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Estado de Minas

Temas do Enem são criticados por família Bolsonaro

Jair Bolsonaro e filhos reclamam dos assuntos abordados por apresentarem viés 'petista', mas especialistas saem em defesa do exame e apontam desconhecimento e desinformação


postado em 06/11/2018 06:00 / atualizado em 06/11/2018 14:00

Estudantes fazem o Enem na PUC Minas: especialistas destacam importância da contemporaneidade dos temas para reflexão dos estudantes(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Estudantes fazem o Enem na PUC Minas: especialistas destacam importância da contemporaneidade dos temas para reflexão dos estudantes (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)

Um dia depois das provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a família Bolsonaro criticou os temas abordados. O vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ) tuitou às 11h34: “Isso tem que mudar, para o bem do Brasil! O Enem continua petista”. Antes, às 9h46, o seu irmão, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, tuitou: “Aviso que não é requisito para ser ministro da Educação saber sobre dicionário dos travestis ou feminismo”. E 10 minutos depois acrescentou em novo tuíte: “Prezados estudantes, quando vocês forem ser entrevistados para um emprego ou estiverem abrindo um empreendimento aviso: sexualidade, feminismo, linguagem travesti, machismo e etc, terão pouca ou nenhuma importância. Portanto, estude também o que lhe deixará apto para a vida”.

Eduardo Bolsonaro se referia à questão 37 do caderno de Linguagens, que abordava o socioleto – uma variante da língua falada por um grupo social – empregado por travestis e homossexuais conhecido por pajubá, considerado elemento do patrimônio linguístico. Mais tarde, em entrevista ao vivo ao programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) voltou ao tema.

 “Uma questão de prova que entra na dialética, na linguagem secreta de travesti, não tem nada a ver, não mede conhecimento nenhum. A não ser obrigar para que no futuro a garotada se interesse mais por esse assunto. Temos que fazer com que o Enem cobre conhecimentos úteis”, disse o capitão reformado, que negou a intenção de acabar com o exame.

“Ninguém quer acabar com o Enem, mas tem que cobrar ali o que realmente tem a ver com  história e cultura do Brasil, não com uma questão específica LGBT. Parece que há supervalorização de quem nasceu assim”, afirmou.

Especialistas consideraram as críticas associadas a um comportamento emocional, sem conexão objetiva com a realidade e que revelam falta de conhecimento e compreensão em relação aos elementos linguísticos e à importância dos conteúdos e temas abordados. Por um lado, a “vinculação partidária ao PT” ao exame, mencionada pelo vereador Carlos Bolsonaro, não se justifica: o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela elaboração do Enem, é coordenado pela Educadora Maria Inês Fini, que voltou ao cargo no governo Temer, em 2016, a convite do então ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE). Ela participou da criação e implantação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), tendo atuado no Inep entre 1996 e 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

PERGUNTAS

Já as provas do Enem envolvem centenas de profissionais. As questões saem de um banco com cerca de 10 mil perguntas, elaboradas por professores de universidades públicas e privadas de todo o país. As questões passam por uma revisão do Inep, são pré-testadas, e o conteúdo se relaciona às disciplinas do ensino médio.

“O grupo de profissionais que elabora as questões é diverso, distinto e amplo. Elaborar o banco de questões é uma tarefa complexa. Não dá para imaginar que isto seja um grupo de pessoas partidárias. Até porque o governo federal não está sob a gestão do PT. É uma percepção ingênua da realidade dizer isso”, avalia Álvaro Chrispino, professor titular de ciências e políticas públicas do Cefet do Rio de Janeiro, que acompanha e estuda o Enem desde a sua implantação, tendo participado do projeto em 1997 para a aplicação da primeira grande prova, a Avaliação dos Concluentes do Ensino Médio, antes da realização do primeiro Enem, em 1998.

“A começar do tema da redação, que tratou da manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados da internet, passando pelo conteúdo em geral abordado, foi tudo muito pertinente”, avalia Chrispino, lembrando que a contemporaneidade das questões é uma característica fundamental. “O exame avalia se o candidato está antenado, se participa e acompanha as coisas que acontecem no mundo”, acrescenta.

O tema da redação do Enem, inclusive, foi escolhido há cerca de quatro meses pelos técnicos do Inep, segundo afirmou o ministro da Educação, Rossieli Soares, portanto, antes das eleições contaminadas por fake news e listas de WhatsApp, uma variante do emprego dos algoritmos utilizados para apresentar produtos aos usuários das redes sociais. “Todos os temas estão nos jornais, telejornais, nas redes sociais e em rodas de discussão. É sobre esse tipo de tema que vamos elaborar ou discutir”, acrescenta Chrispino.

Reflexão sobre manipulação

A doutora em literatura comparada e professora da PUC Minas da área de letras Vera Lopes da Silva considera o tema da redação atual e importante. “Um aluno mediano tem condições de desenvolvê-lo, principalmente nos tempos de eleição, em que apareceu no dia a dia: o usuário acessa qualquer material tecnológico, sem informação sobre a sua fonte, de onde veio. A própria experiência recente dá condições ao aluno de pensar e elaborar”, afirma . “O critério da contemporaneidade é muito importante, assim como é necessário que este aluno tenha compromisso com a sociedade em que se insere. Como cidadão do século 21, é preciso que ele reflita e se dê conta da manipulação a que está sujeito. Uma das experiências que vive é a manipulação do algoritmo”, assinala Vera Lopes da Silva.

Também os autores citados na prova foram considerados extremamente oportunos pela especialista. “Tivemos Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Ivan Ângelo e Torquato Neto, todos fazem parte inclusive dos livros didáticos”, lembra. Segundo ela, outros nomes muito importantes foram também utilizados na prova. “São escritores como Stela do Patrocínio, Angélica Freitas, Cuti e Natália Borges Polesso, que revigoram nossa literatura contemporânea, abordando temas envolvidos em noso mundo: loucura, racismo, feminismo, preconceitos sobre a homossexualidade, entre outros.

Além de uma prova diversa e rica em termos de gêneros textuais, os temas tratados foram também considerados essenciais: “Foram de conhecimento geral e também relacionados ao desenvolvimento da humanidade, um processo que nos tirou da barbárie: valores humanos, tortura, feminismo, além de plágio e o futebol, as diferenças sociais e o assédio”. Para a professora, a equipe do Enem de língua portugesa tem dominío do que seja educação e do conteúdo para se mensurar um aluno. “Mensura a qualidade de leitura de um aluno e a sua capacidade reflexiva. Os textos são de qualidade e é claro, são humanistas. Desconheço uma prova de seleção que produza textos que incentivem a violência, a morte, o preconceito, a tortura. Desconheço. Nunca vi um concurso em minha vida que estimule algo que vá conta os direitos humanos. Isto não tem a ver com partido político, mas com a dignidade humana e a capacidade da equipe de fazer algo que qualifique o candidato como ser humano e estudante”, diz.

O Inep foi procurado pela reportagem, mas não se manifestou sobre as declarações da família Bolsonaro.

 

 

 


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