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Como a moda está abrindo portas para mulheres da Penitenciária Estêvão Pinto

Desfile da grife Libertees, produzida dentro de unidade prisional de BH, é ponto alto de programa de reintegração de detentas, que participam também de oficinas


postado em 23/11/2019 06:00 / atualizado em 23/11/2019 08:49

Eleita Miss Prisional no ano passado, Ingrid Suellen, de 25 anos, abriu a fila das modelos. 'Eu me sinto livre na oficina de costura', diz(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Eleita Miss Prisional no ano passado, Ingrid Suellen, de 25 anos, abriu a fila das modelos. 'Eu me sinto livre na oficina de costura', diz (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)


Ainda que haja grades, algemas e muros, o passado que as condenou está muito longe de limitá-las. De cabeça erguida, elas olham para frente, fazem “carão” de modelo e dão passos firmes nos corredores, exibindo aquilo que acolheram como presente e libertação. Os agentes de rostos tampados e metralhadoras ao fundo lembram: estamos na Penitenciária Feminina Estevão Pinto, no Bairro Horto, Região Leste de Belo Horizonte. Mas, no lugar do uniforme vermelho largo e as mãos para trás, as mulheres, todas privadas de liberdade, desfilam as roupas da marca Libertees, costuradas por elas dentro da unidade prisional.

O desfile, que mudou ontem por algumas horas o ambiente da penitenciária, integrou a programação do MOOD, festival de moda de BH, promovido pela prefeitura e que segue até hoje. Tal e qual a supermodelo britânica Naomi Campbel, quem puxa a fila de modelos é Ingrid Suellen, de 25 anos. Eleita Miss Prisional no ano passado, ela exibe um vestido criado pelo estilista Fábio Costa, que assina a coleção, com estampa desenvolvida durante as aulas de arte na escola da prisão.

Antes de Ingrid entrar na passarela improvisada, a voz de Elza Soares canta “Libertação”. “Eu não vou sucumbir. Eu não vou sucumbir. Avisa na hora que tremer o chão. Amiga, é agora, segura a minha mão”, diz a letra da música. “Eu me sinto livre na oficina de costura. Fico muito orgulhosa quando faço uma peça bacana”, afirma Ingrid, que não sucumbiu à condenação que considera injusta. “A cadeia não muda ninguém. Quem faz o lugar somos nós”, diz, sorridente.

Fundada em 2017 pelas empresárias Marcella Mafra e Daniela Queiroga, a Libertees foi criada a partir da oficina de costura Liberte-se, que desenvolvem há seis com as mulheres em situação de cárcere. “Comecei com sacolas ecológicas e fui percebendo que as meninas ficavam muito mais estimuladas e felizes costurando roupas. Além da Libertees, costuramos roupas para mais cinco marcas. Quero ampliar, conseguir contratar cada vez mais mulheres”, diz Marcella.

Plateia


Não foi fácil conseguir um lugar para assitir ao desfile. Voltado para público restrito (autoridades públicas e poucos profissionais do mercado da moda), cada convidado precisou passar por um forte esquema de inspeção. Além do nome e da identidade enviados com antecedência, bolsas e celulares foram guardados num escaninho na portaria da unidade, após passarem por raio-X. Os visitantes também entraram numa máquina para scannear o corpo, garantindo que não estariam portando objeto ou material proibido.

Em vez do olhar de julgamento, as custodiadas receberam a admiração. No lugar do peso da pena, o reconhecimento pelo trabalho, com a plateia aplaudindo de pé e até por trás de grades – algumas detentas acompanharam o desfile por portões de ferro de outros galpões profissionalizantes situados na penitenciária.

Na plateia, uma presença ilustre: Daiany Cristina Bispo Cabral, de 31 anos, que conseguiu a liberdade e continua a trabalhar na Libertees, agora fora da penitenciária, no show-room da marca, no Bairro Prado, Região Oeste. “Não é fácil, mas tenho minha família e meu emprego. A Marcella não tem condição de contratar todo mundo, importante seria se outras empresas dessem oportunidade”, diz.


Poliana Fernanda Pacheco é a responsável pelo controle de qualidade das peças no ateliê do presídio(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
Poliana Fernanda Pacheco é a responsável pelo controle de qualidade das peças no ateliê do presídio (foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)

Muito mais do que um ofício


Mais de 70 mulheres passaram pela oficina, que atualmente conta com oito colaboradoras. Uma das mais antigas é Marlene Aparecida Pereira da Silva, de 30. Presa há seis anos e sete meses, ela já está há mais de dois na Liberte-se. O ateliê fica em uma salinha de um dos galpões da penitenciária e o ritmo é intenso, das 8h às 16h. Além de costurar para a marca própria, o ateliê atende a cinco confecções.

Marlene conta que só vai para o alojamento para descansar, acompanha o calendário da moda, com destaque para o Minas Trend Preview, que já recebeu por cinco vezes desfile da marca; e se sente outra mulher. “Não são os muros, não são as grades nem as algemas. A liberdade vem de dentro. Hoje, me sinto livre”, afirma Marlene, que se libertou até mesmo “da vergonha de ser gordinha”.

De blusa trespassada e calça saruel, bem à vontade nas peças da coleção outono inverno da Libertees, Poliana Fernanda Pacheco, de 37, diz que por suas mãos passam todas as peças da marca, para o controle de qualidade. O ofício permitiu que ela se transformasse: “É como se estivesse presa lá fora e aqui estou livre. Conheci a verdadeira Poliana. Não fico pela remissão da pena e pelo salário. É pelo oxigênio. Sinto que é meu oxigênio”.

Perdão da pena


A superintendente de humanização de atendimento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Louise França, explica que, a cada três dias trabalhados, as mulheres em privação de liberdade recebem um dia de perdão na pena. Na Estevão Pinto, das 330 custodiadas, 140 tem emprego. “Olhamos o perfil de cada uma. Tem desde pintura à costura”, afirma. Elas recebem pelo menos R$ 748 (¾ do salário mínimo), sendo que 25% fica com o Estado, 25% vai para a conta do processo judicial e a outra metade para a trabalhadora.


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