A menos de 60 dias do prazo que determina a extinção definitiva das carroças de tração animal em Belo Horizonte, a categoria vive no limbo. A proibição avança rapidamente no calendário, enquanto na prática, pouco mudou. Carroceiros alegam que, mesmo após a apresentação do plano de substituição da atividade, ainda não houve qualificações e alternativas prometidas pelo poder público. O clima de incerteza intensifica o debate entre a proteção animal e o sustento de inúmeras famílias. A Prefeitura de BH informou que estão sendo adotadas ações para garantir uma transição responsável.

Em 2021, foi aprovado na Câmara Municipal a Lei 11.285/2021, que previa o prazo até 2031 para a extinção das carroças. Posteriormente, em 2023, o Projeto de Lei 545/2023, de autoria dos vereadores Wanderley Porto (Patriota) e Janaina Cardoso (União Brasil), propôs a reduzir para cinco anos o prazo para a extinção dos veículos de tração animal. No mesmo ano, a proposta foi aprovada e a Lei Municipal nº 11.611 foi sancionada. A norma prevê que um comitê intersetorial da prefeitura construiria alternativas para os carroceiros e para a destinação dos animais. 

Ficou determinado, desde então, a proibição definitiva da circulação de veículos de tração animal na cidade a partir de 22 de janeiro de 2026. Órgãos como a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) recomendaram o veto do projeto, alegando que ele fere direitos dos carroceiros e contém vícios de inconstitucionalidade. 

Em fevereiro de 2024, a PBH apresentou um plano de apoio para a categoria, preparando-a para a substituição gradativa dos veículos de tração animal. A proposta era de qualificação profissional dos carroceiros e seus familiares, por meio de cursos profissionalizantes, auxílio na busca por vagas de trabalho no mercado formal e para retirada de carteira de motorista e aulas de informática. 

Já os animais seriam vacinados e microchipados, para encaminhamento para adoção, caso os proprietários não queiram permanecer com ele. A conclusão do estudo tinha como prazo, junho do ano passado, e as ações propostas seriam adotadas a partir de um diagnóstico sobre quantos são os carroceiros e qual o perfil deles e dos familiares têm. A categoria, no entanto, alega que nada aconteceu desde então.

Forma de sustento

Em entrevista ao Estado de Minas, o advogado de causas coletivas, Rafael Bretas, afirmou que a proibição é um equívoco. “A aprovação dessa legislação presume de maneira absurda que qualquer uso do cavalo na tração representa maus-tratos, e com isso, colocou todos os carroceiros na condição de agressores”, disse. Segundo ele, não houve debate técnico sobre o uso das carroças, que é uma prática tradicional do país.

“A saúde animal foi a motivação da lei. Mas ela é buscada, primeiramente, pelos próprios carroceiros, porque eles dependem da atividade para tentar se sustentar e suas famílias. O problema não está na atividade em si, mas em casos pontuais que devem ser combatidos”, afirmou Bretas. O advogado também reforçou a importância de se discutir a saúde animal com dados concretos e avaliação veterinária, além dos carroceiros que acumulam anos de manejo dos cavalos.

“Esses processos devem ser alinhados, em vez de uma proibição genérica que só está julgando essas famílias e vai jogá-las na completa miséria. Os carroceiros eram vistos como aliados da limpeza urbana, e de uma hora para outra viraram criminosos. Desde o projeto não houve nenhuma transição”, mencionou ele. 

Rafael ainda destacou que os carroceiros lutam pela fiscalização com participação da categoria. “São pessoas simples, muitas vezes de idade avançada, e sem escolaridade, que estão em um trabalho penoso, debaixo do sol, lutando com o trânsito e lutando para trabalhar, porque querem a manutenção do seu trabalho. É uma proibição do seu trabalho com data certa, sem qualquer garantia”, desabafou o advogado.

Estilo de vida

O presidente da Associação dos Carroceiros e Carrocerias de Belo Horizonte e Região Metropolitana, Sebastião Alves Lima, tem 62 anos e 52 como carroceiro, e contou que nasceu rodeado por animais. “Comecei aos 10 anos com algumas movimentações. É um trabalho de geração em geração, é bem milenar e tradicional”, contou ele, que começa a trabalhar por volta das 8h e vai até às 17h. “Também temos dois animais para não ficar cansativo e não estressá-los”, explicou o carroceiro.

Na foto, o presidente da Associação dos Carroceiros, Sebastiao Alves Lima

Edesio Ferreira/EM/D.A Press

“Essa causa é uma discriminação com a comunidade. É uma coisa terrível para nós. Os carroceiros e carrocerias sempre existiram, e sempre existirão. As pessoas estão se apegando a uma falácia de maus-tratos. Tudo que tenho e conquistei veio da carroça”, lamenta Sebastião. Segundo a PBH, atualmente, existem 419 carroceiros cadastrados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA). Em 2024, o cadastro municipal registrava 369 pessoas que garantiam a sobrevivência por meio deste trabalho.

O que diz a PBH

Procurada pela reportagem, a gestão municipal informou que foi instituída a Comissão Intersetorial do Plano de Substituição de Veículos movidos por Tração Animal, responsável por definir as ações de fiscalização, substituição dos veículos e destinação dos animais. “Para os animais, já existe uma parceria formal com organização da sociedade civil (OSC) para acolhimento temporário, tratamento veterinário e adoção responsável dos equídeos”, disse em nota.

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O Executivo ainda comunicou que está promovendo uma série de ações como, o cadastramento contínuo de carroceiros, a microchipagem, vacinação e vermifugação dos cavalos, a promoção de blitz educativas e palestras sobre legislação, trânsito, bem-estar animal e manejo adequado de resíduos.

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