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Estado de Minas

Varíola dos macacos não é a nova COVID, diz ciência

Vírus da monkeypox é transmitido por contato direto com pele, secreções e objetos de pessoas infectadas. Especialistas descartam pânico


26/09/2022 08:22 - atualizado 26/09/2022 09:47

Júlio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT)
"Geneticamente, é um vírus mais estável, de DNA. Não parece ter sofrido mutações importantes, principalmente na transmissibilidade", diz Júlio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Em 6 de maio, a Inglaterra confirmou o primeiro caso do surto atual de monkeypox. O paciente era um homem que havia visitado a Nigéria, onde a infecção é endêmica. Passados três meses, já são 32 mil registros em 92 países – no Brasil, 2,8 mil, segundo o Ministério da Saúde.
 
Apesar do avanço na incidência, especialistas afirmam, à luz do conhecimento científico que se tem sobre o vírus MPXV, que o mundo está longe de reviver o pesadelo da COVID-19. Com as formas de transmissão conhecidas, o importante – destacam – é tomar medidas de proteção, como evitar o contato próximo (pele a pele) com pessoas doentes ou com suspeita da enfermidade.
 
Embora o número de casos da doença esteja aumentando, nada indica que, geneticamente, tenha havido alteração significativa no vírus de forma a se tornar mais transmissível, esclarece o infectologista Júlio Croda, especialista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e da Escola de Saúde Pública de Yale, nos EUA. "Geneticamente, é um vírus mais estável, de DNA. Não parece ter sofrido mutações importantes, principalmente na transmissibilidade", diz Croda, também presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT).
 
 
Um estudo recente, publicado na revista Nature Medicine por pesquisadores de Portugal, identificou uma aceleração nas mutações do MPXV maior que a esperada. Os autores, que compararam amostras do atual surto às de infecções de 2018-2019 na Nigéria, constataram que o micro-organismo mudou 40 vezes no período. De acordo com Richard Neher, físico e biólogo da Universidade da Basileia, na Suíça, um vírus da família pox (grupo formado por aqueles que causam vesículas na pele) tende a variar uma vez ao ano.
 
  
Porém, o cientista, que desenvolveu um modelo computacional de acompanhamento das mutações do monkeypox, observa que essas variações são sem importância clínica e epidemiológica. "A grande maioria delas são, provavelmente, inconsequentes ou deletérias para o vírus, e não temos evidências de adaptação viral." Mutações deletérias são aquelas que, em vez de dar uma vantagem ao micro-organismo, têm ações desfavoráveis a ele. Segundo Neher, a importância mais evidente das alterações genéticas é que elas ajudarão a "distinguir diferentes grupos do surto e entender como o vírus se espalha".

COMPORTAMENTO Marcelo Nascimento Burattini, professor de doenças infecciosas e parasitárias da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), lembra que todas as vezes em que há um surto, existe a oportunidade de mutações. Para o especialista em infectologia e medicina tropical, porém, esse não parece ter sido o caso do MPXV. Burattini acredita que, possivelmente, não foi o vírus que mudou, mas o comportamento das pessoas.
 
"Estamos no fim de uma pandemia de Sars-CoV-2, com as restrições de viagem interrompidas, dois anos e meio depois das fronteiras mundiais fechadas. No fim do ano passado, houve um grande aumento no número de viagens, com as pessoas se expondo muito mais", diz.
 
O MPXV não é, como o Sars-CoV-2 ou a influenza, um vírus respiratório. Isso já reduz significativamente o potencial de transmissão, afirma Burattini. Embora alguns especialistas tenham sugerido que o micro-organismo pode se espalhar por gotículas de secreção nasal ou partículas transportadas pelo ar, um estudo recente publicado na revista The Lancet por cientistas espanhóis mostrou que, provavelmente, esse é um caminho pouco viável.
 
A equipe analisou amostras das lesões anais e orofaríngeas de 200 pessoas infectadas, moradoras de Madri e Barcelona, até meados de julho. Todos os participantes tinham manifestações na pele, sendo que, em 78% deles, as feridas estavam na região anogenital e, em 43%, na zona oral e em volta da boca. A análise dos esfregões mostrou que o DNA do vírus estava concentrado não na garganta, como se esperaria de um micro-organismo respiratório.
 
Em vez disso, a maior carga viral foi detectada no ânus e na genitália. "Esses dados são relevantes, pois corroboram a hipótese de que a via de contato direto é a de transmissão mais importante e frequente no surto atual, sendo a aérea provavelmente menos eficaz", avalia Pablo Fernández, especialista em medicina tropical da Universidade Autônoma de Madrid e porta-voz da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia.
 
