(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas ENTREVISTA

Senadora Simone Tebet: "As mulheres não têm vez na CPI"

Parlamentar diz que a falta de representatividade feminina na comissão só escancara o preconceito que reina na política


31/05/2021 04:00 - atualizado 31/05/2021 07:17

Simone Tebet (MDB-MS):
Simone Tebet (MDB-MS): "Muitos nem percebem, mas dia a dia é uma constante essa forma diferenciada que se trata uma mulher na política" (foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), líder da bancada feminina no Senado Federal, afirmou que apesar das mulheres terem conquistado um espaço na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID, ainda continuam sem vez. Isso porque, mesmo com o acordo entre os integrantes do colegiado de estarem entre os primeiros 19 parlamentares a fazerem questionamentos às testemunhas nas oitivas, o direito de participar nas votações e outras prerrogativas foram negados.

“Foi um conjunto de situações e isso só expôs uma situação que ainda reina no Senado Federal e na política brasileira: a sub-representatividade da mulher em todos os setores, órgãos e poderes”, ressaltou a senadora. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, ela defendeu o direito de espaço na comissão entre os parlamentares em estados que tiveram agravantes na pandemia, como Manaus (AM), mas acredita que faltou “olhar democrático” antes de assinar o ato de instalar a CPI e ver que faltava uma mulher, que representa a maioria da população brasileira.
 
Para a senadora, elas conseguiram o mínimo para ter uma voz feminina entre os primeiros parlamentares a levantarem questionamentos que pudessem contribuir com o relatório final. 

Apesar disso, ainda sim, houve um desentendimento com os senadores governistas durante a oitiva com o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich. Segundo Ciro Nogueira (PP-PI), a questão não foi deliberada, não houve acordo para a participação da bancada feminina na CPI.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou que o Regimento da Casa “está sendo rasgado”. Marcos Rogério (DEM-RO), por sua vez, apontou que, na falta de acordo, prevalece o que está definido na norma. O senador afirmou ainda que as mulheres querem “dar peia” no presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
 
Tebet explicou a situação: “Eles criaram toda aquela confusão porque  imaginaram que estávamos colocando uma representante específica, que entendiam que era da oposição. Então eles se prepararam para ouvir. Não tiveram paciência para entender antes de partir para o ataque, questionando a legitimidade da decisão do presidente Omar Aziz”, rebateu.
 
Segundo ela, a bancada feminina vai apresentar aos líderes do Congresso Nacional um projeto de resolução protocolado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) para mudar o regimento interno. “Estabelece que nas próximas CPIs, quando não houver indicação de uma mulher pelas lideranças — o que nós não podemos obrigar, claro —, que se abra mais uma vaga para que a bancada feminina possa indicar uma senadora. Não vale para esta CPI, óbvio, mas acredito que não haverá dificuldade para aprovar essa alteração no regimento”, afirmou.


A CPI da COVID foi constituída sem que houvesse uma senadora mulher entre titulares e suplentes. Como avalia essa situação?

Não é uma perplexidade, como muita gente acabou falando. Acho que foram um conjunto de situações e isso só expôs uma situação que ainda reina no Senado Federal e na política brasileira: a sub-representatividade da mulher em todos os setores, órgãos e poderes. A CPI tem uma composição reduzida de membros.

Embora sejam 11, a princípio há preferência regimental na composição por quem apresenta, que é o titular que assina e compõe. Nesta CPI, o objeto principal era a situação do Amazonas, e os senadores desse estado tiveram prioridade.

"Há uma certa dificuldade dos homens em ouvir as mulheres nas instâncias de poder, uma certa impaciência e intolerância"


Então, 11 membros viraram 8 vagas, mas, ainda assim, teria que haver, por parte do Senado e dos líderes, essa sensibilidade, que faltou de perceber naquele momento — antes de assinar o ato — que estava faltando uma mulher, que representa a maioria da população brasileira.

