Moradores do Novo Lajedo, em BH, constroem ponte e relatam negligência
A ponte oficial no bairro da Região Norte reflete a autossuficiência que a comunidade precisa ter para garantir melhores condições
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Uma ponte de concreto no Bairro Novo Lajedo, na Região Norte de Belo Horizonte, com corrimão já enferrujado e erguida sobre um córrego onde há pneus acumulados, o mato alto e cheirando a esgoto, representa o sentimento dos moradores da região: abandono.
A sensação é agravada pela condição da via onde a estrutura está localizada. A Avenida Pixinguinha não tem asfalto, é estreita e irregular, o que dificulta o trânsito de pedestres e, quando chove, inviabiliza o acesso de veículos.
A ponte reflete também a autossuficiência que a comunidade precisa ter para garantir melhores condições, uma vez que ela foi construída por moradores, com recursos próprios. Também na Avenida Pixinguinha, que está localizada em Área Especial de Interesse Social, residentes analisam maneiras de asfaltar a via por conta própria.
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“Isolada. Isolada de tudo”. É assim que se sente Dinair Amélia da Cruz Silva, de 64 anos, por morar em uma casa que só pode ser acessada pela ponte, construída há cerca de oito anos por ela e o marido, Jesus Augusto da Silva, de 75. Além de a residência estar afastada, para chegar até a travessia é preciso enfrentar degraus íngremes e pouco espaçosos, sem iluminação.
É necessário também passar pela via Pixinguinha que, apesar de ter o título de avenida, é estreita, irregular e sem asfalto, o que dificulta visitas de amigos. “Eles não têm culpa, às vezes querem vir, mas muitas das vezes são pessoas idosas também. Aí, para descer a escada, fica um pouco difícil”, conta a moradora, que é aposentada.
Dona Dinair, como é conhecida, também relata que já caiu várias vezes ao cruzar a ponte, caminho que faz diariamente. “Eu passo todos os dias, tenho meus afazeres, não posso ficar só em casa”, diz a aposentada.
Antes, o acesso à casa era por meio de uma pinguela de madeira, também colocada pelo casal. Com as fortes chuvas, a estrutura foi destruída e eles precisaram construir uma nova, com investimento próprio de cerca de R$ 20 mil. Dinair conta que ela e o marido não tem formação profissional na área da engenharia ou arquitetura, mas quando jovem Jesus Augusto mexia com construções.
A poucos metros da ponte do casal, outra moradora fez uma estrutura similar, também para viabilizar o acesso à residência na Avenida Pixinguinha, que faz parte do conjunto de vias da Avenida Cândido Martins. Sobre possíveis riscos para os moradores e transeuntes das pontes, a Defesa Civil de Belo Horizonte informou que “não foi acionada para vistoriar essas estruturas”.
Despejo de esgoto
O cheiro proveniente do córrego da Avenida Pixinguinha, que pertence à bacia do Ribeirão do Onça, também desanima dona Dinair de receber visitas, como conta a amiga e também moradora da região Aline Freitas, de 44 anos. O curso d’água tem forte cheiro de esgoto, como constatado pela reportagem, que esteve no local.
“Os córregos se tornaram redes de esgoto e muitas vezes depósitos de lixo, isso é um desastre para todo mundo. O curso d’água deixa de ser literalmente um curso de água para ser um efluente de esgoto. Ele perde a característica original dele”, afirma Marcus Polignano, coordenador do Projeto Manuelzão. Entre os impactos, ele, que é médico na área de medicina preventiva e social, lista a mortandade dos animais, como os peixes, e a exposição da população a possíveis doenças transmitidas por vetores como ratos e mosquitos.
Ao ser procurada pelo Estado de Minas, a Copasa foi ao córrego no dia 17 e identificou uma tubulação que aparenta fazer o lançamento irregular no curso d’água. Diante disso, a companhia informou que vai apurar de que ponto está ocorrendo o lançamento e, em seguida, vai tomar as providências necessárias. A Copasa afirmou ainda que “não foi identificado vazamento proveniente da rede coletora e dispositivos de esgoto de responsabilidade da empresa”.
Doenças
O manancial, que segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) é um afluente do córrego da Avenida Desembargador Cândido Oliveira, também está repleto de lixo e tem dezenas de pneus acumulados, que foram utilizados em uma tentativa de criação de contenção no ponto alto da via para que a largura da avenida fosse aproveitada com menos riscos. No entanto, as fortes chuvas fizeram com que eles caíssem no curso d’água. Levados pela correnteza, os pneus destruíram parte de uma estrutura de sustentação da ponte.
