(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PEC dos Precatórios

Bolsonaro liberou orçamento secreto de R$ 1,2 bi às vésperas de votação

Segundo o Estadão, valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto de cada parlamentar na PEC dos precatórios foi de até R$ 15 milhões


05/11/2021 09:02 - atualizado 05/11/2021 10:02

Fachada do Congresso Nacional
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília (foto: Agência Senado)
A iniciativa do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de liberar R$ 1,2 bilhão do chamado orçamento secreto às vésperas da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios está sendo interpretada nos corredores da Câmara dos Deputados como uma provável compra de votos. A PEC foi aprovada  em primeiro turno na madrugada dessa quinta-feira (4/11).

Reportagem do Estadão revela, na edição desta sexta-feira (5/11), que, em busca de apoio para a PEC dos precatórios, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir o cofre e acelerou a liberação de dinheiro  público a deputados na véspera da votação.

 

Conforme a reportagem, desde a semana passada, quando o texto chegou ao plenário da Câmara, o governo empenhou R$ 1,2 bilhão das chamadas emendas de relator-geral — o mecanismo do orçamento secreto.

Segundo relatos feitos ao Estadão , o valor oferecido por interlocutores do Palácio do Planalto pelo voto de cada parlamentar foi de até R$ 15 milhões. Quem coordenou as negociações foi o próprio presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Votação em primeiro turno


A PEC foi aprovada em primeiro turno com uma margem estreita — 312 a 144, apenas quatro votos acima dos 308 necessários. Partidos que se colocam como oposição e que pretendem lançar candidatos contra Bolsonaro em 2022 racharam, como o PSDB, o PDT, o MDB e o Podemos.

Parlamentares dessas siglas, que já haviam sido contemplados com recursos do orçamento secreto, deram 52 votos a favor da medida e ajudaram na vitória do governo.

“Colegas nossos de bancada comentaram que era esse valor, de R$ 15 milhões (para quem votasse a favor da PEC)”, afirmou ao Estadão o deputado Celso Maldaner (MDB-SC), que votou contra e disse não ter recebido nada. Questionado sobre como soube da oferta, o deputado disse ter ouvido o “comentário de um colega de partido, vice-líder de governo, que falou que os vice-líderes estiveram reunidos e falaram nesses números”.

Outro integrante do MDB, Hildo Rocha (MA), também relatou conversas sobre a troca de votos por emendas. Segundo ele, o rumor no Plenário da Câmara na noite de ontem era a de que o governo tentou usar o PDT como “chamariz” para os outros partidos de esquerda — se os trabalhistas votassem a favor da PEC, congressistas em outros partidos de esquerda também se sentiriam autorizados a fazer o mesmo.

“Quando os deputados do PDT começaram a votar com o governo nos requerimentos do ‘kit obstrução’, muita gente no Plenário avaliou que então de fato, o governo tinha conseguido conquistar o PDT à base de R$ 200 milhões em emendas de relator”, disse ele.

“A maior parte seria via FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), para ônibus escolares, creche, escolas, quadras esportivas, e outras obras mais. E uma parte também via Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e na Agricultura”, disse Rocha, ressaltando que ele próprio não presenciou nenhuma negociação.

O único integrante do MDB entre os vice-líderes do governo é o deputado Lúcio Mosquini (MDB-RO). Procurado, ele negou ter tratado sobre liberação de emendas em troca de votos. “Zero vezes zero vezes zero. Eu garanto para você que você não acha um ofício meu (indicando recursos)”, disse o parlamentar, um dos dez do seu partido a apoiar a PEC.

A proposta é tratada como prioridade pelo Palácio do Planalto por abrir espaço no Orçamento para o novo programa social do governo, o Auxílio Brasil, com pagamento médio de R$ 400. A crítica de opositores à medida, porém, é a forma encontrada para viabilizar o benefício.

"PEC do calote"


O texto foi batizado de "PEC do calote" por postergar o pagamento de dívidas da União reconhecidas judicialmente, além de prever um "drible" no teto de gastos, regra que limita o aumento de despesas do governo à inflação. Com isso, o "valor extra" obtido será de R$ 91,6 bilhões, o que daria tanto para encaixar o novo Bolsa Família quanto para para ampliar as emendas parlamentares e o Fundo Eleitoral no ano que vem, como pretendem os parlamentares.

O receio de Bolsonaro de não conseguir colocar de pé o Auxílio Brasil, sua aposta eleitoral para conseguir a reeleição, levou o governo a bater recorde de emendas liberadas em outubro. O valor empenhado foi de R$ 2,95 bilhões. A maior parte, de R$ 909 milhões, em apenas dois dias: quinta-feira (28 de outubro) e sexta (29), logo depois da primeira tentativa frustrada de votar a PEC, na noite de quarta (27), quando o governo não obteve votos suficientes para aprová-la.

No jargão orçamentário, o “empenho” significa que o dinheiro está reservado para uma determinada finalidade. Tradicionalmente, os ministérios represam as emendas parlamentares e deixam para fazer os empenhos às vésperas de votações importantes no Congresso.

As emendas de relator-geral, identificadas pelo código RP-9, estão na base do esquema do “orçamento secreto”, revelado pelo Estadão. Equivalem a bilhões de reais distribuídos sem que se conheça o autor da solicitação e os critérios para aplicação dos recursos. O mecanismo de "toma lá, dá cá" tem sido usado por Bolsonaro para aumentar sua base no Congresso. Além destas, o governo também aumentou nos últimos dias o ritmo do pagamento de outras emendas, como as individuais e de bancadas.

