![Incêndio florestal na área urbana próximo à Praça do Papa, em Belo Horizonte - (crédito: CBMMG/Divulgação) Incêndio florestal na área urbana próximo à Praça do Papa, em Belo Horizonte - (crédito: CBMMG/Divulgação)](https://midias.em.com.br/_midias/jpg/2024/05/23/1200x720/1_whatsapp_image_2024_05_23_at_16_01_06-37368032.jpeg?20240523162801?20240523162801)
Incêndio florestal na área urbana próximo à Praça do Papa, em Belo Horizonte
Minas Gerais registra em média 104 incêndios em vegetação por dia, de acordo com dados do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) referentes a maio. Embora o mês não tenha chegado ao fim, os números revelam um aumento de 43% em relação a maio de 2023, que atingiu em média 51 incêndios por dia. Neste ano, de maio a abril, o crescimento foi de 77%.
O cenário é preocupante e ainda tende a piorar. “Ainda não atingimos o pico. Percebe-se que as ondas de calor estão tornando esse período mais incisivo, a mata muito seca com umidade baixa , o que era para começar no mês de julho já está acontecendo”, afirmou o oficial.
“As ondas de calor atuam no incêndio em área urbana e há uma tendência de aumentar pela proximidade com a ação do homem. Esses incêndios acontecem, por exemplo, a partir da queima de entulho em lotes vagos, com vegetação seca exposta”, detalhou Barcelos.
As famosas e destrutivas “queimadas” podem acontecer de formas distintas: em áreas urbanas não protegidas e em áreas florestais, abrangendo zonas rurais e as Unidades de Conservação.
O tenente do CBMMG, Henrique Barcelos, destaca as particularidades de cada tipo de incêndio. “O Sul de Minas é o maior atingido em relação ao volume de atendimentos, principalmente em cidades que fazem fronteira com São Paulo. Estatisticamente, as áreas urbanas não protegidas correspondem a 70% dos incêndios registrados. Já a Região Norte abriga 65% das Unidades de Conservação do estado, que registram cerca de 30% dos incêndios”, explicou.
El Niño
Segundo o professor Bernardo Gontijo, do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), as áreas verdes se não são bem cuidadas estão mais vulneráveis. Os parques nacionais e estaduais que fazem limites com manchas urbanas estão cercados de mineração e loteamentos, isso é mais difícil de controlar.
“A maioria dos incêndios são causados pela ação humana. Em raros casos, o que pode acontecer é a ocorrência de descargas elétricas por raios e relâmpagos na vegetação: “A maior probabilidade desses episódios é durante a chegada das chuvas no fim do ano”, explicou o professor.
O aumento expressivo chamou a atenção de Gontijo, que aponta efeitos do fenômeno El Ninõ diretamente no cenário das queimadas. “O El Niño acontece com um intervalo de sete a oito anos e várias situações acontecem no planeta inteiro. Se uma região tende a chover muito, durante esse fenômeno vai chover de forma extrema, da mesma forma são as regiões secas e no regime tropical típico, como é Minas Gerais”, explicou.
A capital mineira sente a ação do El Niño. Segundo a Defesa Civil de Belo Horizonte, a cidade não registra chuvas há 33 dias e não estão previstas até o próximo dia 26. O meteorologista Ruibran dos Reis, do Instituto Climatempo, ressalta o impacto desse fenômeno: “O período chuvoso em Minas começa em outubro e termina em abril. Em função do El Ninõ, as chuvas chegaram no final de dezembro, então choveu menos e em forma de temporais. Isso significa que não houveram chuvas intermitentes que inundam o solo, o solo não encharcou.”
Ele lembra que os efeitos das mudanças climáticas e do El Ninõ vêm sendo fortemente sentidos desde o ano passado. “Passamos por três ondas de calor nesse período e desde o fim de abril começou uma massa de ar quente no estado. A partir de junho não tem mais El Niño, mas de junho até agosto não chove. A temperatura vai ficar mais elevada em Minas, de 2 a 3°C acima da média até setembro”, pontuou o meteorologista.
A escassez de chuvas é acompanhada pelo aumento das temperaturas no estado, causando uma vulnerabilidade do solo. “As chuvas vieram atrasadas e duraram pouco, isso aumentou o percentual de vegetação seca e a tendência é que esse percentual continue crescendo, levando em consideração que a época de seca é bem grande e deve durar até setembro. Com essa onda de calor, o risco de aumentar os focos de incêndio é maior”, esclareceu Gontijo.
Ciclo vicioso
O professor da UFMG lembra que os incêndios emitem dióxido de carbono e contribuem com o efeito estufa. “O ano passado foi o ano mais quente da história e em 2024 pode superar (o recorde).” Ele acrescentou que, além de um gradativo aumento das temperaturas, os incêndios florestais em áreas urbanas ampliam o risco de propagação de doenças. “A área verde na cidade é o refúgio da fauna. No caso de aumento desses incêndios, esses espaços podem ser comprometidos. A presença de fauna nos centros urbanos ajuda no controle de insetos e agentes transmissores de doenças, como o mosquito aedes aegypti, transmissor da dengue e chikungunya”, explicou.
Essa busca da fauna por um refúgio, no entanto, é natural, assim como as mudanças climáticas. “É do clima mudar, se não, não seria clima. Se há um processo contínuo de aquecimento, os seres vivos tendem a migrar para ambientes mais frescos e vão se adaptando à medida que os fatores ecológicos vão se alterando”, pontuou.
Impunidade
De acordo com a Lei de Crimes Ambientais, inserida no Código Penal brasileiro, provocar incêndio em mata ou floresta pode gerar pena de reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
O advogado criminalista Bruno Rodarte explica que há deficiências na Lei. “A fiscalização pode e deve ser melhorada, porque muitas vezes nós temos essa sensação de impunidade. Nós não encontramos aqueles que foram responsáveis, no caso, pelos incêndios, e consequentemente não conseguimos punir aquele que deu causa a todo esse problema, a todo esse dano”, pontuou.
“A pessoa pode ser punida tanto pela prática dolosa, ou seja, aquela que ela tem a vontade de praticar o ato, quanto na figura culposa, ou seja, quando ela age de maneira imprudente, negligente ou com a falta de cuidado exigido para aquela situação. Tudo vai depender das provas que forem produzidas, a fim de demonstrar se ela agiu ou não com o dolo necessário. A história já nos mostra que não adianta eu aumentar de uma forma assustadora os tipos penais. Eu preciso sim ter um rigor técnico no momento da aplicação da lei e fazer com que aquele dispositivo saia do papel”, esclareceu o advogado.
Novas atribuições
O CBMMG, que já atuava em conjunto com outros órgãos e brigadas no combate aos incêndios nas Unidades de Conservação (UCs) será responsável por criar diretrizes para prevenção e combate a incêndios florestais, elaborar planos, coordenar e executar as atividades operacionais.
O foco é reduzir o tempo resposta, evitando que os incêndios florestais se propaguem e consumam áreas extensas de vegetação nativa. Mais de uma centena de bombeiros estarão dispostos com logística apropriada para a realização desta operação de reforço operacional.
“Estamos realizando queimas controladas nas Unidades de Conservação para prevenir e reduzir a possibilidade de incêndios em grande escala nessas áreas e essa é uma técnica muito promissora”, explicou o tenente.
O bombeiro ainda aconselha a população a não utilizar fogo para limpeza de lotes, evitar fazer fogueiras em áreas florestais e atentar-se a fontes de calor.
Para 2024, a equipe conta com até 550 brigadistas. O orçamento não foi divulgado.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Rachel Botelho