O risco continua solto e disfarçado de diversão no meio da folia. Discretos rótulos em português, com informações que não dão a dimensão exata do perigo contido no tubo colorido, são a única diferença entre os lançadores de serpentinas metalizadas vendidos antes deste carnaval e os dispositivos que causaram a morte de 16 pessoas e feriram 55 no pré-carnaval de 2011 em Bandeira do Sul, no Sul de Minas. No meio da festa, em 27 de fevereiro, as tiras brilhantes foram lançadas para o alto e atingiram os cabos de energia da rede pública, provocando curto-circuito. A explosão partiu os fios, que chicotearam sobre um trio elétrico e sobre a multidão que o seguia. Sem uma lei que proíba os lançadores, a única atitude do poder público foi exigir que os importadores anexassem alerta para que os artefatos não sejam usados perto da rede elétrica ou de trios elétricos. Muito pouco, na avaliação de especialistas em eletricidade, do Corpo de Bombeiros e da própria Cemig.
No Centro de BH, o EM encontrou serpentinas metalizadas e lançadores desse tipo de enfeite em abundância, não apenas em casas especializadas, mas até em supermercados, ao alcance de todos. O material foi levando para análise de especialistas do Laboratório de Compatibilidade Eletromagnética da UFMG, que comprovou o perigo que os lançadores representam, sobretudo nas folias carnavalescas. Três tipos diferentes de artefatos foram testados e o conteúdo de todos se mostrou capaz de conduzir eletricidade, depois de submetidos a um medidor de resistência. “Os produtos conduzem eletricidade e podem causar curto-circuito na rede aérea se ficarem entrelaçados nos cabos de energia”, afirma categoricamente o coordenador do laboratório, professor Wallace do Couto Boaventura.
Foram percorridas 20 lojas de festas, fantasias, fogos de artifício e supermercados enfeitados com temas de carnaval. Em três casas especializadas em eventos festivos e em um dos mercados, os lançadores estavam expostos em prateleiras, ao alcance de qualquer um. Ao procurar pelos produtos, mesmo que o consumidor mostre não ter afinidade com eles, ao chamá-los de “serpentinas que brilham, douradas ou prateadas”, nenhuma recomendação de segurança é feita pelos vendedores. “Estas são mais bonitas que as serpentinas de papel antigas. O carnaval fica mais bonito”, comentou um dos atendentes de um estabelecimento no Mercado Novo.
Chamariz
Um dos lançadores traz três brinquedos de pelúcia dentro do cilindro, que são arremessados com as serpentinas condutoras de eletricidade. Um claro atrativo para crianças, apesar de o rótulo informar que o produto não é indicado para menores de 10 anos. Nenhuma embalagem faz menção à proibição do uso em trios elétricos. “A altura que esse material alcança o transforma em perigo real para a rede elétrica, que fica suspensa a cerca de sete metros. Cada poste da cidade conduz de 7,9 mil volts a 13,8 mil volts. Mais do que o suficiente para matar uma pessoa”, define Boaventura.
A própria Cemig reforça o perigo do dispositivo. Em teste feito em laboratório com as serpentinas e equipamento de tensão semelhante ao das ruas, o efeito ocorrido em Bandeira do Sul foi reproduzido. “Confirmamos que o material causa curto na rede. É um perigo real e pode ocorrer de novo, se as regras de segurança não forem observadas”, reforça o diretor de Relações Institucionais, Luiz Henrique Michalick.
Um dos responsáveis pela única medida que visou regular o uso das serpentinas metalizadas, o promotor de Justiça do Procon estadual Amauri Artimos da Matta afirma que medidas mais contundentes exigiriam uma lei específica. Em BH, um projeto até foi aprovado, mas recebeu veto do prefeito. Na Assembleia Legislativa, o tempo transcorrido desde a tragédia em Bandeira do Sul não foi suficiente para que o assunto fosse apreciado e ainda há propostas em discussão. “É preciso uma lei estadual mais severa que o Código do Consumidor, para que possamos agir e até banir o uso desse material perigoso no eventos abertos”, afirma.
Segundo o promotor, polícias e Corpo de Bombeiros participaram de reunião no início do mês para definir as estratégias de segurança no carnaval. “As corporações vão fiscalizar e evitar que essas serpentinas sejam usadas sobre os trios elétricos e próximo à rede elétrica”, afirma. Mas o professor da UFMG José Oswaldo Saldanha se preocupa com a presença do dispositivo e a fraca repressão ao seu uso. “Isso na mão de pessoas que não sabem utilizar e não conhecem a rede, ou de crianças e pessoas embriagadas brincando no carnaval, é uma mistura explosiva”, define.