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Estado de Minas 'ERA MANDETTA'

Ofício aponta que Planalto tentou tirar protagonismo do Ministério da Saúde

Documentos encaminhados pelo governo à CPI da COVID mostram que Bolsonaro ordenou ações para 'unificação da narrativa'; comunicações passaram a ser revisadas


07/08/2021 16:19 - atualizado 07/08/2021 16:39

Mandetta (dir.) deixou o Ministério da Saúde em abril do ano passado, após choques com Bolsonaro(foto: AFP / EVARISTO SA)
Mandetta (dir.) deixou o Ministério da Saúde em abril do ano passado, após choques com Bolsonaro (foto: AFP / EVARISTO SA)
Documentos entregues pela Casa Civil à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 mostram que o governo federal tentou tirar do Ministério da Saúde, à época comandado por Luiz Henrique Mandetta, o protagonismo nas comunicações acerca da pandemia. Um ofício, assinado pelo general Walter Braga Netto, ordenava que todas as declarações acerca do surto fossem dadas nas dependências do Palácio do Planalto.

O conteúdo encaminhado aos senadores foi obtido pela "Folha de S. Paulo". As ordens dadas por Braga Netto - então chefe da Casa Civil - à Saúde federal foram fruto de pedido expresso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Em prol da "unificação da narrativa", o militar ainda deixou claro que notas à imprensa, anteriormente emitidas de forma independente pelo Ministério da Saúde, deveriam passar pelo crivo da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom). As ordens foram dadas em 23 de março do ano passado, quando o país começava a sentir os duros efeitos do coronavírus.

Até aquele momento, Mandetta e sua equipe costumavam fazer, na sede do ministério, apresentações diárias à imprensa sobre o estágio da doença. O médico ficou no cargo até 16 de abril daquele ano, após muitos choques com Bolsonaro.

A equipe da Saúde federal emitia orientações pedindo aos brasileiros que evitassem aglomerações e que, se possível fosse, permanecessem em casa. O presidente, por seu turno, já se amparava na tese de que os prejuízos econômicos causados pelas restrições seriam fortemente sentidos pelo país.

"Todas as coletivas de imprensa dos Ministérios ou Agências Federais sobre o COVID 19 (sic) deverão ser realizadas no Salão Oeste do Palácio do Planalto", aponta trecho do documento obtido pela "Folha".

A primeira conferência de imprensa ministerial promovida no Planalto ocorreu em 30 de março. À ocasião, Braga Netto refutou a ideia de possível demissão de Mandetta. Ao jornal, o ex-ministro disse que a orientação sobre a "narrativa" única surgiu quando o clima entre Bolsonaro e a gestão vigente na Saúde já era "azedo".

"Desde o começo foram mal. Primeiro, negaram. Depois ficaram com raiva. Aí passaram a esperar por milagre, com a cloroquina, e agora é a depressão que estamos vendo. Eles estavam na fase da raiva de quem dá a notícia", recordou.

Agora no Ministério da Defesa, Braga Netto emitiu nota explicando que, à Casa Civil, cabe coordenar ações interministeriais. Segundo o general, a orientação de centralizar as comunicações públicas foi repassada a outras pastas.

Braga Netto pode ir à CPI

O general Braga Netto é alvo de requerimentos que podem ser analisados pela CPI da COVID-19. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) pediu formalmente a convocação do militar. Na semana passada, em meio à crise entre os três Poderes, senadores desistiram de aprovar a tomada do depoimento.

Bastidores do ministério estão em livros

Em setembro do ano passado, Mandetta lançou "Um paciente chamado Brasil", livro em que relata os bastidores do tempo em que esteve à frente do ministério ante a pandemia. "Para Bolsonaro a solução sempre foi simples: o projeto dele para o combate à pandemia é dizer que o governo tem o remédio e quem tomar o remédio vai ficar bem. Só vai morrer quem já ia morrer de qualquer maneira", escreveu, em trecho da obra.

Quem também conta trechos dos bastidores da Saúde na era Mandetta é Ugo Braga, chefe da assessoria de comunicação da pasta à época. Ele escreveu "Guerra à Saúde: Como o Palácio do Planalto transformou o Ministério da Saúde em inimigo público no meio da maior pandemia do século XXI".

Depois de Mandetta, o Brasil atravessou "dança das cadeiras" no comando do ministério. O oncologista Nelson Teich durou menos de um mês no posto; em seguida, depois de alguns meses na interinidade, Eduardo Pazuello foi efetivado. Demitido em março, o general acabou substituído por Marcelo Queiroga.

 

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Para ser instalado no Senado Federal, uma CPI precisa do aval de, ao menos, 27 senadores; um terço dos 81 parlamentares. Na Câmara dos Deputados, também é preciso aval de ao menos uma terceira parte dos componentes (171 deputados).

Há a possibilidade de criar comissões parlamentares mistas de inquérito (CPMIs), compostas por senadores e deputados. Nesses casos, é preciso obter assinaturas de um terço dos integrantes das duas casas legislativas que compõem o Congresso Nacional.

O que a CPI da COVID investiga?


