Como prosperidade e estradas traçam rota da violência no Triângulo e no Sul
Regiões de maior opulência econômica, próximas a divisas e com variadas rotas de fuga sofrem com roubos, tráfico e influência de facções de estados vizinhos
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Siga noProximidade com outros estados, variedade de rotas de fuga e poderio econômico ditam as direções da criminalidade violenta no Triângulo Mineiro e no Sul de Minas. Não por acaso, em ambos os casos o perfil da violência é fortemente influenciado pelo tráfico, por ataques de ladrões e pela ação de facções. É o que mostra mapeamento feito pelo Estado de Minas considerando ocorrências de 2024 e o perfil populacional das maiores cidades mineiras. Nas duas regiões, os roubos se destacam na composição da chamada criminalidade violenta, delimitada pelos critérios das autoridades estaduais de segurança pública.
No Triângulo, a composição dos crimes está fortemente ligada ao intenso comércio de drogas, que transforma a região em rota do tráfico e palco de disputas entre facções. Essa realidade é agravada pelos roubos de veículos para troca por entorpecentes e para transporte de carregamentos ilícitos, bem como por deficiências estruturais da segurança pública regional.
Não apenas no caso de veículos, mas de forma geral, a ação de ladrões é o maior desafio de segurança pública do Triângulo Mineiro, representando 69% dos crimes com uso de violência nas maiores cidades da região. Uma taxa mais alta na comparação com o conjunto das 72 cidades com mais de 50 mil habitantes de Minas Gerais, cujo índice chega a 64,1%.
Destacam-se nesse cenário os dois maiores municípios. Em Uberlândia, o crime patrimonial com grave ameaça ou agressão representou 74,3% dos crimes violentos. Já em Uberaba, o índice foi de 70,2%, em ambos os casos de acordo com as ocorrências policiais de 2024.
Segundo mais populoso município mineiro, com 713.224 habitantes, atrás apenas da capital, Uberlândia registrou uma taxa de 247,1 crimes violentos por 100 mil habitantes, o 5º pior entre os municípios do estado por esse critério proporcional. Já Araguari enfrentou índice de 11,8 homicídios por grupo de 100 mil pessoas, números que posicionam a cidade no 37º lugar da lista de municípios com mais mortes violentas entre os 72 com mais de 50 mil habitantes avaliados no estado. Também da região, estão listados nesse grupo, além de Uberaba, Frutal e Ituiutaba.
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O conjunto destes cinco municípios registra uma taxa de crimes violentos de 220,5 por 100 mil habitantes, superando o índice geral mineiro (157,3 por grupo de 100 pessoas). A taxa coletiva de vítimas de homicídio foi de 9,3 por 100 mil moradores, menor, portanto, que a estadual (13,4/100 mil).
Presídios, picapes e venda de drogas
Em contato com comandantes e chefes ativos e inativos das forças policiais da região, o coronel Carlos Júnior, especialista em inteligência de Estado e segurança pública, obteve informações para analisar as particularidades dos crimes nas grandes cidades do Triângulo. “Os presídios da região são onde se encontra o maior número de internos faccionados do estado, ao lado do Sul de Minas. A região é uma porta de entrada crucial de entorpecentes para Minas Gerais, abastecendo o consumo local e servindo como corredor para outras áreas”, afirma, listando a influência local de duas das maiores organizações criminosas do país, com origem em São Paulo e Rio de Janeiro, facções que disputam controle do sistema prisional e territórios, o que eleva a tensão e a violência.
O roubo de veículos, especialmente camionetes, é um indicativo particular dos crimes no Triângulo Mineiro. “Esses automóveis são frequentemente levados ao Paraguai para serem trocados por drogas, em um esquema em que um veículo serve como pagamento e outro retorna carregado com os entorpecentes, fomentando o ciclo criminoso”, descreve o especialista. “A deficiência no efetivo policial e o desmantelamento de unidades táticas fragilizaram a segurança na região. Essa decisão administrativa limitou a capacidade de resposta e tornou cidades como Uberaba mais vulneráveis a grandes assaltos, apesar da existência de apoio aéreo”, acrescenta.
Panorama dos assassinatos
Os bairros com mais vítimas de homicídios entre os municípios mais populosos do Triângulo foram o Centro de Ituiutaba, com 2,9%, Jardim Brasília (Uberlândia), com 4,9%, Distrito Industrial de Uberlândia, com 2,9%, Jardim das Palmeiras (Uberlândia), com 2,9% e Morumbi (Uberlândia), com 2,9%. As mortes foram registradas sobretudo nas vias de acesso públicas (56,3%), casas (28,1%), bares, lanchonetes e restaurantes (5,5%).
