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Estado de Minas

No dia da ressurreição de Jesus, três brasileiros com o nome Dele contam como isso impactou suas vidas

No domingo de Páscoa, personagens que trazem o nome que está na origem do cristianismo contam como lidam com essa ligação e como ela influenciou - ou mesmo salvou - suas vidas


postado em 01/04/2018 06:00 / atualizado em 01/04/2018 09:38

O líder comunitário José do Nascimento de Jesus escapou da morte iminente ao fugir com a mulher do tsunami de lama que devastou o subdistrito de Bento Rodrigues, na tragédia de Mariana(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
O líder comunitário José do Nascimento de Jesus escapou da morte iminente ao fugir com a mulher do tsunami de lama que devastou o subdistrito de Bento Rodrigues, na tragédia de Mariana (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)


Os três nunca se viram, são de regiões diferentes, mas guardam pontos em comum: o nome Jesus, a fé no trabalho e o amor pela família. Na longa caminhada pela vida, asseguram, as dificuldades foram derrubadas com coragem, determinação, e, algumas vezes, grandes doses de bênçãos ou de sorte. O líder comunitário José do Nascimento de Jesus, de Mariana, escapou da morte certa ao fugir com a mulher, Maria Irene de Deus, da lama que devastou o subdistrito de Bento Rodrigues, há dois anos e cinco meses, após o rompimento da barragem da mineradora Samarco. Na correria, ajudou outras pessoas e diz que renasceu.

Já o pedreiro Valmir de Jesus Alves Cordeiro, natural do Norte de Minas e morador do Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, também agradece pela vida. Caiu de uma laje, quebrou costelas, perfurou o pulmão, mas ficou bom para continuar na labuta. O nome de batismo foi escolhido pela mãe, em sinal de graças, por ele ter sobrevivido aos primeiros dias “muito doentinho”. E o alfaiate Jésus Nogueira Trant, que chegou a BH há 53 anos vindo de Rio Espera, na Zona da Mata, é pura alegria ao se recordar de um prêmio da loteria que veio na hora H e lhe ajudou a comprar o ponto comercial no Centro da capital. “Sou guiado por Deus”, conta.

Neste domingo de Páscoa, quando os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus, os três mineiros contam um pouco das suas histórias, da resistência cotidiana, do entusiasmo em viver e de como se sentem na pele de xarás, no prenome ou sobrenome, do Filho de Deus, também chamado de Nazareno, Messias, Leão da tribo de Judá, Rabi e Cordeiro de Deus.

O homem que nasceu três vezes

Sagrada família: o casal Maria de Deus e José de Jesus compartilha a fé e graças recebidas(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Sagrada família: o casal Maria de Deus e José de Jesus compartilha a fé e graças recebidas (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)


Mariana – Desde que veio ao mundo, em 3 de novembro de 1946, o homem de semblante tranquilo, conhecido como Zezinho do Bento, conta que já nasceu três vezes. A primeira foi em Coroas, antigo nome de Coronel Xavier Chaves, na Região do Campo das Vertentes; a segunda, ao escapar da lama que destruiu o subdistrito de Bento Rodrigues, em Mariana; e a mais recente, há 40 dias, quando passou mal perto da policlínica da cidade onde mora, foi socorrido a tempo e depois recebeu um marca-passo na capital. “Não é à toa que me chamo José do Nascimento de Jesus. Aqui em casa é a própria sagrada família, com a proteção divina”, conta o marido de Maria Irene de Deus. A união de 52 anos gerou quatro filhos, sete netos, quatro bisnetos e muitas histórias.

Impossível não começar a conversa por Bento Rodrigues, onde o casal morou durante 33 anos – “a idade de Cristo”, como oportunamente lembra Zezinho, ao lado de Maria Irene, no apartamento que hoje ocupam no Bairro Dom Oscar, em Mariana. Na tarde fatídica de 5 de novembro de 2015, quando a lama vazada da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, provocou o maior desastre socioambiental da história do país, com 19 mortes e a destruição da Bacia do Rio Doce, o casal estava no aconchego do lar. “Foi o ouvido dele que nos salvou”, segreda a mulher, explicando que Zezinho escutou de longe, como se diz mineiramente, o avanço da lama de minério. “Se demorasse muito a sair, poderíamos ter morrido. Aquela lama veio lambendo tudo. Naquela hora, só pensava coisa ruim”, recorda-se o ex-operador de máquinas, de 72 anos, agora mais interessado em tocar violão para acompanhar um coral e vender biscoito polvilho.

Homem de fé, o líder comunitário Zezinho está certo de que Deus lhe deu muita força para escapar com vida e ainda ajudar a salvar muitas pessoas de Bento Rodrigues. “Ele está sempre na frente. Além de ser xará de Jesus, somos pai e filho, pois também sou José”, ressalta, ao receber o abraço carinhoso de Maria Irene de Deus e segurar uma foto de Jesus e Maria. Em seguida, o casal convida os repórteres para conhecer o quarto, onde há imagens dos santos de proteção: São Bento, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora das Graças, um quadrinho de São Jorge e um crucifixo em metal presenteado pela filha. “Não podemos esquecer jamais que a fé move montanhas”, diz Zezinho.

ESPERANÇA Sempre demonstrando confiança, Zezinho não gosta de ficar remoendo o passado, batendo sobre a tecla da tragédia que ganhou repercussão internacional e deixou um passivo ambiental sem precedentes no Brasil. Agora, é esperar pelo novo Bento Rodrigues, que será construído em outra área. “Tudo meu tem que ter Jesus. Se não tiver Jesus, nada feito”, avisa o aposentado, com a esperança de que o projeto realmente seja concluído no prazo estipulado.

Ainda diante do altar particular, ele conta que, mais jovem, estranhava um pouco o nome, mas o tempo se encarregou de mostrar que era fruto da religiosidade do interior. “Em Ritápolis (Região do Campo das Vertentes), minha terra, era assim também. Todo mundo tinha nome de santo”, conta Maria Irene. Enquanto não mudam de casa, José de Jesus e Maria de Deus vão levando a vida com leveza, no apartamento alugado pela mineradora. “Sempre peço a Deus por todos nós. Que abençoe toda a família, amigos e inimigos. Sem Ele, não somos nada”, decreta Zezinho.

(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
(foto: Marcos Vieira/EM/DA Press)
UM HOMEM...

Forte e suave

“Fui batizado Gustavo de Jesus Werneck, mas adotei como nome profissional Gustavo Werneck. Confesso que o “de Jesus”, herança do meu avô materno (José Lopes de Jesus), me incomodava um pouco durante a juventude; achava que infantilizava, que o conjunto não soava bem. Muitos anos depois, na maturidade, é que me senti em paz e por completo. Hoje acho uma honra, tenho o maior orgulho: é forte e suave. Por sugestão do meu editor, Roney Garcia, assino, pela primeira vez na carreira, matéria com o nome de batismo. E aproveito para citar uma frase da minha cunhada, Roberta Herolt, certa de que quem traz Jesus no nome tem sempre uma história para contar.” (Gustavo de Jesus Werneck/Repórter)

(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press)
… E UMA MULHER

Sagrada inspiração

“‘– Tereza, para de chorar. Você não foi achada na enxurrada. Seu irmão só está te irritando.’ Foi assim que começou meu primeiro contato com Terezinha do Menino Jesus, meu nome de nascimento, que, até os 6 anos, eu achava ser Tetê, como todos me chamavam, ou Tereza, como só mamãe dizia. Com sua delicadeza, mamãe me pegou no colo e explicou porque eu era Terezinha do Menino Jesus. Falou da formosura da santa, das rosas da freira e, por fim, da promessa feita ainda comigo no ventre. E, claro, de como era ‘bonito’ e ‘importante’ eu ter o nome de Jesus carimbado no meu. Mas, por influência de alguns editores no meu primeiro emprego (que Deus os tenha!), fui convencida a adotar o Monteiro, sobrenome da família materna. Hoje, o Menino Jesus não desgruda de mim. É uma honra levar o nome de uma pessoa que sempre nos inspirou a fazer aquilo que me move: olhar o próximo como olharia a você mesmo.” (Tetê Monteiro/Subeditora de Cultura) 

