na vítima. “Em alguns momentos, a Alice dizia que ia pagar, mas depois dizia o contrário. Enquanto isso, ela afirmava que ia se jogar no chão e quando as pessoas passassem iria falar que estava sendo agredida.”
Falta de autoria
Susan Santos, também advogada dos acusados, reforçou a inocência dos homens. Em entrevista ao Estado de Minas, ela afirmou que, apesar do fechamento do inquérito, a investigação não tem “certeza” da autoria das agressões contra Alice. A defensora afirmou também que os clientes não possuem aversão ao grupo trans e uma prova disso é que os dois trabalhavam “em uma região frequentada por todos os grupos”.
“As autorias que tentam imputar são circunstanciais. Depoimentos que foram mudados várias vezes para imputar aos meus clientes o crime horrendo”, disse ela.
Susan ainda explicou que os clientes, especialmente o mais velho, indiciado pela Polícia Civil como comandante do crime, estão sendo perseguidos. A advogada enfatiza que a sociedade está culpando o homem, "principalmente” por ele ter passagem pelo sistema prisional.
“Os dois estão sofrendo muito com a inversão que a investigação tomou nas últimas semanas. Nós todos sentimos a dor do pai dela. Sabemos que é peculiar cuidar desse caso. Mas a população tem que entender que julgar inocentes seria matar a memória de Alice pela segunda vez”, afirmou Susan.
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O que se sabe sobre o crime?
- Alice esteve na Savassi, Região Centro-Sul de Belo Horizonte, na noite de 22 de outubro
- A mulher trans esteve em uma unidade do Bar Rei do Pastel e, por volta de 23 horas foi para outra unidade, a poucos metros de distância
- No segundo bar, ela consumiu bebidas alcoólicas e foi embora, depois de 00h, sem pagar a conta de R$ 22
- Para a Polícia Civil, assim que saiu, em direção à Avenida Getúlio Vargas, Alice foi perseguida por dois funcionários do bar
- Eles a encurralaram na mesma avenida, próximo a esquina com a Rua Sergipe, e a cobraram a conta
- Uma câmera de segurança gravou o momento que a mulher afirma que quitou o débito, mas é desacreditada pelos garçons
- O equipamento de segurança flagrou o momento que a vítima começou a gritar por socorro, enquanto é ameaçada e agredida pelos homens
- Alice pediu socorro 12 vezes
- As agressões continuam por mais de 10 minutos e só param depois que um motoboy interveio ao crime
- A Polícia Militar e o Samu chegam ao local e levam Alice até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Centro-Sul
- Na unidade de saúde ela é medicada e liberada
- Em 2 de novembro, Alice é novamente levada a um pronto atendimento onde constatam fraturas nas costelas, cortes no nariz e desvio de septo
- Em 8 de novembro, em nova internação, Alice é diagnosticada com perfuração no intestino
- Em 9 de novembro, ela é submetida a uma cirurgia de emergência e morre por infecção generalizada