Seriado UFMG estreia com prova fácil e críticas a divergências no edital
Estudantes e professores avaliam prova como adequada ao 1º ano do ensino médio, mas gerou discussões principalmente na questão discursiva
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Estudantes e professores classificaram como "de nível médio-fácil" a primeira prova do Seriado UFMG, aplicada nesse domingo (14/12). Apesar de o teste ser considerado adequado ao 1º ano do ensino médio, docentes criticam inconsistências entre edital e o exame, e a instituição promete reuniões para debater melhorias nas próximas etapas.
O novo processo seletivo para ingressar na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai destinar 30% das vagas a cursos de graduação da instituição a partir de 2028, coexistindo com o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outros processos seletivos existentes da universidade.
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Do ponto de vista dos estudantes entrevistados pela reportagem, a percepção foi de uma prova tranquila. Emanuel Gomes Barbosa, de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio em Rio Casca, na Zona da Mata mineira, avaliou positivamente a estrutura do exame.
“Achei a prova bem elaborada, apesar de ter alguns erros gramaticais, mas esclarecidos antes da prova. Seguiu a lógica de contextualizar e pedir interpretação, sem ser tão conteudista quanto outros vestibulares".
Segundo ele, a área mais difícil foi Matemática, com questões mais longas e complexas, enquanto Física exigiu apenas conhecimentos básicos do primeiro ano.
O adolescente também destacou a ausência de “pegadinhas”. “As questões eram claras, mesmo quando pediam a alternativa incorreta ou a exceção. Estava tudo bem sinalizado”, diz. Sobre a questão discursiva, ele avalia que o formato foi simples. “Era um artigo de opinião bem tranquilo, os textos norteadores eram o necessário para compreensão do objetivo e o que a banca quer que você escreva”, afirma.
Para ele, o exame foi mais fácil que o Enem. “O seriado cobra menos matérias e conteúdos mais recentes. Além disso, a redação é menor, o que ajuda muito”, compara. Mesmo sem ter revisado o conteúdo do primeiro ano, Emanuel acredita que teve bom desempenho. “Devo ter errado mais em exatas e na estrutura do artigo de opinião, já que a escola foca muito na redação do Enem”, admite.
Já Willian Barbosa de Oliveira, de 26 anos, morador do Tirol, na Região do Barreiro, em Belo Horizonte, e já formado no ensino médio, também considerou a prova adequada. “Para o nível do primeiro ano achei ok. As questões das obras literárias estavam muito fáceis, nem precisava de estudo prévio”, avalia. Ele classifica Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas como fáceis, e elogia a proposta da questão discursiva. “Foi uma questão muito boa”, afirma.
O jovem também aponta que o Seriado UFMG foi mais tranquilo que o Enem. “São menos questões e mais tempo para resolver cada uma, o que permite raciocinar melhor”, diz. Para a próxima etapa, ele espera um aumento gradual da dificuldade. “Estou com a expectativa muito boa para a próxima etapa, acredito que ficará um pouco mais difícil com questões boas de fazer".
Com acesso à prova no domingo à noite, os professores fizeram uma análise sobre a exame. No Colégio Santo Agostinho, a supervisora pedagógica da unidade de Nova Lima conta que, assim que as informações da prova foram liberadas, começou a analisá-la junto com alguns colegas.
Segundo ela, o nível da prova foi coerente com a proposta do seriado. “Para quem conhece o perfil tradicional da UFMG, a expectativa era de uma prova mais difícil. Mas, considerando que o foco é o aluno da primeira série, a prova cumpriu o objetivo de não afastar o estudante logo no início do ciclo”, avalia.
O diretor executivo do Colégio Bernoulli Marcos Raggazzi, também destacou que a prova teve “o grau de dificuldade mediano da prova conseguiu, com bastante critério, discriminar as habilidades e competências dos vestibulandos que participaram desse primeiro ciclo. Todas as obras literárias foram adequadamente abordadas ao longo da prova".
Apesar disso, os docentes apontam inconsistências entre o edital e o que foi aplicado. A principal delas foi a questão discursiva. “O edital falava em uma questão discursiva interdisciplinar, mas o que vimos foi, na prática, uma proposta de redação no gênero artigo de opinião. Isso gera insegurança, especialmente em estudantes mais jovens”, afirma. Para ela, a falta de alinhamento pode causar ansiedade e comprometer a confiança dos candidatos no processo.
