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Estado de Minas TRAGÉDIA DE MARIANA

Bastidores: EM enfrenta isolamento para cobrir julgamento em Londres

Como outros brasileiros em viagem ao Reino Unido em tempos de coronavírus, repórter passa 14 dias confinado para garantir acesso ao julgamento, que começa nessa quarta-feira


21/07/2020 06:00 - atualizado 21/07/2020 15:41

Vista dos arredores do apartamento usado pela reportagem, submetida a 14 dias de isolamento, com a Saint Paul%u2019s Chappel ao fundo
Vista dos arredores do apartamento usado pela reportagem, submetida a 14 dias de isolamento, com a Saint Paul%u2019s Chappel ao fundo (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)

 
Londres e Manchester – Os sacrifícios de um forte isolamento, no qual não se pode ir nem mesmo até o passeio por 14 dias, sob risco de pagamento de multas de até 3.200 libras (quase R$ 22 mil), sem falar em processo criminal, parecem duros. Contudo, essa exigência, que foi imposta à reportagem do jornal Estado de Minas, se torna amena quando comparada ao sofrimento dos últimos cinco anos dos familiares de 19 mortos e 700 mil atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, operada pela Samarco.

Como todos os estrangeiros que vêm de países sem controle da COVID-19, como o Brasil, atravesso período de quarentena em Londres para cobrir o julgamento da ação internacional que processa a BHP Billiton nas cortes do Reino Unido, uma vez que a mineradora anglo-australiana é controladora da Samarco ao lado da Vale. O julgamento está marcado para começar amanhã (22), em Manchester, na região noroeste da Inglaterra.
 
Essa é a fase mais importante da ação até o momento. Será decidido, de uma vez por todas, se a corte do Reino Unido aceita os argumentos de que o caso ocorrido no Brasil tem jurisdição na Europa em decorrência da participação da empresa anglo-americana na Samarco e de que a Justiça brasileira ainda não garantiu, satisfatoriamente, indenizações, reparações e respostas a todas as pessoas atingidas. Os advogados da BHP Billiton afirmam que o processo na corte inglesa duplicaria as ações já existentes, que se arrastam por cinco anos na Justiça do Brasil.
 
A travessia para fazer a cobertura em tempos de coronavírus é longa. Ao ingressar na Inglaterra, no setor de imigração do aeroporto de Heathrow, as pessoas que vêm do Brasil são colocadas numa fila onde os questionários são os mais rígidos. Cada viajante precisa ter preenchido um formulário on-line, ainda no Brasil, no qual determina exatamente o endereço onde vai ficar isolado e o telefone de contato, bem como todas as informações sobre suas condições para se manter alimentado, hidratado e suprir todas as necessidades médicas sem ter de sair desse local de confinamento, que pode ser um apartamento ou hotel. A multa para as pessoas que não preencherem o formulário é de 100 libras e aqueles que não o fizeram, mesmo depois do pagamento podem ser impedidos de ingressar no Reino Unido.
 
Mas não é só isso. Muitos são checados no pente-fino feito pelo Departamento de Imigração. Foi o que ocorreu comigo. Todas as credenciais foram conferidas e também a existência do próprio julgamento, caso que ainda não é muito popular no Reino Unido. Os agentes levaram mais de 20 minutos conferindo a história do rompimento da barragem, se as empresas envolvidas têm realmente ligação com o Reino Unido, se existia um julgamento marcado para Manchester, e a veracidade dos meus vínculos com o EM, como a assinatura de reportagens recentes.
 
Tudo que estava dentro da mala foi removido, separado, atravessou o raio-X e depois ainda passou por exames químicos, com paletas que colheram amostras para detectar a presença de pólvora, drogas e outras substâncias de ingresso proibido e que poderiam fazer parte de algum plano de terrorismo ou até mesmo criminoso.

O repórter Mateus Parreiras: trabalho solitário para garantir acesso ao julgamento
O repórter Mateus Parreiras: trabalho solitário para garantir acesso ao julgamento (foto: Mateus Parreiras/EM/D.A Press)

 
Depois de deixar o aeroporto, a única coisa que a pessoa que se comprometeu com isolamento pode fazer para não ser multada é tomar o caminho para o local onde vai ficar. Nesse caminho, é obrigatória a utilização de máscaras ou de outro tipo de cobertura sobre o nariz e a boca. Caso mude de rumo, pode ser processada e multada.
 
No Reino Unido, que já passou pelos piores dias da pandemia da COVID-19, as pessoas transitam hoje sem máscaras, se exercitam pelas ruas e andam de bicicleta. O edifício onde a “redação” do EM foi montada em Londres para a cobertura tem vários apartamentos alugados numa área onde predominam empresas, escritórios e sedes de bancos, no Bairro Castle Baynard, à margem esquerda do Rio Tâmisa. Minha entrada usando máscara no prédio chamou a atenção de vizinhos. Viram logo se tratar de um estrangeiro, mantendo distância segura para se evitar eventuais contágios. Essa atenção especial me deu a sensação também de uma forma de vigilância, já que caso saia e seja denunciado, a pessoa posta em isolamento estará sujeita a todas as sanções previstas pela Lei de Imigração no Reino Unido.
 
O isolamento dura 14 dias. No caso meu caso, as conversas se resumem ao WhatsApp e outros aplicativos, lembrando que o fuso horário de verão em Londres é de quatro horas a mais do que no Brasil. Ou seja, quando o trabalho começa, às 7h, ainda são 3h no Brasil. E quando os estabelecimentos começam a fechar, por volta das 18h, ainda é meio-dia no Brasil. Esse descompasso certamente afeta não apenas o trabalho, mas também as relações interpessoais e a disponibilidade de contatos para matar um pouco da sua saudade.
 
Uma das grandes dificuldades encontradas é a obtenção de comida. Com o câmbio da libra em torno R$ 7, qualquer entrega que passa de três libras já começa a pesar no custo dos itens recebidos. A solução foi fazer pedidos de supermercados, e, depois de já ter algum estoque, marcar o recebimento em um esquema de agendamento prévio e que tem horários como 23h e meia-noite, a preços mais baixos, devido ao pequeno volume de entregas e à possibilidade das empresas de logística poderem se organizar melhor. Com isso, o pagamento, que seria de três a quatro libras, caiu para 1 ou 0,50 libra, reduzindo o custo do abastecimento nesses 14 dias.
 
Com água potável e comida, a organização da comunicação também foi essencial. Como a produção de reportagem é diária, uma internet impecável e um chip de telefone móvel local – também obtido por meio dos mercados que fazem entregas - são itens fundamentais. Sem eles, é praticamente impossível falar com as fontes que se encontram no Brasil, e também na Inglaterra. Afinal nem todos têm o hábito de atender chamadas pelas redes sociais, sobretudo no Brasil, devido à necessidade de utilização do seu pacote de dados.

Solidão


A solidão começou a se abater com mais força depois de sete dias de isolamento. A necessidade de fazer exercício virou uma constante, até para evitar comer o tempo inteiro levado pela ansiedade por estar confinado. Mesmo falar sozinho, ouvindo só a própria voz, tornou-se cansativo.
 
O trabalho ajuda a não pensar no isolamento e a TV ligada o dia todo dá uma sensação de movimento, quase como na redação de um jornal. Mas a necessidade de entrega, dentro dos prazos, de reportagens que são feitas com fontes em Belo Horizonte e outras cidades brasileiras estica a espera por retorno até perto da madrugada londrina, por causa do fuso horário.
 
Para um brasileiro acostumado ao calor do sol todo dia, os escassos raios que entram pela janela são essenciais. É nelas que me penduro para recebê-los e ainda passar o tempo entre uma chamada ou envio de mensagem e seu retorno. Algum alento vem do ato de assistir às crianças andando de bicicleta, aos jovens correndo para se exercitar e ao voo das gaivotas sobre o Rio Tâmisa.
 
Mas o incentivo para vencer as dificuldades do isolamento vem, sobretudo, do trabalho que é feito em Londres em prol de pessoas que tiveram suas vidas destruídas por 40 milhões de metros cúbicos de lama que desceram da Barragem do Fundão e contaminaram a Bacia Hidrográfica do Rio Doce, em novembro de 2015. A expectativa maior é em torno da decisão da Justiça estrangeira sobre o destino de milhares de brasileiros há cinco anos sem uma resposta.

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