"A avenida Afonso Pena fica fora de mão para a gente", pontua Yanca Caroline, ao lado de Eliete Santos e Valzira Moura

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

Nem tamborim, nem pandeiro, muito menos trio elétrico. Marchinhas, sambas e axé? Só mesmo no rádio, enquanto desfiles de blocos e escolas de samba passam apenas na televisão. O reino de Momo está a todo vapor Brasil afora, mas, em Belo Horizonte, onde são esperadas 5,5 milhões de pessoas para o carnaval, há bairros onde a folia está restrita às conversas. E viva nas lembranças de moradores e comerciantes.


Sem evento oficial nas vias públicas, tanto antes como durante o carnaval, o Bairro Goiânia, na Região Nordeste da capital, respira tranquilidade, sem os sons que arrastam multidões em fevereiro. Nas vitrines das lojas da movimentada Rua Maria da Conceição Bonfim não existe qualquer alusão à grande festa popular, a exemplo de fantasias, serpentinas ou adereços. “Não sou muito de carnaval...até já gostei, mas aqui realmente não tem nada de folia”, diz a proprietária da Presentes Carinho, Delma Lúcia Guimarães.


Moradora do vizinho Bairro Nazaré e comerciante no Goiânia há dois anos, Delma Lúcia explica que não compensa qualquer investimento para garantir vendas neste período. “Veja só! Tenho algumas máscaras do Homem Aranha e não vendi nenhuma nos últimos dias”, mostra a comerciante, quando o repórter nota os produtos que enchem os olhos da criançada em qualquer época do ano. Na saída da loja, um casal de namorados comenta: “Se o Goiânia não tem carnaval, a gente vai para outros locais”.


ESQUEMA DE SEGURANÇA

Curtir o carnaval no Bairro Fernão Dias, também na Região Nordeste de BH, está nos planos de Samuel José Almeida, proprietário da padaria Galeria dos Pães, localizada na Rua Maria da Conceição Bonfim. “Se tivesse carnaval no Goiânia, tenho certeza que ajudaria bem o comércio. No nosso caso, por exemplo, ficaremos com o estabelecimento aberto todos os dias.


Em caso de desfile de blocos, aglomeração com trio elétrico e festa com palco, o cenário mudaria totalmente. “Nesse caso, teríamos que reforçar o esquema de segurança. Há uma base da Polícia Militar bem perto da padaria, mas é sempre necessário mais proteção, quando ocorre festa de rua”, observa Samuel.


Saindo da Galeria dos Pães com o filho Lorenzo, de 3 anos, Tiago Faúla, morador do Goiânia desde 2020, assegura que o carnaval no bairro é de completo sossego: “É só tranquilidade, viu? Gostei em outros tempos, mas, depois de casado, parei.” O Lorenzo já demonstrou interesse pela folia?, pergunta o repórter. “Até hoje, não falou nada, não. Ficamos em casa”, responde o papai.

 

COM E SEM AGITOS

Já considerada umas das principais capitais com carnaval do Brasil, BH terá mais de 500 blocos nas ruas e avenidas, sendo a maior parte (195) na Região Centro-Sul. Em segundo lugar, vem a Região Leste (85), seguida da Noroeste (53), Nordeste (50), Pampulha (48), Oeste (33), Norte (20), Barreiro (16) e Venda Nova (10).

No Bairro Juliana, na Região Norte da capital, o clima passa longe das multidões do reino de Momo. O cenário agrada a estudante de medicina veterinária Josiane Batista dos Santos Souza, casada, mãe de Júlia, de 15. Residente no local há 18 anos, Josiane se declara totalmente feliz com a ausência de carnaval. “É muito gratificante para as famílias ter paz nesses dias. Carnaval traz muita briga, desavença, confusão, e tudo isso gera muita violência na cidade”, afirma. E a alegria nas ruas, não conta? Josiane acredita que não, certa de que há mais prejuízos do que benefícios para a população “carente de serviços em saúde e educação”.

Distante do Juliana, o Bairro Tirol, na Região do Barreiro, ficará igualmente entregue ao sossego. Proprietário há 35 anos da Pizzaria do Bigode, Carlos Lúcio Lage da Costa, cujo apelido dá nome ao estabelecimento, tem uma razão para a ausência de blocos: o fluxo de veículos. “Temos um corredor viário de muito movimento, então seria impossível desviar o trânsito para o carnaval de rua”. Ele diz que aproveita a temporada “momesca” para fazer reforma na pizzaria, com férias coletivas para os empregados. “Até seria legal o carnaval, né? Lembro de bailinhos em outros tempos. Nosso público, o ano todo, é bem família, então não perdemos com o carnaval.

