Fundada em 1897, a capital mineira logo se tornou ponto de encontro de escritores vindos de diversas cidades do estado e até de fora. Carlos Drummond de Andrade (Itabira), Autran Dourado (Patos de Minas), Otto Lara Resende (São João del-Rei) e Rubem Braga (Cachoeiro do Itapemirim-ES) são exemplos. 

Um dos primeiros belo-horizontinos a se destacar no campo da cultura foi um escritor: Rodrigo Melo Franco de Andrade, autor de “Velórios” (1936) e fundador do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan).

“Tem um fio que começa com ele, que logo se juntou à geração de Drummond e Pedro Nava, formando essa primeira geração de grandes escritores que saíram de Belo Horizonte em 1930”, afirma Afonso Borges

Contudo, a cena literária que hoje caracteriza Belo Horizonte só começaria a se consolidar quase um século depois, a partir da segunda metade dos anos 1980, quando os eventos literários passaram a ganhar escala e projeção.

O marco inicial dessa virada é o Sempre um Papo, criado em 1985. Mais do que encontros de autores com leitores, o projeto transformou o lançamento de livros em eventos culturais de grande porte. O primeiro convidado foi Oswaldo França Júnior. Depois, vieram nomes como Fernando Brant, Adélia Prado, Darcy Ribeiro, José Saramago, Rubem Alves, Sebastião Salgado, Marcelo Rubens Paiva, Frei Betto, entre tantos outros.

(Esta reportagem é a quarta parte da série especial "BH: Capital dos livros". Saiba mais no final da matéria)

Calendário cheio

Paralelamente, outras iniciativas foram surgindo e, a partir dos anos 2000, o calendário literário da cidade se tornou robusto. Hoje, fazem parte dele eventos como a Bienal Mineira do Livro, Feira Urucum, Letra em Cena, Primavera Literária, Festival Bitita, Festival Literário Internacional de Belo Horizonte (FLI-BH), Dizer Sim, República Jenipapo, Festa do Livro da UFMG, Sábados Feministas e o Psiu Poético Beagá. Sem falar nos constantes lançamentos que movimentam as livrarias de rua e nos clubes do livro que se mantêm ativos.

“Entre os anos 1970 e 1980, faltava a Belo Horizonte uma programação permanente que colocasse a literatura contemporânea em pauta”, afirma o escritor e produtor cultural José Eduardo Gonçalves. Antes de lançar a coleção “BH. A cidade de cada um” e o projeto Letra em Cena – em 2003 e 2006, respectivamente –, ele já promovia atividades do tipo, como o Ofício da Palavra, realizado em 2006 no Museu de Artes e Ofícios.

“Quando criei o Letra em Cena, quis propor algo diferente. Pensei num projeto que homenageasse não só a literatura, mas também a língua portuguesa. Começamos falando apenas de escritores já falecidos. O José Miguel Wisnik veio falar sobre Mário de Andrade; Silviano Santiago, sobre Machado de Assis; e o Antônio Sérgio Bueno – que nos deixou este ano – fez uma belíssima fala sobre ‘Grande sertão: veredas’, de Guimarães Rosa. A ideia era atrair o público por meio dessas referências canônicas. E deu certo, isso começou a formar plateia”, diz Gonçalves.

A adesão do público também se confirmou em outros eventos. A Bienal Mineira do Livro, realizada em maio, reuniu cerca de 260 mil visitantes em uma semana de programação intensa. A Primavera Literária e o Festival Bitita, que neste ano foram realizados em conjunto, também mobilizaram leitores, com público mais expressivo nos estandes das editoras do que nas mesas de debate.

O estreante Dizer Sim, idealizado pela poeta Mônica de Aquino no Museu da Moda, em maio, superou as expectativas da organização – tanto em público quanto na repercussão das atividades –, o que garante sua continuidade nos próximos anos.

Letra em Cena especial recebe o escritor Itamar Vieira Jr. que conversa com José Eduardo Gonçalves no Teatro Centro Cultural Unimed (09/04/2024) Marcos Vieira/EM/D.A Press
Evento Sempre Um Papo recebe Frei Betto para falar de seu livro "Quando eu fui pai de meu irmao" Marcos Vieira/EM/D.A Press
"Pensei num projeto que homenageasse não só a literatura,mas também a língua portuguesa. E deu certo,isso começou a formar plateia". José Eduardo Gonçalves, criador do Letra em cena Jair Amaral/EM/D.A Press

Clubes de leitura

Entre os clubes de leitura que movimentam Belo Horizonte, o Leia Mulheres acontece toda penúltima quarta-feira do mês, de forma alternada, entre a Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais e o Centro de Referência das Juventudes, na Rua Guaicurus, 50. O Leitura Camarada se reúne na Casa Socialista, no bairro Santa Tereza (Rua Amianto, 30), sempre na primeira quarta-feira do mês.

O Clube de Leitura do Belas é realizado na última quinta-feira de cada mês, na Livraria do Belas, que também recebe, na segunda quinta-feira, o Círculo de Poemas. Já o Clube de Leitura do Instituto Cervantes ocorre na última quarta-feira do mês, no próprio instituto (Rua dos Inconfidentes, 600, Savassi).

O Quixote Falante, promovido pela Livraria Quixote, tem encontros mensais, porém sem data fixa. O Jenipapo Literário se reúne na segunda terça-feira de cada mês, na Livraria Jenipapo.

O Clube do Livro do Minas tem encontros na biblioteca do Minas Tênis Clube, sempre na primeira quarta-feira do mês. E a Cacá Leitura firmou parceria com a Literíssima, onde passou a se reunir todo primeiro domingo do mês.

Apesar do cenário pulsante, há quem observe que ainda existe um longo caminho para que Belo Horizonte atinja todo o seu potencial como cidade leitora. Talvez seja esse o próximo desafio. Se é verdade que BH se tornou, ao longo do tempo, uma referência nacional na produção e circulação de literatura, é igualmente verdade que toda capital do livro precisa ser, antes de tudo, uma capital de leitores. E essa é uma história que ainda está sendo escrita – página por página, encontro por encontro, livro por livro.

BH: Capital dos livros

Esta reportagem faz parte da série "BH: Capital dos livros", na qual o Estado de Minas apresenta um panorama da cena editorial de Belo Horizonte, uma das mais efervescentes do Brasil, dividido em eixos temáticos.

Nesta quarta parte, os eventos literários e produtores culturais foram destaque. Anteriormente, foi a vez dos autores e autoras, das editoras e dos livreiros. Ao longo dos próximos dias, guardiões dos livros e pessoas que movimentam a literatura infantil serão apresentados nas páginas do EM. O especial também contará com entrevistas em vídeo, publicadas ao longo do dia, com alguns dos nomes que formam esse fervoroso cenário literário.

Reportagens já publicadas


Parte 1: Escritoras dizem que BH deixou de ser empecilho para carreira de sucesso

Parte 2: Aumento do número de editoras em BH impulsiona diversidade de títulos

Parte 3: Livrarias de rua promovem eventos que movimentam a cena literária de BH

Parte 4: Belo Horizonte se rende à ‘prosa’ ao vivo entre escritores e leitores

Parte 5: Os guardiões que preservam a memória da literatura de BH

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