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Estado de Minas PERFIL

CPI: 'Capitã cloroquina' criticou restrições e tinha 'má fama' na Saúde

Mayra Pinheiro tinha pouca influência com Mandetta, mas ganhou protagonismo na gestão Pazuello; agora, precisará explicar a senadores postura ante a pandemia


24/05/2021 18:05 - atualizado 24/05/2021 19:15

Mayra Pinheiro, a 'capitã cloroquina', precisará fornecer explicações aos senadores da CPI da COVID-19; depoimento é nesta terça (25)
Mayra Pinheiro, a 'capitã cloroquina', precisará fornecer explicações aos senadores da CPI da COVID-19; depoimento é nesta terça (25) (foto: Anderson Riedel/PR)


Os senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 se preparam para ouvir figuras de escalões inferiores do Ministério da Saúde. A nova etapa começa após as oitivas de ex-chefes da pasta e do atual responsável pela área, Marcelo Queiroga. Nesta terça-feira (25/5) quem deve depor é a pediatra e intensivista Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, jocosamente chamada de “capitã cloroquina”. Nas redes sociais, a cearense protesta contra medidas restritivas.

A médica de 54 anos ganhou destaque ao defender, como forma de combate ao novo coronavírus, a utilização do remédio, sem eficácia comprovada contra a doença viral. Por isso, ganhou uma espécie de “apelido militar”. Na Esplanada dos Ministérios desde o início da gestão de Luiz Henrique Mandetta, em 2019, Mayra é descrita por interlocutores que já bateram ponto na Saúde federal como uma secretária discreta em termos de resultados.

Candidata ao Senado pelo PSDB cearense em 2018, terminou em quarto lugar, com 11,37% dos votos válidos. Perdeu a disputa para Cid Gomes (PDT) e Eduardo Girão (Pros), que levaram as duas vagas em jogo. Apoiadora ferrenha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), também ganhou notoriedade por protestar contra o programa Mais Médicos, que “importou” profissionais de países como Cuba e Venezuela para encorpar a rede assistencial do Brasil.

Ao lado do antigo chefe, Eduardo Pazuello, Mayra é alvo de ação do Ministério Público Federal (MPF) que investiga as responsabilizações pelo caos sanitário provocado pela falta de oxigênio em Manaus.

Pouca influência com Mandetta e crise no Amazonas

O Estado de Minas apurou que, durante o tempo em que foi chefiada por Mandetta, Mayra tinha pouco poder de decisão. No livro “Guerra à Saúde: Como o Palácio do Planalto transformou o Ministério da Saúde em inimigo público no meio da maior pandemia do século XXI”, Ugo Braga, que foi chefe da assessoria de comunicação do ministério na gestão do médico sul mato-grossense, conta que a secretária tinha fama de “fazer muito e falar pouco”. Apesar disso, o jornalista levanta a hipótese de a reputação ser “injustificada”.

Quando Mandetta foi demitido, em abril do ano passado, Mayra continuou no ministério. Sobreviveu à passagem relâmpago de Nelson Teich e ganhou protagonismo com Pazuello, que saiu em março deste ano.

Mayra comandou ações da Saúde nacional em Manaus pouco antes de a cidade sofrer por causa do desabastecimento de oxigênio. Ao MPF, segundo documentos obtidos por “O Globo”, a médica confirmou ter visitado hospitais em prol da difusão do ineficaz tratamento precoce, chamado de “kit COVID-19”. Além da cloroquina, o coquetel de medicamentos tem substâncias como o vermífugo ivermectina.

A secretária precisará dar explicações sobre o TrateCov, aplicativo responsável por “calibrar” a dosagem dos remédios do coquetel conforme os sintomas. 

Por ser alvo de ação que pode resultar em indiciamento por improbidade administrativa, a “capitã cloroquina” conseguiu, por intermédio do Supremo Tribunal Federal (STF), habeas corpus que permite o silêncio em caso de perguntas dos senadores sobre o colapso no Amazonas, entre dezembro de 2020 e janeiro deste ano.

O princípio do benefício é o mesmo do habeas corpus concedido a Pazuello antes de seu depoimento: evitar a criação de provas contra si mesma. 

Defesa da cloroquina, artigo científico e estratégia de defesa

Os perfis de Mayra Pinheiro na internet têm inúmeras referências à cloroquina, remédio que, originalmente, serve para enfermidades como lúpus e malária. Antes tida como uma secretária de pouca relevância, a cearense precisará ir à CPI explicar, sobretudo, a defesa à ao composto. Nesta segunda (24/5), ao jornal paranaense “Gazeta do Povo”, voltou a sustentar a tese que costumeiramente difunde. 

“Assim como todos os tratamentos na medicina, sem exceção, essa droga possui graus de eficácia e eficiência que irão variar, segundo as evidências atuais, de acordo com a gravidade da doença, tempo de início do seu uso e medicações associadas”, disse, ao tratar do remédio.

Apesar do protagonismo adquirido por causa do dito “tratamento precoce”, a secretaria comandada por Mayra não é, em tese, o setor responsável por deliberar sobre o combate a enfermidades. Durante a gestão de Mandetta, por exemplo, ela foi incumbida de formatar “O Brasil conta comigo”, programa para encorpar a rede de saúde com estudantes de medicina. Foi responsável, também, por captar médicos para as áreas em situação difícil. 


A médica vai ao Senado Federal acompanhada por dois advogados. Um deles, Djalma Pinto, garante que a atuação da cliente é “respaldada por estudos científicos autorizados” e baseada na “legalidade”.

 

Em fevereiro, Mayra publicou artigo em fevereiro defendendo a nota técnica que deliberava sobre a utilização do "kit COVID" em solo nacional. A secretária alega que opositores do coquetel podem ser responsáveis por milhares de mortes. O texto foi submetido à Revista Sanitária da Comissão de Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público.

 

Quem também assina o texto é Hélio Angiotti Neto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde.  


"A esperança de pacientes e profissionais em exercitar sua liberdade, que em nada viola a liberdade dos demais e que responde a um potencial benefício terapêutico, não pode ser suplantada pelo desejo tirânico de distorcer a ciência e utilizá-la como pretexto para uma disputa política e para a opressão profissional", argumentam.

 

Nas redes, Mayra age como política


Em meio à defesa dos remédios sem eficácia atestada, Mayra age como uma espécie de “política” nas redes. Seu perfil no Instagram, por exemplo, é recheado de artes destacando manchetes favoráveis ao governo e a Bolsonaro — mesmo que não tenham relação direta com a COVID-19, como os protestos ocorridos no Dia do Trabalhador.

Os conteúdos, aliás, têm uma assinatura em forma de logomarca, como fazem deputados, vereadores e outras figuras do poder público.

Em 2018, Mayra Pinheiro quase alcançou Eduardo Girão na disputa pelo Senado Federal. O PSDB, que a abrigou na disputa, tem o cearense Tasso Jereissati como um de seus representantes na Câmara Alta do Congresso. Ele foi um dos cabos eleitorais da médica, que concorreu sob a alcunha de “Doutora Mayra”.

Nas redes, seguindo expediente bolsonarista, a médica adota postura bélica contra alguns veículos da imprensa cearense. Constantemente, critica o jornal “O Povo” pela cobertura de fatos que a envolvem, como a recente ação do MPF.

Em “Guerra à Saúde”, Ugo Braga diz que Jereissati indicou a então correligionária para ocupar posto no Ministério da Saúde. A reportagem tentou contato com a assessoria do parlamentar para ouvi-lo sobre a suposta recomendação, mas ainda não obteve retorno.

Médica deixou de ser tucana e ingressou no Novo


Algum tempo depois do pleito de 2018, Mayra deixou os quadros tucanos e passou a pertencer ao partido Novo. Lá, chegou a ser ventilada como possível componente de chapa para disputar a Prefeitura de Fortaleza. A legenda, porém, não participou da corrida eleitoral.

