
Corra para ver "Velocidade" no teatro
Espetáculo do grupo Quatroloscinco em cartaz no CCBB-BH até o próximo dia 3/2 instiga a reflexão sobre o que fazemos com o tempo e com os sonhos
Mais lidas
compartilhe
Siga no“Durmo. Regresso ou espero? Não sei. Um outro flui entre o que sou e o que quero. Entre o que sou e o que fui.”
Os versos que você leu acima são de Fernando Pessoa. Eles foram colocados aqui como uma epígrafe, porque este texto trata de “Velocidade”, espetáculo em cartaz no CCBB-BH. E “Velocidade” é uma peça teatral que se desenrola como se fosse um livro – em sete capítulos.
Um livro em que os sonhos têm um papel determinante, a começar do preâmbulo, que é a narração de uma grande cena sonhada por um dos personagens. Para isso, a sala fica totalmente às escuras. Porque é noite e o personagem dorme. É uma explicação.
Mas talvez o breu sirva para lembrar o espectador de que essa caixa preta em que ele está sentado observando o ator dormir e sonhar é uma metáfora daquela outra caixa que carregamos sobre os ombros. E onde o teatro individual se apresenta, sempre que com ela cavamos uma cova no travesseiro.
-
24/01/2025 - 04:00 Mostra de Cinema Tiradentes começa hoje com novo formato -
24/01/2025 - 04:00 Banda Churrus agita o cenário indie rock -
24/01/2025 - 04:00 Peter Sutherland, o anti-007 de "O agente noturno", está de volta
Nesse caso então, o ator que sonha e o espectador que o vê dividem o mesmo espaço; estão juntos na mesma caixa. Uma ideia que é acentuada pela introdução que vem logo depois do sonho, na qual os atores se dirigem diretamente ao público e deixam claro – muito claro – que estão de olhos e ouvidos atentos.
“Esta noite eu vou sonhar com vocês” é o que eles dizem, numa indisfarçável ambiguidade. Sonhar com vocês porque vocês serão personagens do meu sonho? Ou sonhar com vocês porque construiremos juntos uma narrativa onírica? Espere para ver.
Os capítulos se desenrolam lentamente. Ou melhor, no seu devido tempo, porque “Velocidade” é como Deus para Riobaldo – “urgente sem pressa”.
Perder o tempo
Página após página desse texto refinadamente interpretado pelos atores do grupo Quatroloscinco, haverá reflexões sobre os modos de perder o tempo, assim como os de se perder no tempo por diversas razões, incluindo o assalto brutal de doenças neurológicas incapacitantes – algo tratado na peça com delicadeza e sobriedade.
As passagens (do tempo, da história, da vida sonhada) podem ser poéticas, melancólicas, engraçadas ou tremendamente irônicas. É o caso da cena de uma reunião virtual de trabalho, que o chefe da empresa faz questão de chamar de “call” para “alinhar” o “workflow”.
É nessa altura que cada personagem apresentará em detalhes os bonecos que são a sua versão no metaverso corporativo. Parêntesis: os bonecos foram produzidos pelo artista Agnaldo Pinho, morto no último dia 10, e a quem o Quatroloscinco homenageia no fim da apresentação.
Além de cumprir a função de avatares no metaverso corporativo, os bonecos integram os capítulos seguintes com outras funções, sobretudo a de representar um duplo de cada personagem. Um duplo que sonha outras realidades distintas daquela que povoa o cotidiano de vigília. Ou um duplo que tem na ponta da língua respostas retidas pelo freio do superego.
Tempo musical
Os tempos musicais, com seus diversos andamentos, também fazem parte de “Velocidade”. A música é incorporada explicitamente, com execuções ao vivo, ou implicitamente, como na cena em que os Quatroloscinco estão à mesa, falando sobre reminiscências do passado e regam a conversa com “uma cachacinha”.
- Conheça as concorrentes de Fernanda Torres ao Oscar de Melhor Atriz
- Oscar 2025: o ano da dupla façanha de Walter Salles
- Fernanda Torres sobre o Oscar: Eunice Paiva está movendo esse filme
Toda a cena faz lembrar da bela composição de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc: “Batidas na porta da frente/ É o tempo/ Eu bebo um pouquinho para ter/ Argumento”.
“Velocidade” tem muitos e bons argumentos. E o grande mérito de não querer encerrar a discussão sobre o tempo, o sonho e o que fazemos deles.
“VELOCIDADE”
Espetáculo do Grupo Quatroloscinco. Dramaturgia: Assis Benevenuto e Marcos Coletta. Direção: Ítalo Laureano e Ricardo Alves Jr. Com Assis Benevenuto, Ítalo Laureano, Marcos Coletta, Michele Bernardino e Rejane Faria. Em cartaz no Teatro 2 do Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Temporada de sexta a segunda, às 19h, até 3/2. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). À venda na bilheteria e no site do CCBB.