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Estado de Minas ABALOS EM SETE LAGOAS

Força-tarefa liga tremores em Sete Lagoas à geologia e ocupação urbana

Favorecido pelo uso de poços tubulares, asfalto e concreto, desabamento do substrato cárstico é provável origem de sismos, apontam especialistas


03/06/2022 04:00 - atualizado 03/06/2022 06:30

Vista de Sete Lagoas: até 2015, cidade consumia água retirada do subterrâneo por meio de poços tubulares, secando a rede de túneis e cavernas
Vista de Sete Lagoas: até 2015, cidade consumia água retirada do subterrâneo por meio de poços tubulares, secando a rede de túneis e cavernas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Os desabamentos e abatimentos de quilômetros de camadas de subsolo “esponjoso” formado por cavernas, túneis e rios são a principal suspeita atualmente para os tremores em série que levaram medo a Sete Lagoas. Uma das causas é a utilização maciça de poços tubulares e a impermeabilização urbana. “Tudo se encaminha para que seja mesmo uma acomodação do leito cárstico (subsolo onde a erosão química da água na rocha criou túneis, fendas, cavernas e rios) da região. É o que ganha terreno entre muitos dos especialistas neste primeiro momento. Mas é preciso fazer o monitoramento e os estudos para ter certeza”, disse ao Estado de Minas o secretário municipal de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e Turismo de Sete Lagoas, Edmundo Diniz, que coordena uma força-tarefa criada nesta semana para estudar o fenômeno. O grupo conta, ainda, com representantes de outros órgãos municipais e especialistas do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (UnB) e do Centro de Sismologia da Universidade de São Paulo (USP).

Desde abril, o município da Região Central de Minas Gerais, a 72 quilômetros de Belo Horizonte, convive com tremores que já deixaram pelo menos cinco registros nos sismógrafos da UnB e da USP, sendo sentidos por pessoas em 50 bairros da cidade, além de municípios próximos, como Capim Branco, Paraopeba e Prudente de Morais. O mais intenso chegou a 3 graus na escala Richter de abalos sísmicos e terremotos, que vai até 10, sendo considerado pequeno, enquanto o menor não passou de 1,7, o que lhe confere a classificação de microtremor. Há relatos de residências com trincas e medo entre parte dos 243 mil habitantes.

“Há, sim, uma grande possibilidade de os tremores estarem relacionados ao substrato cárstico, com composição de rochas carbonáticas (muito suscetíveis à erosão pela água)”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), José Roberto Cassimiro, que é geólogo, com trabalhos na área de cavernas e geotecnia, e esteve em Sete Lagoas na semana passada.

A realidade geológica e a dinâmica de ocupação de Sete Lagoas reforçam a tese dos especialistas que indica o  desabamento do solo cárstico como causa ou fator de ampliação de tremores. Com 141 anos de fundação, Sete Lagoas retirava toda a água consumida do subterrâneo, secando essa rede de túneis e cavernas. O município chegou, hoje, a 243 mil habitantes, mas só em 2015, quando tinha 230 mil, depois que a cidade já tinha consolidado seu crescimento, é que passou a se abastecer com 60% de água do Rio das Velhas. Contudo, já nessa época, a expansão urbana de asfalto e concreto impermeabilizaram o solo, impedindo a recarga da água subterrânea pelas chuvas, e a verticalização impôs ainda mais peso e pressão às galerias esvaziadas.

“É como pensar em um pneu de carro. Se você tira o ar de dentro, diminui a pressão e o pneu fica murcho, não consegue sustentar o carro. A mesma coisa acontece quando você tira a água que preenche os vazios das cavernas: o teto não aguenta e pode começar a desabar. Isso gera tremores de baixa intensidade, mas pode ser prejudicial às construções que estão próximas ou mesmo acabar por desmoronar, gerando abatimentos na superfície que chamamos de dolinas”, compara o professor de química Luciano Faria, doutor em história da ciência e ex-diretor da SBE.