Hoje somos 52%. Faltou, sim, essa sagacidade, sensibilidade e olhar democrático diante de uma sociedade tão plural e diversa como a brasileira.

Tentamos resolver isso da melhor forma possível e, mesmo assim, tivemos resistência para mostrar quais são os percalços que a mulher na política sofre. É velado, muitos nem percebem, mas dia a dia é uma constante essa forma diferenciada que se trata uma mulher na política. 

Depois, houve o acordo de cederem espaço para a bancada feminina nas oitivas. Quais as bases deste trato?

Foi levantada uma questão de ordem para que pudéssemos, apenas e tão somente, ter voz na CPI. Ter voz, mas continuamos não tendo vez.

Não podemos levantar uma questão de ordem que tenha como resultado a mudança no trabalho dos procedimentos, não temos direito de apresentar requerimentos, não vamos votar relatório e nem podemos apresentar substitutivo.

O máximo que temos é o direito de, na lista de titulares e suplentes, ao inquirir as testemunhas, ter uma senadora falando em nome da bancada feminina.

Foi isso e tão somente isso. Simplesmente o que nós conseguimos foi impedir que tivessem apenas vozes masculinas nos primeiros 19 oradores na lista.

Mesmo que não tivéssemos conseguido esse pleito, teríamos, como qualquer senador, o direito de fazer perguntas no final da fila. Iríamos para a lista de não membros.

Quero dizer que o que conseguimos não foi uma grande conquista. Apenas mesclar um pouco para que a representatividade da mulher, o que ela representa na sensibilidade e na maneira que leva para o Congresso, pudesse estar mais presente na CPI.

Houve até mesmo rejeição por parte de alguns senadores governistas, que alegaram que a presença das mulheres tem a intenção de prejudicar o presidente Bolsonaro. O que pensa dessas falas?

Como nós falamos de vozes femininas, são vozes muitas vezes questionadas como histéricas, nervosas e que falam muito.

Há uma certa dificuldade dos homens de ouvir as mulheres nas instâncias de poder, uma certa impaciência e intolerância. Esse é um exemplo claro. Eles criaram toda aquela confusão porque  imaginaram que estávamos colocando uma representante específica, que entendiam que era da oposição.

Então eles se prepararam para ouvir. Não tiveram paciência para entender antes de partir para o ataque, questionando a legitimidade da decisão do presidente Omar Aziz.

Não estávamos falando que era senadora A ou B que comporia. Eles, por uma questão de ordem levantada por uma senadora, entenderam que ela estaria presente.

E essa senadora é da oposição ao governo. Esse mal entendido só reforça essa discriminação velada que existe, no inconsciente de muitos colegas — não da maioria. A gente só tem a lamentar.

Depois que se esclareceu, não precisava dessa exposição pública, que manchou a imagem do Senado Federal.

São pequenos detalhes como esse que fazem a diferença no juízo de valor que a sociedade brasileira faz da política. São maus exemplos.

Eles tinham que saber que estávamos em rede nacional, nos grandes veículos de comunicação brasileira, dando uma demonstração e confirmando claramente o que nós, da bancada feminina, sentimos na pele e, quando externamos, dificilmente somos acreditadas.

É difícil acreditar que em pleno século 21, no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, em uma casa política, há este tipo de comportamento ou mesmo discriminação velada e, repito, até inconsciente por parte de alguns.

Recentemente, vi que houve uma jornalista fazendo a pergunta para um senador, foi interrompida diversas vezes. O assunto era CPI e ela falou: ‘Você não vai fazer comigo o que faz com as senadoras’.

Nada é por acaso na vida e isso, de alguma forma, trouxe luz a uma questão que, de tão irracional e ilógica, chega a ser questionada como verdadeira. ‘Imagina que haja discriminação, que as mulheres são tratadas de forma diferente, que não tenham o espaço na devida proporcionalidade dentro do Senado Federal’.