Nos pneus, a água se acumula e fica parada, o que traz aos moradores do entorno medo da proliferação do Aedes aegypti, transmissor de vírus causadores de doenças como dengue, chikungunya e zika. Dona Dinair diz que essa é uma preocupação constante para ela. Jerson Cecílio, aposentado de 56 anos, também mora na Avenida Pixinguinha, e suspeita que a dengue grave que teve há poucos meses esteja ligada ao acúmulo de água no córrego.
O curso d’água, que é repleto de mato, também faz com que haja ratos, cobras e escorpiões, como conta Irza Maria de Sousa, de 65, moradora da Avenida Pixinguinha há 40 anos. Sobre essas condições, a Prefeitura de Belo Horizonte informou apenas que a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) fez a limpeza e a roçada do córrego em março e que a próxima ação no local está programada para julho.
Mobilização
“Na falta de serviços e estruturas de mobilidade, moradores utilizam há 30 anos as armas que têm. Sempre fizeram barreiras de pneus para conter as erosões e fazer melhorias paliativas por conta própria”, afirma José Maria Filho, líder comunitário. Conhecido como Zé Maria, ele conta que a luta por investimentos na região para resolver questões de saúde pública e mobilidade é incessante, e que percebe uma negligência. “O direito dos moradores estão sendo feridos, precisava mesmo de uma atenção aqui”, disse ao Estado de Minas.
É difícil para pedestres e veículos transitarem na Avenida Pixinguinha. “Quando chove, ninguém sai, ninguém entra”, relata Rosália Santana, de 68, há quase 42 anos morando no Bairro Lajedo. Por ser de terra, a via fica completamente enlameada no período chuvoso.
O mesmo relata Carlos Luiz Assis, de 28, cuja residência fica na avenida. Ele conta que quando ameaça a chover os moradores e trabalhadores já conduzem e estacionam os veículos em uma rua próxima porque sabem que não vão conseguir subir caso a pista esteja enlameada. Além disso, ele relata que a água empoça e, mesmo sem chuvas, é difícil descer a pé pela avenida à noite devido às irregularidades.
Acostumados com o abandono e falta de respostas, os moradores, ao pensarem em possíveis intervenções, se contentam com qualquer coisa, até restos de materiais. “Podia tentar pegar resto de asfalto, de concreto, e colocar aqui , porque aí diminuía a poeira, os buracos, e a gente descia mais tranquilo”, sugere Irza Maria de Sousa, que diz ter desistido de solicitar soluções ao poder público.
Procurada pela reportagem, a PBH afirmou que “os estudos de viabilidade do empreendimento de tratamento de fundo de vale da Avenida Desembargador Cândido de Oliveira, que inclui a Avenida Pixinguinha estão incluídos no Plano de Obras do Município.” O Executivo municipal não deu mais detalhes.
Questões urbanas
Branca Macahubas, urbanista e consultora em inovação urbana, explica que o Bairro Novo Lajedo é um assentamento urbano informal, ou seja, não é regularizado. Ela afirma que ocupações como essa são decorrentes da realidade de uma cidade que não consegue suprir a demanda de habitação. “É um problema de ausência do poder público e a necessidade do morar”, diz Macahubas.
Para a urbanista, em casos como do Novo Lajedo, a primeira ação que deveria ser tomada pelo governo municipal é a aprovação e regularização das áreas como ocupação, concedendo aos moradores o direito de posse. “O poder público não consegue alcançá-los.
Enquanto o poder público não fizer o levantamento desses imóveis, ele ainda desconhece, em tese, o que eles precisam de fato. A partir do levantamento, você faz orçamento das obras, qual tamanho do sistema viário necessário, sistema de esgoto (...)”, explica a urbanista.
O reconhecimento da posse também garantiria aos moradores da área direitos como hipotecar o imóvel e exercer atividades econômicas de maneira regular no local, fatores que poderiam proporcionar melhores condições financeiras aos residentes, afirma Macahubas. A partir do mapeamento e regularização, a urbanista acredita que deveria vir o investimento para esgoto, água, luz, asfalto e outras obras de infraestrutura.
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Branca Macahubas explica também que a falta de regularização deixa os moradores sujeitos à “desarticulação do diálogo entre os órgãos”, como Executivo municipal e empresas responsáveis por energia e saneamento. “Fica um jogo de empurra e essas pessoas ficam sempre à margem”, afirma.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice