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Estado de Minas BRASÍLIA

Lula atua para corrigir erros na relação com o Congresso Nacional

Enquanto priorizava as relações internacionais com várias viagens nos primeiros meses de governo, petista deixou emperrado o diálogo com o Parlamento


12/06/2023 04:00 - atualizado 12/06/2023 07:29
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l Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva Recentes derrotas na Câmara são analisadas como resultado de equívoco de Lula ao priorizar a política externa em vez da relação com o Congresso. Pairam duas dúvidas em relação aos ministros Alexandre Padilha e Rui Costa, escalados para interlocução com o Parlamento: há quem diga que o presidente não lhes deu autonomia para fechar acordos. Outros afirmam que os dois não têm peso para repassar decisões ao restante da Esplanada. (foto: EVARISTO SÁ/AFP)


Brasília – Uma velha máxima do jogo do poder diz que “na política não há espaço vazio”, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até pela experiência que acumula, sabe disso. Mas enquanto se candidatava, nas reuniões multilaterais internacionais, a moderador da paz na guerra entre Rússia e Ucrânia ou se apresentava como embaixador da preservação da biodiversidade amazônica, o diálogo entre o Palácio do Planalto e o Congresso — sobretudo a Câmara dos Deputados — emperrava. Tal dificuldade permitiu que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) avançasse, fizesse críticas públicas à coordenação política do governo e subisse o preço das reivindicações.
 
 Ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais)
l Ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) Quando tentaram imputar a Alexandre Padilha as dificuldades de diálogo entre Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, Lula foi enfático: %u201CPadilha é o que temos de melhor na articulação política%u201D, afirmou o petista, em coletiva horas depois da coroação do rei Charles III. (foto: FERNANDO FRAZÃO/AGÊNCIA BRASI)
 
 
Lula foi obrigado a entrar em campo para ajustar sua orquestra e mantê-la tocando com a mesma partitura. Se o presidente defendeu, em Londres, quando lá esteve para a coroação do rei Charles III, o ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e Lira elogiou o esforço do líder do governo José Guimarães (PT-CE) em um dos puxões de orelha públicos sobre a dificuldade de fechar acordos com o Planalto, há certa cautela em relação à atuação do ministro da Casa Civil, Rui Costa.
 
Colocam na sua conta as complicações que o presidente da Câmara diz encontrar para ajustar uma troca de favores que seja módica para os dois lados, quando o que está em jogo são matérias de interesse do governo.
 
MINISTRO rui Costa (Casa Civil)
MINISTRO rui Costa (Casa Civil) Rui Costa foi definido por Lula como %u201Cquase um primeiro-ministro%u201D, em evento no Ceará, no começo de maio. Mas observadores do Congresso Nacional avaliam que o comentário que fez sobre Brasília %u2014que classificou como %u201Cilha da fantasia%u201D em evento na Bahia %u2014 diz muito sobre sua participação na articulação política. (foto: EVARISTO SÁ/AFP)
 
 
Mas, mesmo com Lula tomando a frente nas conversas com Lira — que maneja o Centrão na retaguarda —, o presidente da Câmara viu espaço para avançar. E avançou. Hoje, força a mão para colocar no Ministério da Saúde algum apadrinhado — e remover de lá Nísia Trindade, que dá uma face técnica a uma pasta com um dos maiores orçamentos na Esplanada — e pretende incluir o Ministério do Turismo no pacote de negociação. Para este último, o nome está até escolhido: o deputado Celso Sabino (União Brasil-PA). Uma forma, segundo Lira, de trazer o partido, definitivamente, para a base na Câmara e ainda pôr um afilhado no primeiro escalão do governo.
 
Deputado José Guimarães - (Líder do governo no Congresso)
Deputado José Guimarães - (Líder do governo no Congresso) José Guimarães recebeu um %u201Cselo de aprovação%u201D público do presidente da Câmara, Arthur Lira, em uma das críticas que fez à coordenação política. Dentro do Congresso, a afirmação de Lira significa que o problema não é o líder do governo, mas os ministros Alexandre Padilha e Rui Costa %u2014 o que também indica que o deputado e os dois ministros têm muita dificuldade de jogarem juntos. (foto: GUSTAVO LIMA/CÂMARA DOS DEPUTADOS)
 
 
Quem não gostou, claro, foi Waguinho Carneiro, prefeito de Belford Roxo (RJ) e marido da ainda ministra do Turismo, Daniela Carneiro. Ele avisou que será um erro pôr um bolsonarista no governo. Dessa vez, porém, Lula se antecipou e conversará com o aliado da Baixada Fluminense, ainda nesta semana, antes que a troca seja oficializada. Segundo fontes no Palácio e na Câmara, o governo trabalha para encontrar uma solução que contemple o casal. Afinal, no próximo ano há eleições e os municípios do Grande Rio são um reduto do ex-presidente Jair Bolsonaro.
 
 
Arthur Lira (Presidente da Câmara)
Arthur Lira (Presidente da Câmara) Como líder e defensor da tradição do Centrão, o presidente da Câmara fez o que o bloco parlamentar faz de melhor: subir o preço da negociação quando o governo tem desajustes na articulação com o Congresso. Seu recado é claro: além dos cargos no segundo escalão federal nos estados, quer os ministérios da Saúde %u2014 desejo que vem desde antes da posse de Lula %u2014 e do Turismo. (foto: SERGIO LIMA/AFP)
 
 
Embora seja exagerada a avaliação feita por alguns de que Lira pode ser o “Eduardo Cunha” de Lula — uma alusão ao ex-presidente da Câmara, que se desentendeu com a coordenação política da então presidenta Dilma Rousseff e levou adiante o processo de impeachment —, fontes no governo e na Câmara afirmam que a margem de manobra para negociar acabou.
 