Pelo regimento, nós até temos, mas na prática, de fato, isso não acontece.

Estamos com um projeto de resolução protocolado agora, da senadora Eliziane Gama, e na próxima reunião de líderes eu vou levar para os líderes do Congresso e do Senado, estabelecendo que nas próximas CPIs, quando não houver indicação de uma mulher pelas lideranças – o que nós não podemos obrigar, claro –, que se abra mais uma vaga para que a bancada feminina possa indicar uma senadora.

Não vale para esta CPI, óbvio, mas acredito que não haverá dificuldade para aprovar essa alteração no regimento.

Interrupções às mulheres são comuns no cotidiano do Senado? 

Todo dia, toda hora, e eles nem percebem. A mulher tende a ser mais detalhista em tudo o que faz. Consequentemente, quando vai expor um problema, colocar um ponto de vista, defender uma tese, suas convicções ou um projeto de lei, tende a ser mais detalhista.

Há total impaciência por parte de muitos em relação a esta característica da mulher, de querer fazer tudo com detalhes.

Então “a mulher fala muito”, quando levanta a voz está “nervosa” ou “histérica” e, quando deixa de falar, está sendo “omissa”.

Episódios como esse nunca olho como negativos. O que aconteceu foi extremamente positivo. Trouxe uma pauta necessária no momento em que estamos tendo muita visibilidade.

Uma pauta que, ao contrário do passado, que se falava que era ‘mimimi’, e discurso que não encontrava verdade nos fatos.

Hoje, ninguém contesta que há esse tipo de situação porque eles presenciaram, ao vivo e em cores, a forma indelicada como fomos tratadas por fazermos uma simples questão de ordem das mais básicas, que faz parte do cotidiano do Parlamento brasileiro, e é a oportunidade de ser ouvida, de participar e debater em pautas que são relevantes e urgentes para o país.

Isso expôs uma situação que acontece no Congresso Nacional e, consequentemente, em toda área pública que a mulher participa.

A senhora disse ao ex-ministro Pazuello durante a fala sobre a camisa com ‘alvo no peito ou no pulmão’, que o ministério deixou os brasileiros em uma guerra sem armas. Além de Pazuello, quem deixou o país desarmado neste conflito? Como eles devem ser responsabilizados?

Ele foi escolhido pelo presidente da República não porque entenda – ele mesmo disse que se surpreendeu positivamente com o SUS, embora não tenha aproveitado todas as boas ferramentas que o SUS tem, inclusive o Plano Nacional de Imunização, um dos melhores do mundo.

Ele foi escolhido pelo presidente por ser um general que tinha experiência em planejamento estratégico e logística, que é também (parte do SUS), mas não só isso, necessário naquele momento. 

Naquele momento, precisávamos de um gestor, que entenda de medicina, do Ministério da Saúde. Como general, infelizmente, ele provou que não tinha absolutamente nenhum conhecimento logístico de planejamento estratégico na área de saúde.

Ele colocou todos nós nessa guerra civil contra o inimigo invisível e mortal, como o coronavírus, em campo aberto.

Em uma guerra, ninguém vai batalhar ou guerrear em campo aberto. Tem que ter toda uma estratégia. E foi pior: ele nos jogou a campo aberto sem armas, que são as vacinas.

Com isso, ajudou e contribuiu para que nós tivéssemos, como vamos chegar aí, estamos na porta de ver meio milhão de brasileiros inocentes perdendo prematuramente a sua vida.

Por isso que eu disse, em campo aberto e sem armas, que são as vacinas, com uma camisa, uma mira no peito.

Digo no pulmão porque o que se mata mais são as pneumonias, como consequência. Nesse aspecto, eu disse claramente para o general, ‘o senhor está deixando os seus soldados morrerem. Quando eu falo com ele, eu também estou falando do governo federal.