"A mão de Deus me salvou"

Valmir de Jesus Cordeiro se sente abençoado e considera ter renascido depois de acidente de trabalho(foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press )
Valmir de Jesus Cordeiro se sente abençoado e considera ter renascido depois de acidente de trabalho (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press )


Na Praça do Cardoso, no alto do Aglomerado da Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o pedreiro Valmir de Jesus Alves Cordeiro, de 57 anos, admira a cidade e diz que não pretende mais voltar para o interior. “Sou de São João da Ponte, na Norte de Minas, mas moro aqui há 33 anos. Lá é muito quente. Se tiver que mudar, prefiro uma cidade menor, mais perto de BH”, diz o morador da Vila de Fátima, casado, pai de cinco filhas e avô duas vezes. Lembrando que tem Jesus e Cordeiro no nome de batismo, Valmir conta que a mãe fez um agradecimento pela saúde do recém-nascido, gêmeo de Valdiva, que viera ao mundo “muito doentinho”, com sério risco de não resistir.

“Escapei, fiquei bom, sadio. A promessa de minha mãe era me levar a Bom Jesus da Lapa, na Bahia. Quando viajamos, era bem pequenininho, tinha mais ou menos 5 anos, nem me lembro direito”, conta o pedreiro. Hoje, sempre que pode, acompanhado da família, Valmir assiste à missa na Capela Nossa Senhora de Fátima, da Paróquia Bem Aventurada Dulce dos Pobres, perto de casa. No dia de Natal, às 8h, lá estava ele, com a filha Graziele, durante a celebração presidida pelo arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira de Azevedo e concelebrada pelo titular da paróquia, padre Wagner Calegario de Souza.

Com a voz tranquila, Valmir se mostra um homem de fé e de múltiplas atividades. Ao se declarar pedreiro, inclui na lista os ofícios de carpinteiro, “a profissão de São José”, de armador e eletricista, entre outras. Na verdade, pau pra toda obra. “Não tenho nada para reclamar da vida, sou feliz por ter formado uma família e poder cuidar dela”, revela, lembrando que se gente orgulhoso e merecedor de ter o nome do filho de Deus. “As pessoas estranhava um pouco eu ter o nome de Jesus, mas eu, jamais!” Só para lembrar, a palavra Jesus vem do hebraico e significa “O Enviado”. Cristo, por sua vez, é “Ungido de Deus”.

MILAGRE Se teve problemas logo ao nascer, Valmir se sente abençoado por ter “renascido” ao cair, há oito anos, de uma laje de 2,80 metros. Não era tão alto, observa, mas a queda deixou como consequências duas costelas quebradas de um lado e mais uma de outro. Para piorar o quadro, o pulmão foi perfurado. “Quase fui... A mão de Deus me salvou. Um milagre ter sobrevivido.”

Depois de alguns dias internado – “cinco nos primeiros dias e três depois”, Valmir passou por dois meses de recuperação. Para quem trabalha como autônomo, não foi muito fácil, mas ele volta a agradecer a Deus, “que está presente o tempo todo”, por ter ficado bom e voltado a desempenhar suas atividades.

Na manhã ensolarada do último domingo, de céu muito azul depois de longo período de chuva, Valmir olhou para o alto e disse que, se fosse fazer um pedido a Jesus, pelo Brasil, não teria dúvidas: seria pelo fim da corrupção e por políticos mais honestos. Como quem conhecer de cor e salteado os passos da estrada da vida, revela que, para sua família, pediria saúde e força para continuar trabalho. “O mundo está mundo difícil. É como se diz: só Jesus na causa!”