A falta de folia pode estar creditada a dois fatores, observa a vice-presidente da Associação Comunitária Vida e Esperança - Tirol, Marlene Lana. Falta de uma cultura carnavalesca e de oportunidades para criação de blocos. “Não ter aqui, é uma alegria”, confessa, com bom humor.

EX-PASSARELA DO SAMBA

O desfile das escolas de samba e blocos caricatos de BH já ocorreu em muitos locais vias, desde 1980: Avenida Afonso Pena, no Centro, Avenida do Contorno, no Bairro Barro Preto, Via 240, na Região Norte, e Boulevard Arrudas, entre os viadutos de Santa Tereza e Floresta, na Centro-Sul. Neste carnaval, as agremiações desfilam na Afonso Pena, como em anos anteriores, mas quem já pulou e aplaudiu os sambistas na Via 240 – para onde não há programação neste ano – sente muita saudade.

Via de grande movimento de veículos,, a Via 240 passa pelos bairros Providência, São Gabriel e Aarão Reis. Na manhã de ontem, a gastrônoma Yanca Caroline Silva Santos, de 27, caminhava ao lado da mãe, Eliete de Fátima Silva Santos, e da também moradora do Bairro Guarani, Valzira Moura. A cada passo, o trio se lembrava dos desfiles no local, de 2004 a 2010.

“Hoje, aqui, não tem mais carnaval. Vai ter bloquinho na Avenida Saramenha, mas nada como na Via 240. Muito espaço, policiamento, sem briga nem nada. A Avenida Afonso Pena fica fora de mão para a gente”, conta Yanca.

TRANQUILIDADE

De viagem marcada para este carnaval, ela diz que, no ano passado, esteve em um bloco no Bairro Santa Tereza, na Região Leste, e gostou muito do que viu, brincou e curtiu. “Se os blocos pudessem voltar a desfilar aqui, seria ótimo. Quem sabe um dia na Afonso Pena e no outro aqui?”

Também fã dos antigos carnavais na Via 240, Eliete, de 59 anos, pedagoga, recorda-se dos desfiles, aos quais assistia com o marido. “Há muito lugar para estacionar, sempre tinha muito policiamento. Muita tranquilidade mesmo!”, afirmou, enquanto Valzira sente que a mudança de endereço deixou um vazio na região. 

Fazendo a ligação entre a Avenida Cristiano Machado e a rodovia MG-020, no sentido Santa Luzia, na Grande BH, a Via 240 é um corredor viário de intenso movimento, com pequenos estabelecimentos. Trabalhando no local, um homem diz que não tem boas lembranças dos desfiles. “Fechavam a pista, era um horror. Carnaval em via pública é um problema numa cidade cheia de problemas. Acho ótimo terem transferido de lugar.”

Um borracheiro, por sua vez, se mostra favorável à folia. “A cidade precisa de alegria, atrair gente de fora. Se não tem no meu bairro, e gosto da farra, vou atrás do trio elétrico onde ele estiver”, avisou.

As escolas de samba e os blocos caricatos se apresentam na segunda (12) e terça-feira (13), a partir das 17h45. A ordem das apresentações e o horário dos cortejos podem ser conferidos no Portal Belo Horizonte.

Ficou na memória

1980

Os desfiles ocorrem na Avenida Afonso Pena, no Centro, que recebia infraestrutura, arquibancadas e camarotes para o público.

1988

Os desfiles das escolas de samba e blocos caricatos são deslocados para a Avenida do Contorno, no Bairro Barro Preto.

1991 até 1999

Os desfiles passam por interrupções, sendo o carnaval realizado nos bailes populares das administrações regionais.

2001 e 2002

A Avenida Afonso Pena volta a ter desfiles, mas sem competição. O local ganha arquibancadas e infraestrutura para receber os foliões.

2004 até 2010

Os desfiles das escolas de samba são transferidos para a Via 240, na região Norte.

2011

Os desfiles passam a ser realizados no Boulevard Arrudas, entre os viadutos de Santa Tereza e Floresta, na Região Centro-Sul.

2014

Os desfiles das escolas de samba e blocos caricatos voltam para a Avenida Afonso Pena.

FONTE: PBH

OURO PRETO

 A prefeitura de Ouro Preto, na Região Central, foi autorizada pela Justiça Federal a fazer o carnaval deste ano na Praça Tiradentes. A decisão foi anunciada ontem. Desde janeiro havia a incerteza se a tradicional festa poderia ser realizada no local, já que Ministério Público embargou eventos por ali desde meados do ano passado, quando houve um curto-circuito no Museu da Inconfidência durante um evento na praça. Segundo a prefeitura, todo o projeto de segurança foi aprovado pelo Iphan e Corpo de Bombeiros. A justiça autorizou o evento, desde que haja redução do tamanho do palco e brigadistas.