O governo federal negou a pandemia no início. Num primeiro momento, é natural do ser humano, a gente não quer aceitar algo que realmente nos assusta, como nos assustou a pandemia.

"Quando você nega, não age. E, não agindo, se omite. Neste caso, a omissão é culposa e tem elementos de negligência"



Mas, logo em seguida, era importante ver que não era uma ‘gripezinha’, que o negacionismo iria levar à omissão, o que aconteceu. Quando você nega, não age. E, não agindo, se omite.

Neste caso, a omissão é culposa e tem elementos de negligência, imprudência, e indícios que não sabia planejar. 

A pergunta que se faz é se junto, na responsabilidade, em alguns estados também houve a responsabilidade de governadores, de prefeitos, secretários municipais e secretários estaduais. Isso a CPI vai dizer.

Mas, o problema não foi falta de dinheiro: o problema maior foi falta de coordenação de se tentar, como se tentou, atrapalhar a todo momento aqueles bons gestores que, desesperados, resolviam fazer alguma coisa.

Como o Consórcio do Nordeste, o consórcio de governadores ia em busca de vacinas e se via a gestão política tentando impedir a aprovação, como ainda não foi aprovado na Anvisa a Sputnik.

A todo momento, vamos usar um remédio e confundir a toda população de que poderia substituir as vacinas. Aí se via uma má vontade em relação às vacinas, que a própria Covax Facility estava oferecendo.

Então ficou muito claro, ali, acho que foi um verdadeiro xeque-mate. Talvez os dois depoimentos mais contundentes, de não se precisar nem mais de provas nas vacinas, tenham sido de dois técnicos, que não têm interesse partidário nenhum: um da Pfizer e outro do Butantan, e disseram claramente ‘foram ofertadas, não tivemos respostas’, ‘foram ofertadas, foi negado’.

O que isso representou eles deixaram claro, como falou o diretor do Butantan: poderíamos ser o primeiro país a começar a vacinar e teríamos com certeza, até junho deste ano, 100 milhões de doses da vacina apenas do Butantan.

O fato de eles terem demorado tanto para assinar fez com que o Butantan agora atrasasse as vacinas, porque os insumos que deveriam ter contratado para se fazer o imunizante foram contratados por outros países.

Quem pode fornecer os insumos, como Índia e China, está atendendo primeiro outros países, pois os contratos foram assinados primeiro.

O próprio Butantan seria prejudicado no atraso do cronograma de vacinas para o Brasil, pois, simplesmente, o governo federal retardou a decisão de aceitar e contratar a compra de vacinas.

Como a senhora avalia que se deve ser a responsabilização?

Essa é uma questão importante de se entender como é a CPI. A comissão só vai investigar. O relatório que vai ser contundente e deixar elementos de provas, de indícios sérios e comprovados em alguns casos, de que houve responsabilidade de A, B ou C.

Feito isso e aprovado o relatório apontando quais os erros e de quem a responsabilidade, o bastão vai para o Ministério Público e para a esfera jurídica, se forem abertos processos criminal e civil.

Então, não só (responsabilização) financeira, mas edificando os crimes de acordo com o Código Penal. Aí estamos falando de qualquer autoridade que tenha de alguma forma responsabilidade: governo federal, estaduais ou municipais.

O outro resultado da CPI é político. Aí, sim, entra o Congresso Nacional. Não vejo, hoje, nenhuma movimentação ou possibilidade de impeachment neste momento porque não seria um processo jurídico, mas político, no Congresso Nacional.

A CPI, neste aspecto político, já está surtindo um efeito negativo no governo federal mostrado recentemente pelas pesquisas.

O que a pandemia não fez de estrago na popularidade do presidente da República neste um ano, hoje aliado ao número de mortes absurdas, a CPI fez.

A CPI colocou luz em fatos que, de alguma forma, estavam embaralhados e escondidos. Era um quebra-cabeça que estava sob a mesa e ninguém sabia qual era a figura que seria formada e não conseguia montar essas peças.