Além do abastecimento urbano, atividades industriais e agrícolas também consomem a água subterrânea e colaboram com a drenagem dos túneis e cavernas. Oficialmente, segundo o Serviço Geológico Brasileiro (CPTM), há 223 poços tubulares ativos em Sete Lagoas, mas não há estimativas de quantos poços não declarados ou irregulares atuam. O município conta, ainda, com 829 hectares (ha) irrigados, de acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), sendo que 274ha são de culturas anuais em pivôs centrais e 555ha de outras culturas e sistemas.

DIMENSÃO DOS ABALOS
 
O número exato de tremores neste ano, em Sete Lagoas, é um dado controverso, girando entre cinco e sete registrados pelas medições dos sismógrafos da rede da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade de São Paulo (USP), entre abril e junho, sendo as intensidades entre 1,7 e 3 pontos da escala de momento ou que ainda se referem à Escala Richter, que mede o poder do tremor e até hoje não chegou ao máximo de 10. Mas os relatos da população são diferentes, apontando para até cinco abalos em horários diferentes do mesmo dia, podendo se tratar de efeitos de um único evento ou realmente acontecimentos distintos, segundo os especialistas.

Um dos desabamentos ocorridos no subterrâneo do terreno cárstico, segundo o coordenador da força-tarefa, Edmundo Diniz, foi registrado pela UnB em 29 abril e atingiu 3 graus, o que é considerado um pequeno sismo, que é sentido com frequência, mas raramente causa danos. (Veja tabela.) “Foi registrado pelos sismógrafos da UnB esse desabamento. Mas não é em uma caverna próxima, mas a 14 quilômetros de profundidade”, afirma Diniz.

TENSÕES TECTÔNICAS
 
Outra possível causa dos tremores é a liberação de tensões tectônicas no subterrâneo. “Movimentos de crosta terrestre geram liberação de tensões. Essa energia se espalha em ondas sísmicas que abalam a superfície. A Serra de Santa Helena, em Sete lagoas, é parte da Serra do Espinhaço, uma área de tensão onde ocorreu um choque de blocos de crosta e que permitiu áreas frágeis onde essas tensões acabam sendo liberadas”, afirma Allaoua Saadi, professor titular do Instituto de Geociências da UFMG e que é corroborada como hipótese a ser verificada pelo professor Marcelo Peres Rocha, chefe do Observatório Sismológico da UnB. “Normalmente, esses tremores, no Brasil, são devido a alívios das tensões tectônicas em acúmulo e que chegam ao limite da ruptura das rochas”, descreve.

“Pouca gente sabe, mas Minas Gerais registra frequentemente uma série de abalos sísmicos – os terremotos – ao longo de diversas cidades”, afirma o professor Luciano Faria, que é também coordenador de programação do Museu das Minas e do Metal (MM Gerdau). “Vamos, inclusive, trazer mais conhecimento e responder a perguntas em uma live intitulada ‘Terremotos em Minas Gerais: onde e por quê?’, no dia 16, quinta-feira, às 19h, no YouTube do MM Gerdau, com o professor George Sand, pesquisador do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília. Ele vai comentar sobre os tremores de terra que frequentemente assustam os moradores, além de Sete Lagoas, também de dois dos mais importantes locais – Montes Claros e Caraíbas (Distrito de Itacarambi)”, convida.


EFEITOS CUMULATIVOS

Confira as situações que, em tese, são as causas dos abalos em Sete Lagoas

» O leito cárstico – subsolo onde a erosão química da água na rocha criou túneis, fendas, cavernas e rios – de Sete Lagoas passa por uma acomodação, com desabamentos e abatimentos provocados pela própria formação geológica e intensificados pela dinâmica de ocupação da cidade

» Até 2015, toda a água usada em Sete Lagoas era retirada do subsolo, o que teria esvaziado as galerias e cavernas

» Ao mesmo tempo em que tem 141 anos de fundação, passava por expansão urbana e impermebialização do solo, com asfalto e concreto impedindo a recarga da água

» Atividades industriais e agrícolas também consomem água subterrânea e colaboram para a drenagem dos túneis e cavernas. Oficialmente, há 223 poços tubulares ativos na cidade

» A verticalização da cidade impôs mais peso e pressão às galerias esvaziadas, contribuindo para os sismos, até hoje de baixa intensidade' '


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