Em março deste ano, a integrante do governo federal se desfiliou do partido Novo. A direção nacional da agremiação, vale lembrar, emitiu nota que posiciona a sigla como oposição à gestão Bolsonaro.

O resultado de 2018 credenciou Mayra a ser importante player na última disputa eleitoral em Fortaleza. Sem candidato no Novo, apoiou o bolsonarista Capitão Wagner, do Pros, que parou no segundo turno.

Oposição ao Mais Médicos


No papel, a pasta que Mayra Pinheiro assumiu no Ministério da Saúde é responsável por cuidar de iniciativas como o Mais Médicos, remodelado por Bolsonaro — o que acabou dificultando o ingresso de mais profissionais estrangeiros.

No fim de 2018, ao “El País Brasil”, a cearense teceu críticas às diretrizes originais do Mais Médicos, alegando que a política pública servia, prioritariamente, para auxiliar prefeitos sem recursos para contratar profissionais de saúde. Na visão dela, não havia a garantia de que os cidadãos estavam “recebendo” os médicos. A profissional também não deixou de alfinetar os cubanos.

“A gente não pôde comprovar a certificação de que essas pessoas (cubanos) haviam cursado medicina nem que tinham o domínio da língua. Essa prerrogativa é de todos os países do mundo, porque não foi no Brasil?”, perguntou.

Com bom trânsito entre a classe médica, Mayra já presidiu o sindicato da categoria no Ceará e foi uma das principais vozes contrárias à importação de profissionais. Nas redes, aliás, a médica sempre compartilha posts de entidades contrárias a medidas restritivas. Em março, replicou nota em que o Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF) oficializa posição contrária ao lockdown.

“A restrição ainda maior de liberdade causa o aumento da incidência de transtornos mentais, o uso e abuso de álcool/ou outras drogas, agravamento das demais doenças crônicas, além de prejuízo irremediável à economia, provocando desemprego, fome, violência e, por conseguinte, mais caos à saúde”, lê-se no texto, escrito quando a unidade federativa optou por endurecer o combate à infecção.

A saúde mental citada pelo CRM-DF na nota que Mayra compartilhou parece ser um tema muito caro à médica. Ela costuma compartilhar conteúdos sobre o tema.


Segundo escalão pode dar respostas


Os senadores da CPI da COVID-19 esperam ansiosamente a nova série de depoimentos. Em análise prévia, os parlamentares creem que integrantes de camadas inferiores do Ministério da Saúde podem apontar os responsáveis pelos caminhos escolhidos.

“Não será surpresa se elas acabarem trazendo mais resultados, pois são essas figuras do segundo e do terceiro escalão que colocam a mão na massa. Vão poder explicar de quem receberam ordens e qual foi o processo para a tomada de decisão. Ou seja: se houve consulta a especialistas e verificação daquilo que a ciência determinava ou se apenas a política que fez a gestão da saúde no Brasil. Isso vai trazer bons resultados”, projeta Alessandro Vieira (CIdadania-SE), suplente no colegiado.

 

Mayra Pinheiro segundo o livro "Guerra à Saúde", de Ugo Braga

Pediatra e intensivista, Mayra é uma profissional respeitada no meio médico. Pediatra e intensivista, foi candidata ao Senado pelo PSDB no Ceará na eleição de 2018 e acabou derrotada, com apenas 11% dos votos. Não tinha proximidade com o ministro. Fora indicada pelo senador Tasso Jereissati e também fazia parte do grupo de apoio irrestrito a Bolsonaro. Inexperiente no serviço público, ganhou dentro da equipe a má fama, talvez injustificada, de falar muito e fazer pouco.

O que é uma CPI?

As comissões parlamentares de inquérito (CPIs) são instrumentos usados por integrantes do Poder Legislativo (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores) para investigar fato determinado de grande relevância ligado à vida econômica, social ou legal do país, de um estado ou de um município. Embora tenham poderes de Justiça e uma série de prerrogativas, comitês do tipo não podem estabelecer condenações a pessoas.

Leia também: Entenda como funciona uma CPI


O que a CPI da COVID investiga?


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