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Estado de Minas NOSSA HISTÓRIA

Conheça a polêmica da matriz de Ferros

Após decidirem derrubada de matriz barroca e construção de uma nova, católicos de Ferros abrem debate internacional sobre nudez em painel, só encerrado com decisão do Vaticano


postado em 24/08/2013 06:00 / atualizado em 24/08/2013 07:50

Painel da artista plástica Yara Tupinambá mostra história da religião, com a nudez de Adão e Eva(foto: Arquivo/Paroquia de Ferros/Divulgacao)
Painel da artista plástica Yara Tupinambá mostra história da religião, com a nudez de Adão e Eva (foto: Arquivo/Paroquia de Ferros/Divulgacao)
A aconchegante cidade de Ferros, incrustada na Serra do Espinhaço e cortada pelo Rio Santo Antônio, na Região Central de Minas, reza sim pelo frei franciscano, mas tem Sant’Ana como sua padroeira. Com parte do dinheiro oriundo da mineiração de ouro e diamantes, os fiéis ergueram no século 18 uma matriz barroca em homenagem a ela.


A igreja serviu bem aos fiéis até 1959, quando o padre José Casimiro da Silva assumiu o cargo de vigário da paróquia. Raymundo Nery Pinto Ferreira, o sr. Mundinho, lúcido aos 102 anos, atuou como tesoureiro da Igreja do Rosário de 1935 a 1952 e acompanhou de perto a construção da nova igreja. Ele lembra que, ao assumir, o vigário ficou alarmado com o estado de conservação da edificação. “Ele logo constatou que seria preciso uma reforma ampla e urgente. A estrutura, construída quase exclusivamente com madeira, estava bastante prejudicada pelo ataque de cupins. E também já estava sendo considerada pequena para os eventos religiosos. Então, o padre propôs a demolição a demolição da igreja e construção de uma mais moderna, de linhas avançadas e maior.”

A proposta foi encaminhada de imediato a dom Oscar de Oliveira, arcebispo de Mariana, à qual a paróquia de Sant'Ana pertencia à época. O prelado sugeriu ao vigário que consultasse os paroquianos por meio de um plebiscito. Durante alguns meses, a população foi informada pela rádio, jornais e nas celebrações religiosas.

Em 1961, o plebiscito foi realizado. Venceram aqueles a favor da construção da nova igreja. Foram 3.550 votos a favor e 68 contra. O projeto do novo templo foi entregue ao arquiteto Mardônio dos Santos Guimarães, responsável pelo projeto da rodoviária de Belo Horizonte. A construção teve inicio em 1962.

Raymundo lembra que a boca de urna informal, nas conversas das praças e bares, indicavam uma vitória do sim, mas ainda assim estava no ar um clima de expectativa e especulação pelo resultado. “As pessoas não sentiram que estariam colocando no chão um patrimônio histórico. O que se tinha era uma sensação de avanço rumo à modernidade. Naquele tempo, as pessoas não tinham essa noção de preservação, como existe hoje. Se fosse hoje, com certeza, a igreja antiga não seria demolida. Apenas aquela minoria que votou contra demonstrou indignação. Eu mesmo fui a favor da construção da nova igreja pelo fato de a antiga estar em mau estado, além de ser pequena para acomodar a população da cidade”, explica.

MURAL A campanha foi feita fazendo uso das cores verde e vermelha. O voto verde seria pela construção da nova igreja. Do outro lado, os propugnadores do voto vermelho defendiam a preservação da antiga igreja barroca. Com a vitória do voto verde, surgiu um projeto arquitetônico que buscava alinhamento com as novidades da então modernidade da Igrejinha da Pampulha, em Belo Horizonte. Para tanto, a artista plástica Yara Tupinambá foi convidada a pintar um mural decorativo para o altar da nova igreja, o que deu origem a uma nova rodada de debates e burburinho com repercussão internacional na cidade.

Quando recebeu a encomenda do trabalho, Yara conta que refletiu bastante sobre o que poderia fazer. Optou por retratar a criação do mundo. “Fiz a história da religião católica. Começa com a criação do mundo e a separação de água e terra. Em seguida, a criação de Adão e Eva. Daí, vem o pecado do homem e sua expulsão da natureza. Na quarta cena, temos a anunciação, quando um anjo revela a Maria que ela conceberá o filho de Deus. A imagem seguinte é Jesus carregando a cruz. As duas últimas imagens retratam Pentecostes, com a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos de Jesus Cristo e, por fim, após sua morte, uma imagem de santos da igreja saindo de seus ombros. O fiel que conhece o Evangelho vai identificar tudo isso na imagem”, diz a artista.

BÊNÇÂO
A obra de arte demandou um ano de trabalho de Yara, que contou com a assistência dos alunos Silvia Gaia e Anadali Pita. O painel, batizado de A árvore da vida, trazia Adão nu e Eva seminua. Quando a obra foi instalada, a artista participou de uma missa solene e logo teve início a polêmica. “Roberto Drummond fez uma matéria onde comentou sobre o nu na pintura. O caso acabou virando uma polêmica, com repercussão nacional e internacional. Como tivemos opiniões diferenciadas na cidade, houve uma convocação dos bispos e, durante dois anos, vários deles vieram a Minas ver a obra. Como não conseguiram chegar a um consenso, o caso seguiu para o Vaticano, que analisou e considerou a pintura boa, em acordo com a igreja”, lembra.

Para ela, o nu faz parte da arte há anos e não é ofensivo. “O Vaticano tem a maior coleção de arte romana do mundo, onde há vários personagens nus. Mas o que as pessoas precisam entender é que o nu não é pornográfico. E Adão e Eva, assim como os índios, andavam nus. Mas esse caso repercutiu bastante. E depois ainda foi parar nas páginas do livro Hilda Furacão, no qual Roberto Drummond escreveu sobre as tias que entravam na igreja de costas para não ver o Adão nu”, recorda.

 

 

Artista revê obra e sugere restauração

Em fevereiro, artista plástica Yara Tupinambá esteve na matriz e pôde avaliar o estado de conservação de sua obra. “O painel está precisando de uma pequena manutenção. Nada dispendioso. Mas a parte de baixo foi um pouco danificada pela água usada na faxina, ao lavar o chão. Como a pintura está na altura da mesa de celebração, a água prejudicou apenas painéis em branco. Na parte de cima, por conta de um vazamento no teto, também é preciso um trabalho de restauração simples. Fora isso, o cuidado é passar, de tempos em tempos, um pano seco de leve para tirar a poeira”, aconselha a artista, que quando pintou as telas optou por cores planas e ângulo bidimensional.

A avaliação já faz parte de um plano para restaurar os pequenos danos causados pelo tempo. À época, ela enfatizou que o acervo do templo é muito precioso e precisa ser preservado. Lembrou ainda que os vitrais alemães, em vidros lisos e coloridos, criados por Mario Silésio, são peças raras, difíceis de serem encontradas.

Durante sua passagem, Yara limpou algumas peças do painel a fim de testar a viabilidade da restauração. E saiu satisfeita com o diagnóstico, certa de que a missão é possível. Ela chamou também a atenção sobre os desgastes da escultura da padroeira Sant’Ana. Yara sugeriu a instalação de uma plataforma na base da obra feita em metalon com pingos de solda derretida, em estilo surrealista e moldada por Wilde Lacerda, para evitar o acúmulo de poças de água no local. (HS)


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