Uma  tecnologia de fiscalização de trânsito começa a ganhar espaço nas rodovias mineiras e já apresenta resultados positivos. Após os primeiros testes realizados pela Ecovias Minas Goiás na BR-050, no Triângulo Mineiro, agora é a vez da EPR Via Mineira iniciar os testes na BR-040, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, com equipamentos de medição de velocidade média.

Os sistemas ainda operam em caráter educativo, sem aplicação de multas, e dependem de regulamentação federal e certificação do Inmetro para entrarem em funcionamento definitivo. Na BR-050, o novo modelo reduziu em 22,5% o número de infrações em Uberaba. Já na BR-040, em Nova Lima, 306 veículos foram flagrados acima do limite entre 11 e 21 de outubro.

Como funciona o sistema de velocidade média?

Diferentemente dos radares tradicionais, que registram a velocidade do veículo em um ponto fixo, os equipamentos de velocidade média calculam a velocidade ao longo de todo o trecho monitorado. Ao passar pelo primeiro ponto, o sistema registra o horário; mais à frente, outro radar faz o mesmo. Com base na distância entre os dois pontos e no tempo de percurso, é possível determinar se o motorista respeitou ou não o limite da via. 

“O radar tradicional é como uma fotografia. Esse aqui é um filme. Ele obriga o condutor a manter uma velocidade constante durante todo o trajeto, o que melhora a segurança viária”, explica Bruno Araújo Silva, gerente de Operações da Ecovias Minas Goiás. 

Complementando, Rodrigo Araújo, gerente de Tecnologia da EPR Via Mineira, destaca que a diferença entre os dois sistemas está no tratamento das informações captadas. “O equipamento utiliza a mesma tecnologia e o mesmo tipo de leitura. A diferença está na forma como os dados são processados. Em vez de registrar a velocidade em um ponto exato, o sistema calcula o deslocamento entre dois trechos, ou seja, a velocidade média, conforme as leis da física: o deslocamento dividido pelo tempo”, detalha.

Segurança viária

Para o especialista em mobilidade Agmar Bento, do Cefet-MG, a tecnologia representa um avanço significativo. Segundo ele, enquanto os radares fixos têm efeito pontual, a medição por velocidade média oferece uma visão mais abrangente e realista do comportamento do condutor.
“A tendência é de que esse tipo de controle promova mudanças mais consistentes, incentivando o motorista a manter uma velocidade constante e segura, com impactos diretos na redução de acidentes”, avalia.

 

O modelo também é visto com bons olhos pelo Governo de Minas. De acordo com a Secretaria de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), o uso da velocidade média está alinhado às estratégias do Estado para reduzir o número de sinistros nas estradas. A pasta ressalta, no entanto, que a aplicação de penalidades ainda depende de regulamentação federal, que inclui a certificação dos equipamentos pelo Inmetro e regras específicas do Contran.

Fiscalização educativa, por enquanto

Por ora, os radares de velocidade média não geram multas. A operação é exclusivamente educativa e tem como objetivo avaliar a eficácia da tecnologia e conscientizar os motoristas sobre a importância do respeito aos limites de velocidade. 

Para que os equipamentos possam autuar, ainda é necessária uma regulamentação formal do sistema no Brasil. A primeira etapa depende da certificação do equipamento pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que informou que a regulamentação está prevista para 2025, mas ainda se encontra em fase inicial. Em seguida, caberá ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran) definir regras específicas para o uso do sistema. 

Há, ainda, a possibilidade de que seja preciso alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o que exigiria a aprovação de um projeto de lei no Congresso Nacional. Segundo apuração da reportagem, o deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ), autor da Lei Seca, acompanha o tema e trabalha para apresentar uma proposta legislativa que viabilize a aplicação de multas por velocidade média. Mesmo assim, fontes ouvidas avaliam que pode haver resistência política, técnica e jurídica à mudança.  

Segundo a Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), que elabora normas submetidas ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran), o CTB atual não prevê esse tipo de fiscalização  o que torna necessária uma alteração legislativa para que o sistema possa ser usado de forma punitiva.

Enquanto os testes seguem em fase educativa, a EPR Via Mineira aposta em ações de conscientização para promover um trânsito mais seguro. “Temos várias ações de orientação e campanhas educativas, tanto presenciais quanto on-line, com materiais informativos e publicações em nossos canais. Também realizamos atividades corpo a corpo com motoristas, como distribuição de panfletos e orientações na base da PRF em Nova Lima”, detalha Rodrigo Araújo, gerente de tecnologia da concessionária.

Desafios e entraves

Atualmente, o Inmetro conduz estudos técnicos sobre os medidores. A expectativa é de que, ainda em 2025, haja uma regulamentação formal, permitindo o avanço da fiscalização punitiva. Até lá, os radares seguirão em operação apenas com caráter educativo. 

A própria Seinfra reconhece o potencial do sistema como ferramenta de transformação da cultura do trânsito, mas destaca que, sem respaldo normativo, o uso continua limitado. Há ainda discussões sobre a viabilidade jurídica da medida, com possibilidade de alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), embora especialistas defendam que uma resolução do Contran já seria suficiente para legalizar a aplicação de multas. 

Resultados no Triângulo Mineiro

Instalados pela concessionária Ecovias Minas Goiás, os dois primeiros radares de velocidade média começaram a operar em outubro de 2024, em um trecho de 11 quilômetros entre os quilômetros 171 e 182 da BR-050. Os testes foram realizados entre os municípios de Uberaba e Delta, no Triângulo

Durante esse período, o sistema operava de forma educativa, sem emissão de multas, e teve como objetivo avaliar a eficácia da tecnologia e o comportamento dos motoristas. Segundo dados da empresa, após ações educativas da Polícia Rodoviária Federal (PRF), houve redução de 22,5% nas infrações registradas no trecho. 