Mortes que ocorreram pelo uso de armas de fogo (43,0%), armas brancas (36,7%), enforcamentos (4,7%) e agressões físicas sem armas (3,1%). Os motivos inicialmente identificados foram brigas e atritos (37,2%), razões passionais (16,3%), ação de gangues ou facções criminosas (9,3%), envolvimento com drogas ou tráfico (8,1%) e vinganças (5,8%).
A origem
Os índices da reportagem foram gerados a partir de levantamento com recortes regionais, feito pela equipe do Estado de Minas com consultoria de analistas de segurança pública. Foram usados dados de 2024 da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre crimes, correlacionados com a demografia dos 72 municípios mineiros com mais de 50 mil habitantes, conforme o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O perfil dos crimes com uso de violência
Os crimes violentos, conforme definição da Sejusp, abrangem, além dos homicídios e tentativas, a extorsão mediante sequestro e as modalidades tentada e consumada de estupro, estupro de vulnerável, extorsão, roubo, sequestro e cárcere privado. Dentro desse universo, os roubos representam 64,1% do total de crimes violentos nos 72 municípios mineiros com população superior a 50 mil habitantes, sendo a principal infração que pesa sobre o índice de violência.
A realidade se repete na composição dos crimes violentos que predominaram nos cinco municípios do Triângulo, onde a maior participação foi do roubo (63,4%) e das tentativas de roubo (7,3%), seguidas de tentativa de assassinato (7,0%), estupro de vulnerável (5,9%) e estupro (4,7%).
Para cometer esses delitos, os criminosos se valeram de armas de fogo (42,8%), armas brancas (16,1%), ameaças (14,6%) e agressões físicas sem emprego de instrumentos (10,0%). Os locais onde se praticou mais crimes violentos foram as vias de acesso públicas (63,7%) e casas (15,8%).
Os bairros onde a criminalidade mais agiu foram Santa Mônica (Uberlândia), com 8,4% das ocorrências, Centro de Uberlândia, com 6,2%, Tibery (Uberlândia) com 4,3%, Presidente Roosevelt (Uberlândia), com 4% e Nossa Senhora da Abadia (Uberaba), com um percentual de 3,9%.
Monitoramento e enfrentamento
A Sejusp afirma que as forças estaduais de segurança acompanham diariamente os índices de criminalidade dos 853 municípios mineiros, “em busca de estratégias integradas que possam reduzir os impactos da ação criminosa em todo o estado, por meio de ações preventivas, repressivas e ostensivas voltadas para a coibição de homicídios e demais crimes violentos”. Segundo a secretaria, destaca-se a atuação do método Igesp (Integração da Gestão em Segurança Pública), que tem como foco o combate a crimes contra o patrimônio. Análises das estatísticas criminais feitas pelo Observatório de Segurança Pública, identificam as áreas com índices de criminalidade mais altos, conhecidas como “zonas quentes”.
Sobre o combate aos crimes contra a pessoa, sobretudo os assassinatos, a pasta destaca o trabalho repressivo e preventivo realizado pela Polícia Militar, com as Patrulhas de Prevenção a Homicídios e a Gestão de Desempenho Operacional (GDO). “Elas são iniciativas voltadas para o mapeamento de locais de ação de infratores, que têm tendência para o acontecimento de crimes, com o objetivo de promover uma repressão qualificada dos atos criminosos”, informa a Sejusp.
A secretaria acrescenta que a Polícia Civil de Minas Gerais é responsável pela investigação dos crimes, integrando as forças de segurança, o Ministério Público e o Poder Judiciário. “A criação da Agência Central de Inteligência (ACI) da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública é outra importante iniciativa que veio potencializar e agilizar o compartilhamento de informações para ampliar o cerco ao crime”, afirma a Sejusp. A ACI coordena a inteligência dos órgãos públicos e é a responsável pelo mapeamento de organizações criminosas.
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A Sejusp avalia que, para fins de comparação, os municípios devem guardar entre si correlação econômica, social, ambiental, além de ser observada a Região Integrada de Segurança Pública (Risp) à qual cada um pertence. “As Risps são estruturadas com base nos indicadores de criminalidade historicamente acompanhados pela Sejusp, com objetivo de promover um amplo e irrestrito combate à criminalidade no estado, de forma regionalizada.”
A pasta destaca ainda que se deve considerar ainda o grau de participação das gestões municipais nas ações de segurança pública, em iniciativas como a criação de guardas civis municipais que atuam também no combate à desordem urbana e demais fatores que têm impacto sobre a criminalidade local.