
Peça encena diálogo entre os dois lados do cérebro de uma pessoa
"Uma passagem para dois", escrita pelo dramaturgo e neurocirurgião Jair Raso, está em cartaz nesta segunda-feira (27/1), na Campanha de Popularização do Teatro
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Um cérebro comum é dividido em dois hemisférios, responsáveis por processar diferentes tipos de informação. O esquerdo é mais aritmético, racional e analítico, enquanto o direito é emocional, não-verbal e intuitivo. No cotidiano, no entanto, mesmo com a divisão, as pessoas são influenciadas por características bilaterais.
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Neurocirurgião e dramaturgo, Jair Raso estreou, em 2024, o espetáculo no qual imagina um diálogo entre representantes de cada hemisfério cerebral. Em "Uma passagem para dois", peça escrita e dirigida por Raso, os personagens são um ator, interpretado por Marcelo do Vale, e um economista, interpretado por Paulo Rezende.
Ambos estão prestes a embarcar em uma viagem rumo à liberdade, quando descobrem que compraram a mesma passagem. A partir dessa situação, os personagens se envolvem em uma discussão baseada em argumentos dicotômicos que vão desde o budismo até os conceitos do filósofo Karl Marx.
“Todos nós vivemos com esse conflito interno comum entre os lados do cérebro”, comenta Raso. “O que é interessante é que, os personagens, além de serem exageros, às vezes tendem a agir como o hemisfério oposto ao que representam, tanto no comportamento quanto no diálogo”.
O espetáculo é uma das atrações desta segunda (27/1) da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, em que Raso participa com mais quatro peças: "Maio, antes que você me esqueça", "Chico Rosa", "Julia e a memória do futuro" e "O belo indiferente".
Neurociência
A neurociência é um tema recorrente no trabalho de Raso, desde o início de sua trajetória, tendo levado o dramaturgo, inclusive, a ministrar o curso Neurociências e Artes Cênicas Aplicadas às Ciências da Saúde, na Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais (FCM-MG). Contudo, "Uma passagem para dois" marca a primeira vez que ele incorporou a teoria a um texto teatral.
“Utilizo esses conhecimentos, como a memória, a atenção e as especializações dos dois lados do cérebro como métodos para trabalhar com atores profissionais. A primeira vez foi em 2002 e, desde então, venho usando-os nas minhas direções. Coincidentemente, depois de todos esses anos, consegui organizá-los em diálogo e debate”, diz.
Entre as falas dos personagens, surgem citações diretas de autores como o austríaco Sigmund Freud (1856-1939). Apesar da base teórica consistente, Raso ressalta que os diálogos são apresentados de forma natural e divertida, tornando as discussões acessíveis.
“É como se fosse uma mesa de bar onde surgem discussões complexas sobre a existência ou não de Deus, por exemplo. A gente sempre entra nesses assuntos e, no caso da peça, os argumentos existem mais como convicção do que com aquele aspecto didático e dogmático”, afirma o diretor.
Imersão
A encenação buscou incorporar elementos imersivos e modernos. A trilha sonora original, composta por Itiberê Zwarg, é emitida em sistema surround – alto-falantes distribuídos em variados pontos do teatro –, que cerca o espectador e simula os sons de uma estação.
No aspecto visual, um painel de LED com resolução 4K e 30 metros de extensão reproduz imagens criadas por inteligência artificial. A tecnologia foi desenvolvida pelo Instituto Cultural Ciências Médicas e, atualmente, está disponível exclusivamente no Teatro Feluma – por enquanto, o único palco onde “Uma passagem para dois" foi apresentado.
Inicialmente, as imagens exibidas situam os personagens no cenário principal, que, em seguida, dá espaço a vídeos que ilustram os diálogos. Além disso, o espetáculo utiliza o recurso de live cinema. Com ele, câmeras instaladas no teatro capturam imagens dos atores em cena e as projetam no painel, criando paralelismo visual.
Frente aos diálogos complexos, a intensidade tecnológica pode parecer deslocada. Raso, porém, a explica como uma oportunidade criativa. “A gente já fez a experiência de dar o texto sem nenhum aparato. Ele continua sendo importante e gerando discussão o tempo inteiro. Os elementos são como a cereja do bolo. Assim, eles possibilitam que surjam cenários mais interessantes, como a parte interna do cérebro, por exemplo, que dialoga melhor com a narrativa”, diz.
*Estagiária sob supervisão da editora Silvana Arantes