A CPI está montando o quebra-cabeça e vai mostrar à sociedade brasileira uma imagem muito clara. É uma imagem de que o Brasil está no epicentro da pandemia. O Brasil foi o país que mais errou na condução desta pandemia e que, proporcionalmente, está mais matando filhos teus. 

Nesse quebra-cabeça, duas coisas estão muito claras: houve atraso na vacinação por culpa e responsabilidade do governo federal e, portanto, envolvendo o negacionismo, má vontade.

E, segundo, um negacionismo que tentou a todo custo vender uma imagem de que havia, fora a vacina, um remédio que pudesse curar, e prevenir, que é a cloroquina  A gente sabe que isso aí é exercer ilegalmente a medicina.

Tem algumas coisas que estão muito claras e que não tem o que se faça mais para mudar essa realidade. Então o que vai entrar como peça nesse quebra-cabeça, que imagem final a sociedade vai ter em relação a isso, aí é só mesmo com o resultado da CPI, e a gente tem pelo menos mais 60 dias.

O que pensa da convocação de prefeitos e governadores? 

Isso faz parte do jogo político. A gente tem que entender. Como também o Randolfe [vice-presidente da CPI] quis embaralhar essas cartas, convocando o presidente da República quando, claramente, sabemos que é inconstitucional.

Não há essa possibilidade, pela Constituição Federal, de convocar um presidente da República em uma CPI. Temos muito poder, mas não temos tudo, e somos submissos à Constituição.

Mas, da mesma forma que embaralham do lado de lá, também embaralham do lado de cá. Isso faz parte do jogo político  É sempre assim. 

Se fosse um processo jurídico, tão somente, seria uma atribuição do poder judiciário. Só acho que os governadores vão ganhar na Justiça o direito de não ir porque, pelo paralelismo, da mesma forma que o presidente não pode ser convocado, governadores e prefeitos também não podem.

O que não significa que nós não possamos investigar. Temos outras formas de investigar a má administração de dinheiro público, corrupção, se houve – ou o que houve. Má conduta, omissão das autoridades públicas através de documentos, oitivas e acariciação. Tudo vai ser feito.

Mesmo tendo a decisão favorável do Supremo, acho que os governadores, por meio do representante do consórcio, deveria se convidar e colocar à disposição de convidado – e não convocado.

Assim, prestar os esclarecimentos para mostrar que quem não deve não teme, o lado dos governadores, as dificuldades que estão passando e que dinheiro não é tudo. Eles receberam o dinheiro e a maioria utilizou de forma correta.

Mesmo assim, nenhum dinheiro no mundo coloca vacina no braço do brasileiro. Está faltando vacina hoje no mundo porque não fizemos o dever de casa.

Toda essa situação faria ou fará bem aos governadores que vão à CPI, não como convocados porque, como eu disse, a Constituição proíbe, mas pelo menos um ou dois se convidando para falar sobre o que foi esse um ano de pandemia nos estados e o que tiveram que passar, o que tiveram que fazer ou deixaram de fazer neste momento.

A falta de coordenação, as dificuldades encontradas no Ministério da Saúde. Eu vejo ali uma forma de os governadores se apresentarem, talvez até mesmo mostrar o lado cruel do dia a dia de quem enfrentou e enfrenta nos estados, os municípios, os hospitais, nos postos de saúde esse triste quadro de ver brasileiros morrendo sufocados porque não têm um aparelho para aliviar e colocar o oxigênio para fazer o papel do pulmão que está comprometido por conta da doença.

Acho que serão esses os próximos capítulos da CPI. Talvez o Supremo negue a convocação, o direito de convocar, algum governador se apresente para esclarecer fatos e muita luz pode ser trazida pela ótica dos governadores.

Eu digo até mais, digo que prefeitos também poderiam ter um representante, um secretário que representa os conselhos municipais de saúde, para estar na CPI. Acredito que isso possa ser possível. 

Senadores dizem que o depoimento de Pazuello foi recheado de mentiras e contradições. Pode ter sido estratégia para blindar Bolsonaro? Como evitar que ele repita essa estratégia na nova oitiva?

A reconvocação se faz necessária. Muitos me questionaram porque gastei 15 minutos sem perguntas. Sou advogada e vi nas primeiras perguntas que não conseguiria extrair nada.

Comecei dizendo isso: ‘Acabei de chegar a conclusão que o senhor veio munido de um habeas corpus não para ficar calado, mas para fazer tudo que queria, e do jeito que queria, até mentir na comissão’. Nada que eu perguntasse conseguiria trazer luz para ter esclarecimentos para o relatório.

Então, preferi afirmar, simplesmente, o que já era minha convicção. É importante que ele venha sem outro habeas corpus para ser questionado naquilo que foi contraditado por outras testemunhas.E, se ele não atender ou não ficarmos satisfeitos com as respostas, (que se faça) até mesmo uma acareação entre ele e as demais autoridades que desdizem o que ele disse.

A blindagem ao presidente da República está clara. Ele foi cumprir uma missão. O problema é que foi munido com um instrumento muito poderoso, que tirava de nós o poder de fazer o dever de casa, que é extrair a verdade.

Não estou dizendo que ele não deveria vir naquele momento, munido de HC. Como advogada, nem questiono o Supremo e acho que foi correto. 

Tanto foi correto que disse o seguinte: 'Naquilo que ele está respondendo processo’. Só que o Pazuello entendeu o habeas corpus como um atestado para fazer o que quiser e, inclusive, mentiu. O HC não dava poder para ninguém mentir. O poder é de ficar calado quando achar que o que disser vai incriminá-lo. Mas, ao mentir, nos garantiu o direito de reconvocá-lo. E, na reconvocação, ele não poderá mentir.

A médica Nise Yamaguchi, grande defensora da hidroxicloroquina, foi convocada para depor na CPI. O que esperar deste depoimento, tendo em vista que o diretor da Anvisa, Antonio Barra Torres, disse que, numa reunião com o governo federal, a pesquisadora defendeu alterar a bula da cloroquina?

Não espero que a doutora vá mudar seu posicionamento em relação à hidroxicloroquina. Acho só que ela vai ter que explicar o que significa esse tratamento precoce, em que condições, o que ela efetivamente estava querendo dizer com o uso dessa medicação.

Se ela acabar falando se isso é uma questão de se substituir a vacina ou não, se houve um mal entendido por parte do governo.

Não concordo com a cloroquina, mas ainda que concordasse, uma coisa não exclui a outra e o governo entendeu que o uso da cloroquina é um substituto da vacina.

Se não pensassem assim, por que demorou tanto para contratar ou por que não contratou as vacinas? Nós sabemos que no caso da CoronaVac foi uma questão político-partidária porque era China, São Paulo, e daria os meios para o governador João Doria sair como presidenciável.

Mas e as outras vacinas? Por que tratar a Pfizer como tratou a outra?  Ela vai ser questionada nessa linha.

A única coisa que eu acho que não podemos, e isso está me incomodando, é o reforço que acaba se fazendo por parte dos governistas em horário nobre da televisão, mais de cinco horas por dia, do uso do tal tratamento precoce, da cloroquina.

A CPI tem que tomar muito cuidado com esses depoimentos e com quem vai chamar para parar de tratar essa questão da hidroxicloroquina.

Eu diria até mais: quando o assunto for hidroxicloroquina, eles deveriam votar um requerimento para que a reunião fosse fechada, sem transmissão ao vivo,  porque muitas vezes só reforça nos argumentos daqueles que hoje se projetam no presidente da República de que estão no caminho certo e devem usar a cloroquina mesmo sabendo dos efeitos colaterais.