A questão discursiva exigiu que o estudante escrevesse um artigo de opinião sobre a "importância das línguas para a humanidade e se posicionar criticamente sobre o que se perde com o desaparecimento de uma língua". Embora o tema tenha sido considerado acessível, a mudança de formato chamou atenção.
Para Marcos Raggazzi, a questão foi diferente do que era programado. "No documento norteador do vestibular seriado e também no edital era dito que seria uma questão interdisciplinar e que não seria cobrada uma redação, mas foi exigido que o aluno escrevesse um artigo de opinião com 15 linhas. Isso, realmente, está fora do que estava previsto nos editais", destaca.
Na avaliação por áreas, os docentes consideraram o exame equilibrado. Em Ciências Humanas, a maioria das questões pôde ser resolvida com boa interpretação de texto, com exceção de Geografia e Física, que exigiram maior domínio técnico.
Em Linguagens, houve maior presença de gramática aplicada e questões fora do padrão do Enem, incluindo uma que associava música a conceitos de Física. Matemática apresentou enunciados mais diretos, com uma questão considerada mais desafiadora, enquanto Ciências da Natureza trouxe abordagens mais conteudistas, especialmente em Física.
A instituição afirma que não houve questão anulada, mas que duas questões erradas foram identificadas e corrigidas, e os candidatos foram avisados. "Correu tudo dentro da normalidade, com apenas 26 atendimentos de saúde, em geral de candidatos que se sentiram mal em decorrência da própria ansiedade provocada pelo momento. Apenas 18 candidatos foram eliminados por uso de dispositivos eletrônicos", destacou a diretora de Processos Seletivos e Concursos Públicos (Copeve), a professora Kátia Pedroso Silveira.
Para as próximas etapas do Seriado UFMG, a expectativa entre educadores e candidatos é de ajustes no processo. Júlia Farnese defende maior alinhamento entre o edital e a prova aplicada, além de uma progressão gradual do nível de dificuldade ao longo dos três anos. “O aumento da complexidade precisa acompanhar a maturidade do estudante. Assim, evita-se uma quebra brusca na terceira etapa, que concentra o maior peso da nota final”, conclui.
Questionada sobre as inconsistências entre edital e o exame, principalmente na questão discursiva que pareceu mais como uma "redação", em nota, a UFMG disse que "prevê para o próximo semestre a realização de reuniões com professores da educação básica para debater a prova, visando o aprimoramento do processo, seguindo a tradição de diálogo da Universidade com as redes de educação".
Proxima etapa
A segunda etapa do ciclo 2025/2027 do Seriado UFMG já tem data definida. A universidade anunciou que as provas serão aplicadas em dois dias: 12 (sábado) e 13 (domingo) de dezembro de 2026.
Também já foram divulgadas as obras literárias e artísticas que farão parte do conteúdo programático. Os candidatos deverão estudar os livros "São Bernardo", de Graciliano Ramos; e "Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil", de Luana Tolentino, além do documentário "Balé de pé no chão – a dança afro de Mercedes Baptista", de Lilian Solá Santiago e Marianna Monteiro.
Para participar da segunda etapa, os candidatos que realizaram a primeira prova precisarão se inscrever novamente. Estará apto a seguir no processo o estudante que for aprovado na 1ª série do ensino médio na escola em que estiver matriculado, além de quem já está formado. Apenas quem for reprovado neste ano não poderá participar do segundo ciclo.
Gabarito
Poucas horas depois do encerramento da aplicação da prova, o gabarito preliminar da Etapa 1 foi divulgado no site da Copeve. Candidatos que identificarem possíveis erros ou tiverem dúvidas sobre alguma questão podem solicitar a revisão até sexta-feira (19/12). O gabarito definitivo será publicado em 7 de janeiro, após a análise dos recursos apresentados.
Já o resultado preliminar do desempenho dos candidatos está previsto para ser divulgado a partir de 2 de fevereiro. Eventuais recursos poderão ser encaminhados até o dia 9 do mesmo mês. O resultado final será anunciado em 19 de fevereiro.
Na primeira etapa do ciclo 2025/2027, o exame cobrou 45 questões objetivas, abordando as quatro áreas do conhecimento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, além de uma questão discursiva interdisciplinar, que propõe a junção de duas ou mais disciplinas.
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Além dos conteúdos gerais, as obras literárias e artísticas adotadas foram incluídas nos conteúdos da prova e serão baseadas no romance "Memórias de Martha" (1899), de Julia Lopes de Almeida; a música "Principia", de Emicida; e os autorretratos da série "Pão e circo" (2012), do artista Paulo Nazareth. Em cada etapa, novos artistas e obras serão definidos.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice