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Traumas com enchentes constantes: o que dizem moradores da Avenida Tereza Cristina

Doze inundações só neste ano renovam traumas e reiniciam ciclo de perdas e tentativa de reconstrução de moradores do entorno da via, vítimas históricas de enchentes


postado em 08/02/2020 06:00 / atualizado em 08/02/2020 08:11

Rogério Ferreira perdeu oficina de autopeças de motos, além de um bar, e mostra marca deixada pela enchente(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Rogério Ferreira perdeu oficina de autopeças de motos, além de um bar, e mostra marca deixada pela enchente (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Os moradores da avenida Tereza Cristina, na divisa entre Contagem e Belo Horizonte, guardavam como cicatriz a virada do ano de 2008 para 2009, quando ocorreu uma inundação do Ribeirão Arrudas que tomou conta das casas e dos comércios. Em 2020, porém, a cada chuva, novas marcas se sobrepõem nas paredes e nas linhas da lama, mostrando a força e o nível da água. Os moradores contabilizam 12 transbordamentos sucessivos do leito do rio, em dias diferentes. O Estado de Minas esteve na região ontem, quando os moradores, mais uma vez, contavam os prejuízos deixados pela chuva do dia anterior. A avenida tem 12,28 quilômetros de extensão, sendo 10,52 quilômetros no primeiro trecho (que começa no Prado/Carlos Prates, R) e 1,75 quilômetro  no segundo (Região do Barreiro).

Em janeiro, quem mora por ali teve que enfrentar, por diversas vezes, volume d'água igual ou superior ao de 10 anos atrás, que até então era o ponto de referência no drama das famílias. No entanto se tornou rotina ver a água subir e encobrir eletrodomésticos, assistir ao investimento de anos descer pela enxurrada, e sempre com a sensação de que, antes de todo o barro ser tirado, pode vir uma tempestade pior. As primeiras chuvas de 2020, que surpreenderam mesmo aquela população acostumada às inundações do ribeirão, vieram no fim do dia 19 de janeiro, um domingo, e indicaram que seria um mês histórico, com volume acima da média para o período.

A história dos moradores é um eterno recomeçar. Em 2008/2009, Rogério Ferreira da Silva, de 42 anos, perdeu uma loja de autopeças. “O poder público fez bacias de contenção no Barreiro. Contagem prometeu mas não fez nenhuma bacia. Agora voltou esse temporal. Estamos na 12ª enchente. Pelo menos em cinco, o nível chegou a três metros de água acima da avenida”, diz o comerciante que está nesse ponto comercial desde 1998.

(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


Nas chuvas de 2020, a água chegou a 2,10 metros como pode se ver na linha desenhada pela lama na parede. A enxurrada destruiu a oficina de autopeças de motocicleta e o bar que Rogério mantinha. Ele recorda que se mudou para a Tereza Cristina por orientação de autoridades do governo federal, logo depois de ter enfrentado uma enchente na Avenida Tito Fulgêncio com Avenida David Sarnoff, na Região do Barreiro. No local, foram realizadas obras do PAC 1. “Eu tinha essa loja lá e vim para cá”.

Em 19 de janeiro, Higor Siqueira, de 40, proprietário de uma concessionária às margens da Tereza Cristina, assistiu aos carros se chocarem um contra o outro, como se fossem peças de lego. Ele mantém o vídeo com a imagem dos carros boiando como se fossem de brinquedo. O Arrudas transbordou de maneira inesperada e não houve tempo de retirar todos os veículos dos 28 que ficavam expostos lá. Higor calcula prejuízo de cerca de R$ 100 mil, mas o desconforto não é somente material. “O pior é a questão emocional. Estou com a sensação de estar desempregado e não sei se volto com os carros pra cá. É essa instabilidade. Esta semana já ocorreu (inundação) três vezes. Meu investimento é alto, trabalho com carros novos, correndo o risco de molhar tudo. Não sei o que faço mais. O imóvel é meu, mas estou decidindo se fecho, alugo e vou para outro lugar”, desabafa.

Várias vezes vítima das inundações, V.R. mostra a casa com o piso coberto de lama e as unhas com micoses (detalhe) de tanto lidar com água poluída(foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Várias vezes vítima das inundações, V.R. mostra a casa com o piso coberto de lama e as unhas com micoses (detalhe) de tanto lidar com água poluída (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)


A mãe de Higor mora nos fundos da concessionária e, por pouco, não foi atingida pela enchente. “No dia da chuva, ela estava dormindo. Fui eu quem a acordou. Subi em pneus e comecei a chamar: 'Mãe, mãe, o rio está transbordando e vai entrar na sua casa'. Ela disse 'aqui não entra água não'. Eu respondi: 'Vai entrar'. Terminei de falar, a água invadiu a casa, molhou cama, guarda-roupa e armário de cozinha, com mantimento. Ela perdeu tudo”, conta e acrescenta que a mãe teve que se mudar, temporariamente, para sua casa, no Bairro Betânia.

Medo, sensação de descaso, alerta permanente são alguns dos sentimentos de quem não pode se mudar. “Parece que a Tereza Cristina é um pedaço largado. Ninguém faz nada, não tem melhorias, não tem perspectivas. O meu dano é material, a água entrou no meu estabelecimento comercial. Mas e as pessoas que moram de frente? A água entrou na casa delas até o teto. Chego em casa tenho um café, um banho para tomar. As pessoas de frente não têm condição de fazer isso.”

A concessionária de Higor Siqueira foi invadida pela água, com prejuízos altos. ''Estou com a sensação de estar desempregado''
A concessionária de Higor Siqueira foi invadida pela água, com prejuízos altos. ''Estou com a sensação de estar desempregado''


É a realidade de V.R, de 43, que, quando chove, tem que sair às pressas para a casa de parentes, enquanto vê sua moradia tomada pela força das águas. As unhas dela estão encobertas por micoses adquiridas no contato com água poluída nas inúmeras vezes que teve que retirar a lama e o barro da residência. Na chuva de quinta-feira, não foi diferente. Ontem, todo o chão estava pintado de marrom, com rastros da enxurrada pelas paredes e móveis. Geladeira, colchão, sofás, camas. Tudo revirado. Resiliente, ela se preocupa com os filhos de 14 e 17 anos, que são apontados na escola como flagelados da Tereza Cristina. “Eles pedem para que a gente se mude. mas como?”, diz. As imagens dela enfrentando as enxurradas se tornou tão recorrente na imprensa, que a moradora pede para não aparecer mais uma vez.

Bruna Azevedo, de 33, mora na região desde que nasceu, e não tem forças para enfrentar os danos das enchentes. O rosto abatido é de quem ficou mais uma noite em claro. “Minha avó perdeu tudo o que ela tinha. Os móveis foram embora. Na segunda enchente este ano a cama que minha família trouxe se perdeu”. Bruna mora com a avó, dois filhos e o marido. E não consegue dormir. Quando tem previsão de chuva, passa as noites em vigília, com medo de que o rio transborde mais uma vez. “Minha avó tem sempre pesadelo. Acorda à noite dizendo: 'Olha a água. O rio está enchendo'”, conta. Outro problema que a família enfrenta é a poeira que se segue quando a lama seca. Bruna, o filho e a avó sofrem com asma e ficam em crises constantes. E ela não vê outra alternativa senão ficar. “É uma casa que é nossa. Tem escritura. Como vamos sair daqui? Estamos com a ideia de entrar com uma ação coletiva para ver se eles tiram a gente, tomam alguma medida. Não tem condição de permanecer do jeito que está.”

O empresário Hélio José dos Passos, de 65, mora há 40 anos na região e teve que aprender a conviver com a incapacidade da infraestrutura urbana de lidar com a natureza. “A gente vai se acostumando. Mas a minha revolta maior não é contra as inundações. É o que a prefeitura faz com a gente. O IPTU é um absurdo”, afirma. Ele pagou cerca de R$ 1,7 mil para a loja e a casa que ficam no mesmo lote. Mas não pretende se mudar. “Amo essa beirada aqui. Queria que fossem sensíveis a isso. Quem mora na Tereza Cristina deveria ter IPTU menor do que é. Já ajudaria”, afirma.


Prefeitura diz que faz manutenção constante


Bruna Azevedo diz não ter mais forças para enfrentar os danos materiais e emocionais. %u201CMinha avó tem sempre pesadelos%u201D
Bruna Azevedo diz não ter mais forças para enfrentar os danos materiais e emocionais. %u201CMinha avó tem sempre pesadelos%u201D

A Avenida Teresa Cristina não está em obras. No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), estão sendo realizados serviços de manutenção, como desobstrução de bocas de lobo em diversos pontos para garantir o bom funcionamento da rede de microdrenagem, além de limpeza da via. A assessoria informou ainda que, nos dias 3, 4, 5 e 6 de fevereiro, foram removidas pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), cerca de 408 toneladas de resíduos na limpeza da avenida. O trabalho exigiu a utilização de 270 mil litros de água na lavação da área afetada.

As famílias se queixam de não ter sido procuradas pela PBH. Mas a assessoria garante que equipes sociais da prefeitura realizaram cadastramento das famílias atingidas pelas chuvas e mapearam demandas de cada uma delas. No entorno da Avenida Tereza Cristina, foram cadastradas 147 pessoas e distribuídos kits de ajuda humanitária (79 colchões, 31 cestas básicas, 58 cobertores e 27 lençóis). Uma família de quatro pessoas precisou sair de sua residência e foi encaminhada para a pousada preparada pela prefeitura. Os moradores afetados podem pedir o perdão do IPTU. Também foi realizada campanha de vacinação na região.

A assessoria reforçou que a prefeitura realizou intervenções na Bacia do Arrudas para mitigar os impactos das chuvas na região da Avenida Tereza Cristina. Houve ações nas bacias de detenção da primeira etapa do Córrego Jatobá/Olaria, a bacia de detenção do Córrego Bonsucesso e as obras de recuperação do canal do Ribeirão Arrudas, no trecho que vai da Rua Rio de Janeiro até a Alameda Ezequiel Dias. No fim do ano passado, foram implantadas duas bacias no Córrego Túnel/Camarões na Região do Barreiro, que também faz parte da Bacia do Arrudas, retendo volumes significativos de água.

Será iniciada, ainda este ano, pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), a obra de implantação da bacia de detenção do Bairro das Indústrias, que, segundo a prefeitura, contribuirá para mitigar os impactos na região da Avenida Tereza Cristina. “É importante ressaltar que para reduzir o risco das inundações no local também é necessária a conclusão das intervenções no Córrego Ferrugem, em Contagem, iniciadas pelo governo do estado, em que estava prevista a construção de três bacias de detenção”, destacou a assessoria em nota.


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