"Nunca tive cruzes no meu caminho"

O alfaiate Jésus Nogueira é grato pelo que conseguiu:
O alfaiate Jésus Nogueira é grato pelo que conseguiu: "O que Deus dá, temos de agradecer com trabalho e fé" (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


Um quadro de Nossa Senhora da Piedade, daqueles com moldura ovalada, pendurado bem no alto, “abençoa” a sala do alfaiate Jésus Nogueira Trant, na Rua Rio de Janeiro, perto da Praça Sete, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. “Estou neste ponto há 53 anos. Antes, quando era jovem, fiquei oito anos na Rua Espírito Santo”, conta o homem, natural de Rio Espera, na Zona da Mata, que não encontra muita explicação para o nome de batismo escolhido pelo pai. “Somos de uma família católica, pode ser isso... Não sou praticante, mas creio em Deus. Tenho fé.”

O acento na primeira sílaba não incomoda Jésus, de 76, o mais velho de oito irmãos, casado e pai “do coração” de Priscila, de 30, e Érica, de 34. “Tem gente que me chama de Jesus.” Sem esquentar muito a cabeça, vê uma possibilidade para a acentuação: sinal de respeito, para diferenciar do Messias. Os olhos curiosos vão descobrir, nas paredes, um oratório do Sagrado Coração de Jesus, uma foto de Rio Espera, outro da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, na terra natal, e um quadro de um campo de futebol, uma das grandes paixões do alfaiate especializado no conserto de roupas. Devido a um problema no joelho, o ponta de lança parou de jogar bola, mas não fica longe dos gramados, comandando um time no Alto dos Pinheiros. “Fui artilheiro de várzea”, orgulha-se.

O quadro de Nossa Senhora da Piedade volta a ser alvo das atenções do alfaiate. “Esta é uma imagem atribuída a Aleijadinho. Está na matriz de Rio Espera. Eu mesmo fotografei e mandei imprimir em São Paulo”, conta ele, que parece ter na alegria o motor constante do dia a dia. “Gosto muito da vida. O que Deus nos dá, devemos agradecer com trabalho e fé”, confessa. “Nunca tive cruzes no meu caminho, apenas dificuldades que tirei de letra”.

LOTERIA Se conseguiu superar as dificuldades, Jésus contou também com uma ajudinha – da sorte ou do céu, quem sabe – em um momento crucial. Logo depois de sair do primeiro emprego, aos 23 anos, ele tomou a decisão de comprar o ponto na rua Rio de Janeiro. Estava animado, mas tinha apenas parte do dinheiro necessário, “500 mil” (cruzeiros novos, na época) para sacramentar o negócio. Foi então que apareceu um menino vendendo bilhete de loteria e seu tio Raimundo, a quem Jésus considera um segundo pai, comprou o bilhete da Federal para lhe dar presente. “Antes, meu tio falou para o menino que eu estava precisando muito.”

Por essas surpresas que o destino reserva, Jésus ganhou 250 mil (cruzeiros novos) no quinto prêmio. “Era o que precisava, juntando com o tinha economizado, para pagar a dona da sala. Peguei o ponto em 12 de novembro de 1965”, afirma o alfaiate, em meio às costuras que tomam conta do ambiente. Sempre com o semblante tranquilo, Jésus confessa que sempre se sentiu “guiado e iluminado por Deus”.

Diante da máquina de costura, na qual trabalha de segunda a sábado, Jésus recorda a infância em Rio Espera. A família era muito pobre, oito filhos, e o pai, José Antônio, com reumatismo, batalhando duro para cuidar de todos. Sem perder tempo, o menino aprendeu o ofício de alfaiate. Aos 16, decidiu passear na capital e acabou resolvendo ficar, conseguindo trabalho por meio de um pequeno anúncio do Estado de Minas. Hoje, na maturidade, ele se mostra feliz com o que semeou e não tem dúvidas de que a boa colheita só vem com muito trabalho. E, claro, com as bênçãos do Pai e do Filho.


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