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Estado de Minas

Estudantes mineiros têm prova diária pelo direito de estudar

Não importa a região, nem o nível de ensino: a cada madrugada, tarde ou noite, uma legião de estudantes enfrenta os riscos e a poeira das estradas mineiras, em veículos nem sempre conservados ou legalizados, para uma corrida de obstáculos em busca de uma vida melhor


postado em 03/11/2013 00:12 / atualizado em 03/11/2013 07:15

(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)
(foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press)


Quando o galo canta, às cinco da manhã, é hora de Paulo César Santos Maia, de 17 anos, pular da cama. A mãe dele já está de pé desde as 4h30, para preparar o café da manhã. O céu ainda está estrelado no Arraial de São José da Serra, em Jaboticatubas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, quando o estudante entra no ônibus escolar para viajar 25 quilômetros em estrada de terra até chegar à cidade, onde cursa o terceiro ano do ensino médio. No mesmo ônibus segue Júlia, de 8, que enfrenta dificuldade ainda maior. A garota sai de casa, na zona rural, às 4h, levada pela mãe, que usa lanterna para iluminar o caminho de um quilômetro, pelo qual até de carro é difícil passar. Assim como os dois, muitos mineiros enfrentam uma verdadeira via-sacra para estudar e tentar um futuro melhor. Uma batalha que não tem idade nem endereço, como constata Kariny Santiago Costa Assis, de 33, moradora de Pitangui, no Centro-Oeste do estado. Depois de trabalhar o dia inteiro e cuidar dos dois filhos pequenos, ela percorre 50 quilômetros em ônibus fretado para estudar direito em Divinópolis.


Paulo, Júlia e Kariny fazem parte de uma quilométrica lista de chamada cujos integrantes cruzam estradas diariamente, expostos a todo tipo de risco. Pior: segundo o Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), milhares desses alunos correm ainda mais perigo viajando em ônibus e vans clandestinos. Mesmo aqueles que usam o serviço legalizado arcam com um custo pesado, que pode beirar os R$ 500 por mês só em transporte. Aline Sorice, de 28, conhece bem essa conta. Moradora de Sete Lagoas, na Região Central, ela cursa biblioteconomia na PUC Minas Coração Eucarístico, na Região Noroeste da capital. A universitária embarca na van às 5h30 para chegar às 7h a BH. “É tudo muito cansativo. Quando chega o fim de semana, estou arrasada”, conta. Não é só a rotina que pesa, mas também a despesa: além de pagar a faculdade, ela desembolsa R$ 460 por mês apenas com deslocamento.

Mesmo para os que não têm gasto semelhante, estudar é uma prova a ser superada diariamente, como constatam os adolescentes e crianças que começam a se reunir antes das 5h30 diante da Capela de São José, no Arraial de São José da Serra, para embarcar no escolar. É lá que Paulo César Maia reencontra os primos Juvenal e Bruna, de 15, e Franciele, de 12. Às 5h45, eles reconhecem de longe o ronco do motor que se aproxima. Serão mais de 50 minutos de viagem até a escola em Jaboticatubas.

O veículo de 42 lugares é confortável, tem bancos acolchoados, mas ninguém usa cinto de segurança, nem o motorista. Na estrada de terra estreita um veículo passa pelo outro com dificuldade e os despenhadeiros às margens assustam quem não está acostumado ao trajeto. O motorista Geraldo Xavier, de 52, corre contra o tempo para ninguém chegar atrasado à aula. Profissional do volante há 31 anos, 15 deles levando alunos de São José da Serra para Jaboticatubas, ele diz conhecer a estrada como a palma da mão, embora não dispense três imagens de Nossa Senhora Aparecida e um terço no retrovisor.

LAMA E RIBANCEIRAS Mesmo com a experiência do motorista e a ajuda da providência divina, quando chove a mãe de Paulo diz ficar com o coração apertado, preocupada com o filho. “É muita lama e a estrada é cheia de ribanceiras”, conta a comerciante Maria Cristina Santos Maia, de 55, que tem outro filho que cresceu fazendo o mesmo trajeto e hoje cursa veterinária em Betim, Grande BH. “O Paulo, esse vai fazer engenharia civil e com certeza vai embora daqui”, lamenta a mãe.
São 6h42 quando o motorista para em frente à escola de Paulo César, no Centro de Jaboticatubas, depois de desembarcar crianças menores em outra escola, na entrada da cidade. Ele ainda deixará alunos em uma terceira escola para só então ir para a garagem da prefeitura. É preciso descansar, pois às 11h começa tudo de novo. Hora de voltar para casa.

A tarde representa nova jornada para mais turmas. Em outra região do município, crianças e adolescentes também enfrentam um longo e empoeirado caminho até a escola. André de Oliveira Júnior, de 14, estuda à tarde e passa duas horas por dia dentro do ônibus. São 10 quilômetros de estrada, a metade de terra, o que o faz chegar todo cheio de poeira à sala de aula. O percurso é curto, mas o coletivo demora por ter de parar em diversas comunidades rurais. E, ao contrário do outro ônibus, esse não é tão conservado: os bancos são duros, pichados, há buracos na lateral interna e muito pó acumulado.

A sirene da Escola Municipal Geralda Isa Lima Rodrigues, onde André estuda, dispara pontualmente às 17h, anunciando o fim das aulas. Hora de os alunos voltarem para casa. Para aqueles que moram em comunidades rurais, hora de mais um sacrifício. O adolescente é o último a descer do ônibus, na localidade de Bamburral. Do ponto final do escolar até a casa do estudante ainda há alguns minutos de caminhada, feita em meio a uma mata, quando já está escurecendo. “Quando não tem horário de verão, chego em casa no escuro. É cansativo, mas é o único jeito que eu tenho de estudar. Quero ser engenheiro”, conta ele, orgulhoso das suas notas e disposto a qualquer sacrifício para realizar seu sonho.

A mãe de André se preocupa quando o ônibus não chega e a noite cai. “Tenho medo dele andando sozinho no escuro e vou buscá-lo lá na estrada”, diz a dona de casa Valdinéia Patrícia de Oliveira, de 35, que parou os estudos na quinta série e se sente orgulhosa da determinação do filho para ter um diploma de curso superior.

Sobre a situação dos coletivos que transportam estudantes no município, o secretário de Transportes de Jaboticatubas, Ivan Geraldo Soares, disse que o ônibus que atende a comunidade de São José da Serra é da prefeitura e o que vai para Bamburral, terceirizado. “O problema dos terceirizados é que eles trocam os veículos para substituir os que quebram. As estradas são muito precárias. Mas todos passam por fiscalização e manutenção, tudo conforme manda a lei”, afirmou.


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