Quando a imprudência com caminhões e carretas vira fórmula para desastres
Comportamentos passíveis de multa estão entre os principais responsáveis por sinistros e mortes envolvendo veículos pesados, o que desafia a fiscalização
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Brumadinho, Caeté, Florestal, Itatiaiuçu, Sabará, Montes Claros, Grão Mogol e Francisco Sá – A carreta vermelha 8x2 engatada em um semirreboque graneleiro (24 rodas) mergulhou na sinuosa serra de Ravena. Ultrapassou rapidamente o limite de 80 km/h. Ao fim da descida de 4,5 quilômetros e nove curvas, no Km 431 da BR-381, em trecho conhecido como Rodovia da Morte, em Sabará (Grande BH), surgiu na reta a 98 km/h, conforme medido com radar pela equipe de reportagem do Estado de Minas.
O fato de o veículo pesado superar em 22,5% a velocidade máxima permitida no local custaria ao condutor multa por infração grave, ao custo de R$ 195, com perda de 5 pontos na carteira de habilitação. Isso se o trecho crítico com histórico de abusos tivesse um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) com radar em punho ou medidores estáticos de velocidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit).]
Pior do que faltarem formas para coibir a imprudência do condutor: ainda que a carreta estivesse sem carga, se surgisse uma emergência na estrada as cerca de 17,3 toneladas necessitariam de aproximadamente 172 metros para parar completamente – bem mais que o comprimento de um campo e meio de futebol (157 metros) –, lançando à sorte a vida de outros usuários da via, com chances ampliadas de um desastre.
O cálculo é baseado no trabalho Análise Teórica da Eficiência de Frenagem de Veículos Rodoviários de Carga Brasileiros, da Escola de Engenharia da USP (São Carlos). “A alta velocidade é particularmente perigosa para caminhões devido às leis da física que governam corpos de grande massa e inércia. A energia cinética (força do movimento) de um veículo carregado em alta velocidade é imensa, exigindo uma distância muito maior para uma parada completa”, explica o professor Raphael Lúcio Reis dos Santos, do Departamento de Engenharia de Transportes do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG).
Naquele dia, felizmente a carreta se foi, Rodovia da Morte afora. Mas deixou em seu rastro parte do roteiro de como comportamentos proibidos e puníveis com multas podem resultar em sinistros e mortes nas estradas brasileiras. Casos que seriam evitáveis se motoristas decidissem seguir a legislação de trânsito ou se estivessem sob fiscalização preventiva mais intensa. Especialmente os pesados transportadores de cargas, diante do potencial ampliado de danos que representam.
Lista de imprudências
Alta velocidade, ultrapassagens proibidas, acessos irregulares e outros comportamentos que são evitáveis e têm punição prevista por representarem infrações estão associados a duas de cada cinco causas de sinistros e mortes envolvendo pelo menos um veículo de transporte pesado de cargas brasileiro. Mas nem sempre a fiscalização é suficiente e a punição ocorre onde é necessário.
É o que mostra a terceira reportagem da série “Cargas de risco” do Estado de Minas, um mapeamento dos principais riscos envolvendo a modalidade de transportes que movimenta 65% das riquezas produzidas nacionalmente, de acordo com estimativa da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
Em levantamento feito pelo EM sobre dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) de 2022 a julho de 2025, chega-se a uma relação de 21.497 sinistros evitáveis, associados a comportamentos passíveis de multa, envolvendo carretas e caminhões. Isso representa 41% dos 52.446 registros totais com pelo menos um desses veículos envolvidos.
A razão de mortes nessas circunstâncias é ainda maior, com 4.242 vidas perdidas por esse tipo de sinistro associado a infrações, o que representa 44% dos 9.631 mortos em ocorrências com pelo menos um veículo pesado de carga.
Velocidade de risco
Trafegar em alta velocidade é o componente mais verificado na fórmula do desastre, representando 5.098, ou 24%, das causas de sinistros identificados e evitáveis. O comportamento responde também pelo maior número de vidas perdidas, com 1.154 óbitos no período (12%).
“Quando uma freada brusca é necessária, a energia cinética pode gerar um momento de força que supera a estabilidade do veículo, resultando em seu tombamento. O procedimento seguro, portanto, é preventivo: manter velocidade compatível que permita uma frenagem suave e progressiva, priorizando o freio motor e reservando os freios hidráulicos para situações de parada final, evitando manobras desesperadas e descontrole”, define o professor Raphael dos Santos.
Roteiro de viagem
Na terceira etapa da série “Cargas de risco”, a equipe do EM mostra como comportamentos inadequados de caminhoneiros, que representam infrações previstas em lei, contribuem para aumentar os sinistros que multiplicam prejuízos e perdas de vidas nas estradas. A edição de ontem revelou como operam as quadrilhas que causam prejuízo bilionário ao transporte rodoviário com o roubo de carregamentos. A primeira reportagem analisou os sinistros de trânsito, mapeando os pontos mais letais das rodovias federais e as causas principais de milhares de mortes.