A deputada Joice Hasselmann (PSDB-SP), que foi líder do governo no primeiro ano de mandato de Bolsonaro, afirmou que, sem as emendas de relator, a PEC jamais passaria

“Ontem vimos a intensificação dos interlocutores do Palácio, dos representantes do governo, derramando dinheiro em cima de deputado, oferecendo espaços cada vez maiores para tentar aprovar de qualquer jeito a PEC dos precatórios”, disse ela. “O instrumento de pressão é justamente o dinheiro (emendas) ou a ameaça de retirar aquilo que os parlamentares já tinham.”

Joice afirmou que também houve pressão para aprovação da PEC que altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a qual ela chama de “PEC da Vingança”.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) afirmou que a votação demonstrou mais uma vez o uso ilegal das emendas de relator. “Precisamos acabar com as emendas de relator: são moeda de troca para compra de apoio e votos”, disse.

Um integrante do Podemos, sob condição de anonimato, disse que recebeu pressão do líder do partido, Igor Timo (MG), para votar a favor da PEC. O partido, que pretende filiar o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro tendo em vista uma candidatura à Presidência, se posicionou contra a proposta. Mesmo assim, metade dos dez deputados da sigla foi a favor.

Procurado, Timo negou. Disse que apenas expressou ser favorável à aprovação da PEC por entender que houve avanços no texto. Citou, por exemplo, a previsão de pagamentos de Fundef de professores. A orientação da direção nacional do partido Podemos era contra a PEC. Dos dez deputados do partido, cinco foram a favor, entre eles o líder.

Diplomacia


Segundo Lira, o que permitiu a aprovação da PEC ontem, no entanto, foi a  “diplomacia”.  “O resultado foi conseguido na diplomacia das negociações claras, e com o objetivo de destravar uma coisa que é urgentíssima, que é o auxílio emergencial”, disse o presidente da Câmara em entrevista a jornalistas.

A reportagem do Estadão   atesta que procurou Lira para comentários sobre o assunto, mas ele não se manifestou até o fechamento da reportagem.

A reportagem também garante que procurou o relator-geral do Orçamento de 2021, o senador Márcio Bittar (PSL-AC), sobre as liberações de quase R$ 3 bilhões em outubro e de R$ 1 bilhão apenas na última semana.

Ele não respondeu se todas indicações partiram dele, quais foram os critérios e quais foram os congressistas solicitantes por trás das indicações.

Aumento poderia ser feito sem PEC, diz economista da IFI.

Teto de Gastos


O texto aprovado pela Câmara muda a fórmula de cálculo do limite imposto pelo Teto de Gastos e também cria novas regras para o pagamento dos chamados precatórios, que são dívidas do governo decorrentes de condenações na Justiça.

Com as mudanças, a PEC abre um espaço de R$ 91,6 bilhões extras para gastos em 2022, ano eleitoral. Congressistas que votaram à favor da PEC argumentam que ela seria necessária para viabilizar o novo Auxílio Brasil de R$ 400, que substituirá o antigo Bolsa Família.

Na semana que vem, a Câmara ainda precisa concluir a votação dos chamados destaques ao texto — sugestões de mudanças feitas pelos deputados — e aprovar a PEC num segundo turno de votações. Só então a proposta seguirá para o Senado, onde também deve ser votada em dois turnos.

“A disposição em cortar despesas (por parte do governo) inexiste. O Teto preconizava esse tipo de conduta. Quando a situação estivesse mais apertada, você teria que fazer escolhas. Desta vez a escolha não foi cortar alguns gastos para viabilizar outros. Foi ampliar o Teto (...). Nas nossas contas, esse aumento pode ficar entre R$ 95 e R$ 92 bilhões”, disse ao Estadão o economista Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal.

“Mas seria possível fazer (o Auxílio) sem mudar o teto. Se você cortasse parte das emendas parlamentares e não fizesse emendas de relator-geral (em 2022); se cortasse R$ 11 bilhões das despesas discricionárias (não obrigatórias) previstas no Projeto de Lei Orçamentária (de 2022) e ainda contabilizasse os precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), que ao nosso ver é extra-Teto; então haveria espaço para dobrar os recursos do Bolsa Família para o ano que vem”, disse Salto.

O projeto do Orçamento de 2022 já reserva R$ 34,7 bilhões para o Bolsa Família — pelos cálculos de Salto, as mudanças citadas acima liberariam mais R$ 35 bilhões para o programa.

Ainda segundo Felipe Salto, a aprovação da PEC dos Precatórios representa a perda de credibilidade da política fiscal do governo, com o consequente aumento dos juros e da dívida pública. “Quando o mercado percebe uma perda de credibilidade (...), isso afeta o risco, e o risco mais alto se traduz em juros. E acontece o que nós já vimos de agosto para setembro nos dados do Banco Central: a dívida pública bruta aumentou, de 82,7% do PIB para 83%”, diz ele.

“O segundo efeito é na economia: com juros mais altos, nós vamos ter crescimento econômico menor ano que vem, uma vez que o crédito fica mais caro; consumir fica mais caro e investir também. Ou seja, é um ano muito difícil que vem pela frente, em 2022. E todo esse espaço orçamentário que está sendo aberto para fazer gastos pode ser corroído por essas consequências macroeconômicas”, disse Salto.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)