Isso, porém, não significa que a doença seja sexualmente transmissível. Nem o fato de que mais de 95% dos infectados no surto atual tenham sido caracterizados como homens que fazem sexo com homens. Independentemente de sexo biológico ou da orientação sexual, qualquer pessoa está sujeita a ser infectada caso tenha contato próximo – incluindo, mas não apenas, o sexual – com um paciente com MPXV.
 
"As erupções podem ser encontradas nos genitais e na boca, provavelmente contribuindo para a transmissão durante o contato sexual ou contato boca a pele", ressalta a médica infectologista Helena Brígido, professora da Universidade Federal do Pará (UFPA).
 
"É importante não estigmatizar pessoas de maior risco ou qualquer indivíduo com quadro clínico de monkeypox, pois isso prejudica a busca de diagnóstico e tratamento da doença." O infectologista Marcelo Nascimento Burattini, da Unifesp, lembra que usar roupas e copos não higienizados e que foram utilizados por infectados, por exemplo, pode ser suficiente para transmitir o vírus.

SEXO Muitas pessoas podem se perguntar por que, então, a maioria dos casos está concentrada, por enquanto, na população de homens que fazem sexo com homens. De acordo com especialistas, não se trata de um grupo de risco, mas de um comportamento de risco. "A caracterização dos pacientes, até agora, mostra uma população de homens, jovens adultos, com boa situação financeira, que viajam muito e fazem contato próximo com uma quantidade grande de pessoas, frequentando ambientes propícios para a disseminação", destaca Burattini.
 
Alguns estudos sugerem que a doença pode ser transmitida também pelo sêmen e por fluidos vaginais – mas não apenas por esse meio. Estudos realizados na Espanha, na Alemanha e na Itália detectaram DNA do patógeno em amostras seminais de alguns pacientes até 19 dias após a infecção, mas isso não significa, necessariamente, contágio por essa via. O material genético de outros vírus, como o da zika, por exemplo, já foi encontrado nesse mesmo tipo de secreção e não há evidências de que seja sexualmente transmissível.
Júlio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT)
"Geneticamente, é um vírus mais estável, de DNA. Não parece ter sofrido mutações importantes, principalmente na transmissibilidade", diz Júlio Croda, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Qualquer pessoa que se exponha ao contato íntimo, incluindo gestantes e crianças, está em risco

Júlio Croda, infectologista


Comportamento de risco

O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Júlio Croda, ressalta que, se a transmissão também ocorrer por sêmen e fluido vaginal, isso não mudará o impacto epidemiológico da doença, pois já se sabe que a principal via de contágio é o contato próximo, independentemente de haver penetração. "As pessoas precisam entender que não é por ser gay que alguém terá monkeypox. Qualquer pessoa que se exponha ao contato íntimo, incluindo gestantes e crianças, está em risco", diz.
 
Para a prevenção, a melhor estratégia é evitar esse tipo de contato com pessoas que possam ter a doença, dizem os especialistas. Mesmo que, aparentemente, não existam lesões, um estudo recente, feito por pesquisadores do Hospital Bichat-Claude Bernard, em Paris, encontrou o vírus em amostras anais de assintomáticos. O número de participantes foi pequeno – 200 pessoas, sendo que 13 delas testaram positivo mesmo sem sintomas.
 
Os autores destacaram que vacinar quem se encaixa em comportamentos de risco, e não apenas aqueles que se expuseram ao vírus, pode frear a transmissão da doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a vacinação em massa, devido às características de transmissibilidade. Por ora, a imunização é indicada para grupos de risco, como profissionais de saúde e trabalhadores de laboratórios.
 
A vacina pós-exposição recente também é eficaz para reduzir a probabilidade de se desenvolver a doença, assim como a gravidade dos sintomas. Porém, os cientistas acreditam que não há necessidade de estender a indicação para a população em geral. (PO)

Palavra de especialista - Felicia Nutter, professora-assistente da Faculdade de Medicina Veterinária Cummings (EUA), especialista em zoonoses e ecologia de doenças infecciosas


Menor gravidade

“Qualquer pessoa pode ser infectada. É uma doença viral, que se espalha por meio do contato próximo: isso significa estar em contato físico com alguém que tenha a doença ou com qualquer coisa que ela tenha tocado por um período prolongado, se houver uma lesão ativa. Por exemplo, se você está lavando roupa para alguém que tem a doença, pode estar exposto. Se você acha que foi exposto ao vírus, é importante informar o seu médico, fazer o teste e possivelmente vacinar o mais rápido possível. A vacina, quando administrada dentro de quatro dias após a exposição, tem a melhor chance de prevenir a doença, mas a vacinação até duas semanas depois também pode reduzir a gravidade dos sintomas.”


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