O presidente do colegiado é Omar Aziz (PSD-AM). O alagoano Renan Calheiros (MDB) é o relator. O prazo inicial de trabalho são 90 dias, podendo esse período ser prorrogado por mais 90 dias.



Saiba como funciona uma CPI

Após a coleta de assinaturas, o pedido de CPI é apresentado ao presidente da respectiva casa Legislativa. O grupo é oficialmente criado após a leitura em sessão plenária do requerimento que justifica a abertura de inquérito. Os integrantes da comissão são definidos levando em consideração a proporcionalidade partidária — as legendas ou blocos parlamentares com mais representantes arrebatam mais assentos. As lideranças de cada agremiação são responsáveis por indicar os componentes.

Na primeira reunião do colegiado, os componentes elegem presidente e vice. Cabe ao presidente a tarefa de escolher o relator da CPI. O ocupante do posto é responsável por conduzir as investigações e apresentar o cronograma de trabalho. Ele precisa escrever o relatório final do inquérito, contendo as conclusões obtidas ao longo dos trabalhos. 

Em determinados casos, o texto pode ter recomendações para evitar que as ilicitudes apuradas não voltem a ocorrer, como projetos de lei. O documento deve ser encaminhado a órgãos como o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União (AGE), na esfera federal.

Conforme as investigações avançam, o relator começa a aprimorar a linha de investigação a ser seguida. No Congresso, sub-relatores podem ser designados para agilizar o processo.

As CPIs precisam terminar em prazo pré-fixado, embora possam ser prorrogadas por mais um período, se houver aval de parte dos parlamentares

O que a CPI pode fazer?

  • chamar testemunhas para oitivas, com o compromisso de dizer a verdade
  • convocar suspeitos para prestar depoimentos (há direito ao silêncio)
  • executar prisões em caso de flagrante
  • solicitar documentos e informações a órgãos ligados à administração pública
  • convocar autoridades, como ministros de Estado — ou secretários, no caso de CPIs estaduais — para depor
  • ir a qualquer ponto do país — ou do estado, no caso de CPIs criadas por assembleias legislativas — para audiências e diligências
  • quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados se houver fundamentação
  • solicitar a colaboração de servidores de outros poderes
  • elaborar relatório final contendo conclusões obtidas pela investigação e recomendações para evitar novas ocorrências como a apurada
  • pedir buscas e apreensões (exceto a domicílios)
  • solicitar o indiciamento de envolvidos nos casos apurados

O que a CPI não pode fazer?

Embora tenham poderes de Justiça, as CPIs não podem:

  • julgar ou punir investigados
  • autorizar grampos telefônicos
  • solicitar prisões preventivas ou outras medidas cautelares
  • declarar a indisponibilidade de bens
  • autorizar buscas e apreensões em domicílios
  • impedir que advogados de depoentes compareçam às oitivas e acessem
  • documentos relativos à CPI
  • determinar a apreensão de passaportes

A história das CPIs no Brasil

A primeira Constituição Federal a prever a possibilidade de CPI foi editada em 1934, mas dava tal prerrogativa apenas à Câmara dos Deputados. Treze anos depois, o Senado também passou a poder instaurar investigações. Em 1967, as CPMIs passaram a ser previstas.

Segundo a Câmara dos Deputados, a primeira CPI instalada pelo Legislativo federal brasileiro começou a funcionar em 1935, para investigar as condições de vida dos trabalhadores do campo e das cidades. No Senado, comitê similar foi criado em 1952, quando a preocupação era a situação da indústria de comércio e cimento.

As CPIs ganharam estofo e passaram a ser recorrentes a partir de 1988, quando nova Constituição foi redigida. O texto máximo da nação passou a atribuir poderes de Justiça a grupos investigativos formados por parlamentares.

CPIs famosas no Brasil

1975: CPI do Mobral (Senado) - investigar a atuação do sistema de alfabetização adotado pelo governo militar

1992: CPMI do Esquema PC Farias - culminou no impeachment de Fernando Collor

1993: CPI dos Anões do Orçamento (Câmara) - apurou desvios do Orçamento da União

2000: CPIs do Futebol - (Senado e Câmara, separadamente) - relações entre CBF, clubes e patrocinadores

2001: CPI do Preço do Leite (Assembleia de MG e outros Legislativos estaduais, separadamente) - apurar os valores cobrados pelo produto e as diretrizes para a formulação dos valores

2005: CPMI dos Correios - investigar denúncias de corrupção na empresa estatal

2005: CPMI do Mensalão - apurar possíveis vantagens recebidas por parlamentares para votar a favor de projetos do governo

2006: CPI dos Bingos (Câmara) - apurar o uso de casas de jogo do bicho para crimes como lavagem de dinheiro

2006: CPI dos Sanguessugas (Câmara) - apurou possível desvio de verbas destinadas à Saúde

2015: CPI da Petrobras (Senado) - apurar possível corrupção na estatal de petróleo

2015: Nova CPI do Futebol (Senado) - Investigar a CBF e o comitê organizador da Copa do Mundo de 2014

2019: CPMI das Fake News - disseminação de notícias falsas na disputa eleitoral de 2018

2019: CPI de Brumadinho (Assembleia de MG) - apurar as responsabilidades pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão
 


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