Entre 2 e 14 de outubro de 2024, foram contabilizados 3.922 veículos acima da velocidade permitida. Após a blitz educativa, realizada entre 15 e 27 de outubro, o número caiu para 3.038, uma redução de 884 ocorrências.

A análise do comportamento dos condutores também revelou situações curiosas, como a de um motorista que, embora não tivesse recebido nenhuma multa por radar fixo em 12 meses, teria acumulado 105 infrações caso a medição fosse feita pela velocidade média. 

Com base nos resultados, a concessionária planeja expandir o uso da tecnologia para mais dois trechos críticos da BR-050 em Araguari (MG) e Catalão (GO), ambos com até 10 quilômetros de extensão. Estão em andamento ainda estudos para implantação do sistema em Uberlândia (MG) e Cristalina (GO).

Testes na BR-040

Tecnologia promete reduzir acidentes e mudar comportamento de motoristas, mas ainda não há previsão para aplicação de multas

Leandro Couri/EM/D.A.Press

Já em 2025, a EPR Via Mineira iniciou, em outubro, os testes do sistema de radares de velocidade média na BR-040, entre Belo Horizonte e Juiz de Fora. Os dois primeiros equipamentos foram instalados em Nova Lima, nos quilômetros 545 e 551, sentido Juiz de Fora, em um trecho de seis quilômetros, com limite de 100 km/h. 

Em fase educativa, o projeto antecipa a adoção de uma nova tecnologia de monitoramento no país e integra um conjunto de ações voltadas a reforçar a segurança viária, reduzir acidentes e estimular o respeito às regras de trânsito, com foco na preservação de vidas. 

De acordo com o gerente de Tecnologia da concessionária, Rodrigo Araújo, o sistema utiliza os mesmos equipamentos dos radares convencionais, mas se diferencia na forma de tratar as leituras. Em vez de medir a velocidade em um ponto isolado, calcula-se o deslocamento do veículo entre dois trechos, resultando na chamada velocidade média  obtida pela razão entre distância e tempo. 

O trecho escolhido é considerado crítico e com histórico de acidentes, além de não possuir acessos intermediários, o que garante maior precisão na medição. Os novos radares contam com sensor Doppler, tecnologia que substitui os laços indutivos instalados no asfalto, comuns em equipamentos mais antigos. A inovação elimina a necessidade de intervenção no pavimento e melhora a qualidade de leitura dos veículos. 

Durante o período inicial de observação, entre 11 e 21 de outubro, os equipamentos registraram 306 veículos acima da velocidade máxima permitida, com média de 105 km/h. A concessionária reforça que não possui atribuição legal para aplicar multas e que a fiscalização segue sob responsabilidade da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). 

Segundo Araújo, o modelo em teste na BR-040 é semelhante ao implantado pela Ecovias Minas Goiás na BR-050, em Uberaba, também em fase educativa. A principal diferença está apenas no fabricante do equipamento, já que ambos seguem as mesmas premissas técnicas definidas pelos órgãos reguladores, como o Inmetro, e as diretrizes em discussão para futura regulamentação nacional. 

O radar é composto por um sistema de processamento e uma câmera, que registra as passagens, enquanto o sensor Doppler faz o papel do medidor de velocidade. Todo o processamento é armazenado no próprio equipamento e enviado à empresa responsável pela validação das passagens, processo posteriormente revalidado pelos órgãos competentes, como a PRF e a ANTT. Como a tecnologia de medição por velocidade média ainda não está homologada no Brasil, os testes têm caráter exclusivamente educativo, sem poder de autuação.

Custo e infraestrutura

Do ponto de vista técnico, a implementação em larga escala exige planejamento. Além da instalação física dos equipamentos, é necessário garantir infraestrutura elétrica e de dados, bem como mecanismos para armazenamento e envio seguro das informações. O custo da operação, somado à extensão da malha rodoviária brasileira, representa um dos principais desafios. 

Ainda assim,  para o especialista em mobilidade Agmar Bento, os ganhos potenciais são muitos. "A fiscalização por velocidade média pode contribuir não só para a segurança nas estradas, mas também para a preservação ambiental". Como exige uma condução mais uniforme, o sistema reduz frenagens bruscas e acelerações excessivas, o que leva à menor emissão de poluentes, menor desgaste de peças e maior economia de combustível. 

Comunicação e credibilidade

Ainda segundo Agmar, um dos pontos de atenção, está na forma como esse tipo de fiscalização é comunicado à sociedade. Para ele, a resistência de parte da população está mais relacionada à falta de transparência e de informação sobre os objetivos da medida do que a uma real ineficiência do sistema. Por isso, defende que campanhas educativas sejam veiculadas de forma clara, acessível e contínua, reforçando que o controle da velocidade é uma medida de proteção à vida e não apenas um mecanismo arrecadatório.  

Modelo internacional

A fiscalização por velocidade média já é adotada em pelo menos 28 países, entre eles Austrália, Reino Unido, Coreia do Sul e Turquia. Na Itália, estudos mostram que o uso dos radares levou à redução de até 50% no número de mortes em rodovias monitoradas no primeiro ano de operação. Em Portugal, o sistema também foi bem avaliado pelas autoridades de trânsito, embora desafios como tentativas de burlar o controle por meio de paradas estratégicas tenham sido observados.

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que uma redução de apenas 1% na velocidade média de circulação pode diminuir em até 4% os acidentes fatais. Já um relatório de 2023 da Global Road Safety Partnership estima que a queda de 5% pode representar até 30% menos mortes.

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