Em pouco mais de seis meses de gestão, sobram reclamações e críticas aos interlocutores do Planalto. Sobre Rui Costa, afirmam que é paroquial e não cruzou as fronteiras da Bahia, onde foi governador. De Alexandre Padilha, os relatos são de que “tem boa vontade”, mas falta-lhe força para encaminhar demandas aos demais ministérios e ajustar negociações.
 

"Lula teve resultado apertado nas urnas, o bolsonarismo ainda é muito forte e, por isso, esperava-se que se aproximasse dos líderes partidários e negociasse diretamente. De agora em diante, é liberar emendas e a indicação de cargos no segundo e terceiro escalões. Isso não é um toma lá dá cá, faz parte da construção de governos multipartidários. Lula sabe como contornar e creio que dá tempo para isso"

Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

 


Centrão

Até mesmo PP e Republicanos, que não compõem a base do Planalto, se sentem à vontade para reivindicar espaços no governo. Argumentam, assim como outros integrantes do Centrão, que seus votos foram decisivos na aprovação do arcabouço fiscal e da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição.
  
Mas a cobrança por interlocução não vem apenas do Centrão. A federação PSol/Rede, que votou contra o novo marco fiscal, questiona o Planalto sobre quando se darão as exonerações, nos segundo e terceiro escalões da estrutura federal nos estados e municípios, de servidores apontados como bolsonaristas. O fato de não poder ocupar completamente tais espaços vem tirando o humor de parte da esquerda na Câmara — o que inclui também o PT, que ameaçou dizer não ao arcabouço.
 
 
Some-se a esses fatores uma postura considerada politicamente errática por alguns parlamentares, incomodados com a benevolência no trato de alguns personagens não alinhados com o governo.
 
“Eles vão para os estados e anunciam programas ao lado de adversários políticos, como Raquel Lyra e Fernando Bezerra Coelho (ambos de Pernambuco), por exemplo. Em 19 de maio, o ministro dos Transportes, Renan Filho, se encontrou com a governadora de Pernambuco após entregar uma obra da Transnordestina. O próprio Lula esteve com ela na última semana. São pessoas que ficaram contra o governo nas eleições passadas”, disse um parlamentar, desapontado, sobretudo quando se sabe que o partido de Raquel é o oposicionista PSDB e o de Coelho o não tão fiel MDB.
 

Articulação ruim e risco de governabilidade 

 

Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se equivocou em se arriscar em giros internacionais que trarão para o Brasil bons resultados no médio e no longo prazos sem que, em seu próprio quintal, diante de exigências que pedem soluções imediatas, não conte no Congresso com uma base sólida o suficiente para superar impasses e dificuldades.
 
Para eles, o presidente da República recalculou tardiamente a relação com os políticos e pôs em risco a governabilidade, sobretudo depois de enfrentar tentativa de golpe de Estado, em 8 de janeiro.
 
 
Mesmo assim, o Palácio do Planalto mexeu em vespeiros que, para os analistas da cena política, não trouxe resultados e dificultou as conversas. Ainda que as críticas de Lula à autonomia do Banco Central e ao patamar da taxa básica de juros (em 13,75%) encontre eco até mesmo no Centrão, a possibilidade de revisão da privatização da Eletrobras foi analisada como uma pauta essencialmente ideológica — uma vez que o presidente falou diretamente para os sindicatos e associações de classe do setor, historicamente contrários a passagem de empresas públicas para mãos particulares.
 
A mesma percepção serviu para a tentativa de revisão do marco do saneamento, que permitiu às empresas estaduais voltarem ao jogo das concessões para manterem seus quinhões — e em vantagem sobre os grupos privados que pretendem gerir os serviços de fornecimento de água e escoamento de esgoto.
 
Luciana Santana, cientista política e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) destaca que, desde que assumiu a Presidência, Lula acertou em restabelecer programas e políticas públicas de antigos governos petistas, mas pecou quando não incluiu o Legislativo nesses projetos. “Lula teve um resultado apertado nas urnas, o bolsonarismo ainda é muito forte e, por isso, esperava-se que se aproximasse dos líderes partidários e negociasse diretamente. Mas parece ter entendido o problema. De agora em diante, é liberar emendas e a indicação de cargos no segundo e terceiro escalões. Isso não é um toma lá dá cá, faz parte da construção de governos multipartidários — nos quais a legenda do presidente não é maioria no Parlamento. Lula sabe como contornar e creio que dá tempo para isso”, avalia.

Esquerda

Para o cientista político Bernardo Santoro, o relacionamento entre governo e Congresso azedou à medida que “o chamado ‘governo de união’, defendido na campanha, deu lugar a outro voltado à esquerda, tanto no âmbito econômico quanto social. Essa questão, combinada com a lentidão no pagamento de emendas, o pouco espaço para indicações de aliados no segundo e terceiro escalões do Executivo e a falta de diálogo com a presidência da Câmara geraram ruídos”. Ele não crê “que o problema seja na comunicação, mas na má interpretação do governo sobre a vontade popular nas urnas, pois não há comunicação que resolva a dissociação entre discurso eleitoral e prática política”.
 
Ricardo Ismael, cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), avalia que, independentemente de quem estiver na articulação política, haverá uma negociação complexa, que exigirá tempo e energia. “O Centrão lidera a ala que tem força no Congresso e exige liberação de emendas, presença em ministério, em cargos do primeiro e segundo escalões. Ou seja, parte expressiva desses votos que o governo Lula precisa é fisiológica — não vão ter uma conversa em cima de um programa e envolve cargos e liberação de emendas. Isso é um elemento difícil, porque sabe da repercussão negativa junto à opinião pública. Mas não tem como fugir”, lamenta. 


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