É hora de se colocar uma pedra nesse assunto. Temos que parar de falar, as pessoas precisam esquecer desse nome para ninguém ir atrás e, quando for à farmácia, não lembrar nem o nome mais para pedir essa medicação.

Isso é o único lado da CPI que não me agrada hoje, essa exposição excessiva de um remédio que deveria ser banido do mercado quando o assunto for, obviamente, o coronavírus. Sei que é um remédio muito bom para outras doenças.

No dia seguinte, médicos representando as entidades brasileiras de medicina, como o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia. A CPI quer um contraponto à cloroquina?

Isso é fundamental. Não só um contraponto, mas mostrar o quão nociva foi essa exposição da cloroquina, o que isso representou em fazer com que as pessoas não buscassem no tempo certo, e no jeito certo, o tratamento dos sintomas do vírus.

Uma sensação falsa de que usando a cloroquina eu poderia ir para o mercado de trabalho, andar na rua e cumprimentar as pessoas de forma protegida. Faz parte de uma estratégia do relator e da comissão para comprovar no relatório as consequências, e portanto, a responsabilidade de quem ficou vendendo propaganda enganosa do tratamento precoce. 

Isso também é algo que precisa ser esclarecido, que esses profissionais de infectologia têm que dizer. O tratamento precoce não significa que não tenha que se prevenir. A prevenção é necessária, isso não foi muito tratado. Se o coronavírus ataca a imunidade, mas você tem boa resposta imunológica e o organismo está bem, a tendência do vírus é, obviamente, fazer menos mal.

Uma coisa é você fazer o tratamento precoce. Outra coisa é você tomar vitaminas como a C, que o médico prescreve para você estar bem. O própolis, que vem do mel, o zinco, vitamina C, vitamina D, que é o sol.

Essa prevenção é diferente do tratamento precoce, que envolve remédios, e isso também não foi dito. Muita gente tem dito: ‘Eu estou me prevenindo, faço tratamento precoce porque tomo vitamina C’.

São coisas distintas, que também é importante mostrar para não dar força ao tratamento precoce, para as pessoas entenderem exatamente o que estamos condenando, o que estamos dizendo que não é certo fazer. Para não falarem que o presidente e o governo têm razão.

Tomo sol de vez em quando, pois sei que não posso ter vitamina D baixa no organismo. Quando a vitamina D está baixa, te deixa frágil para qualquer doença — que dirá para o coronavírus. É algo que dá para explorar bem com os infectologistas.

O depoimento da presidente da Fiocruz e do presidente do Instituto Gamaleya, da vacina Sputnik, podem agravar a situação do governo após as últimas confirmações de recusa de vacinas?

Eles vêm no mesmo sentido do Butantan e da Pfizer. Vão complementar as dificuldades que tiveram para convencer o governo, em um primeiro momento, de que existia uma vacina e precisavam contratar o mais rápido possível para combater a pandemia.

Pode agravar, sim. Foi um xeque-mate os dois (depoimentos de Murillo e Covas). Quem joga xadrez sabe: quando tem xeque-mate, não há saída. Eles vão coroar a confirmação de que o maior pecado do governo federal foi não ter acreditado e contratado em tempo hábil as vacinas para o povo brasileiro.

Portanto, qual é o saldo a mais de mortes que estamos tendo? Quantas pessoas inocentes estão morrendo por questão de um mês, 15 dias, que não foram vacinadas? Todas as mortes agora, por exemplo, de pessoas de 50 anos ou mais, no início de maio, poderiam estar sendo evitadas.

Pelo menos uma década de geração poderia estar imunizada, e não estão por negligência, omissão, má condução, falta de planejamento estratégico e negacionismo de um governo que até hoje não está aceitando que existe uma pandemia, uma doença sem controle no Brasil, e que a falta de direcionamento nacional faz toda a diferença.



receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)