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Estado de Minas ECONOMIA

Lula terá desafio de aumentar inclusão dos pobres no mercado de trabalho

Novo governo precisará discutir políticas de inclusão produtiva focadas em uma parcela da população cada vez mais excluída do mercado de trabalho


12/11/2022 22:27 - atualizado 12/11/2022 22:30

Luiz Inácio Lula da Silva
A tendência de queda na participação dos mais pobres no mercado foi contínua desde 2001, mas ganhou força no período recente, na esteira da crise econômica e da pandemia de Covid-19 (foto: Sergio Lima / AFP)
A queda na ocupação dos brasileiros que estão entre os 10% mais pobres indica uma mudança na cara da pobreza no país nos últimos 20 anos e um desafio adicional para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

Além do incremento nas transferências de renda, o novo governo precisará discutir políticas de inclusão produtiva focadas em uma parcela da população cada vez mais excluída do mercado de trabalho, possivelmente por causa da baixa qualificação.

 

Em 2001, 48% dos mais pobres tinham algum trabalho, ainda que informal --o que lhes assegurava algum tipo de renda complementar aos benefícios sociais. Em 2021, esse percentual caiu a 18%.

 

Nesse mesmo período, a renda obtida com transferências governamentais aumentou de R$ 31 para R$ 84 por pessoa. A renda do trabalho também subiu na média por trabalhador ocupado, mas caiu de R$ 103 para R$ 57 na comparação do valor por adulto --justamente porque há um número maior de pessoas sem ocupação. Os valores já estão atualizados pela inflação.

 

Os dados foram reunidos pela economista Laura Muller Machado, ex-secretária de Desenvolvimento Social do Governo de São Paulo e especialista na área. Segundo ela, há um grupo de brasileiros "completamente excluídos" do mercado de trabalho.

 

"O PIB [Produto Interno Bruto] está subindo. Por ora, a gente está seguindo sem eles. É preciso incluir essas pessoas. Elas têm direito ao trabalho digno. Tem um trem que saiu, reativou depois da pandemia, e o último vagão ficou parado. Tem que acoplar esse último vagão com o trem em movimento", diz a pesquisadora.

 

Segundo ela, no início dos anos 2000, os trabalhadores mais pobres atuavam em condições péssimas, muitas vezes com carga horária excessiva, sem 13º salário, sem FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e com baixo salário.

 

"Então o problema era que os mais pobres estavam na informalidade, sem nenhuma proteção social. A saída era melhorar as condições de trabalho e aumentar a proteção", afirma. "Qual é a mudança agora? Os mais pobres saíram do mercado de trabalho, a metade mais vulnerável. Então além de cuidar da informalidade, eles precisam voltar a trabalhar."

 

A tendência de queda na participação dos mais pobres no mercado foi contínua desde 2001, mas ganhou força no período recente, na esteira da crise econômica e da pandemia de Covid-19.

 

Em 2014, a renda do trabalho dos 10% mais pobres havia chegado a R$ 164 por adulto, mas caiu aos R$ 57 em 2021 --um tombo de 65,2% no período, justamente por causa da queda no número de ocupados. Essa parcela da população foi a mais afetada pela crise econômica.

 

O fator pandemia fica evidente em outra comparação. Em 2001, o nível da ocupação (que mede o total de pessoas trabalhando em relação à população em idade ativa) era de 55,6% entre pessoas de 25 a 65 anos. Em 2019, o percentual estava em 33% --uma queda de 12,6 pontos percentuais em um período de quase duas décadas.

 

Em 2021, após a crise que impôs medidas de isolamento social e comprometeu a chance de trabalho dos vulneráveis, o nível de ocupação dos 10% mais pobres desabou a 22,7%, sem que haja indícios de recuperação.

 

A baixa qualificação pode ajudar a explicar esse retrato. Uma parcela importante dos 10% mais pobres não conseguiu concluir sequer o ensino fundamental, o que compromete sua empregabilidade.

 

Como o salário mínimo passou por um período de valorização (hoje está em R$ 1.212), os empregadores não querem pagar esse piso a um profissional com menor produtividade no desempenho das funções --o que pode empurrá-los para fora do mercado. "Esse trabalhador não é superprodutivo, ele se torna caro dado que o salário mínimo subiu", avalia a pesquisadora.

 

Outra hipótese é uma mudança cultural na demanda por serviços de menor valor agregado. Machado cita como exemplo a menor propensão dos brasileiros hoje em ter uma empregada doméstica contratada, trabalhando cinco ou seis dias por semana. Há uma migração para modalidades informais, como contratação por diárias, acentuada pela pandemia.

 

Uma terceira possibilidade é o aumento do salário de reserva, um conceito econômico que representa o mínimo pelo qual o trabalhador aceita abrir mão da ociosidade e aceitar um emprego. Essa alta no salário de reserva poderia estar relacionada à ampliação das transferências de renda.

 

Todas as hipóteses, porém, ainda dependem de uma confirmação mais robusta a partir de novas pesquisas, ressalta a pesquisadora.

 

Além disso, os dados mais recentes mostram que houve, na verdade, uma queda na renda de transferências para a base da pirâmide. O valor médio por pessoa passou de R$ 112 em 2014 para R$ 84, considerando os 10% mais pobres.

 

Esse quadro pode parecer contraintuitivo, dado que o valor gasto com o auxílio emergencial e Auxílio Brasil (que substituiu o programa Bolsa Família) chegou a patamares recordes. No ano passado, o governo Jair Bolsonaro (PL) gastou mais de R$ 400 bilhões entre 2020 e 2021 com as duas modalidades de benefício.

 

Segundo Machado, a piora na focalização dos benefícios pode explicar essa piora. Ou seja, o dinheiro foi distribuído, mas não àqueles que mais precisam.

 

"Como resultado, de 2014 para 2021, a renda per capita dos mais vulneráveis caiu de R$ 163 para R$ 94. Por que caiu? Por três motivos. Primeiro, estão recebendo menos dinheiro da transferência de renda. Além disso, eles saíram do mercado de trabalho. E mesmo os poucos que estão trabalhando, que são só 18%, têm uma remuneração menor", afirma. "É uma deterioração geral, em todas as dimensões."

 

Para ela, o novo governo precisará desenhar políticas que ataquem esses problemas. Isso passa pela continuidade das transferências de renda, mas de maneira focalizada, inclusive com busca ativa --ou seja, rastrear os que têm direito ao benefício, mas ainda não o recebem.

 

"A primeira coisa é ir atrás dos 10% mais pobres, encontrá-los e todos receberem transferência. Isso é urgente", afirma.

 

Além disso, ela defende o incentivo a programas de requalificação profissional para que essas pessoas consigam se reinserir no mercado de trabalho. É importante, porém, alinhar o curso com o projeto de vida do trabalhador e na vocação econômica do território em que ela vive, para evitar a repetição de problemas em políticas anteriores, que formaram profissionais desalinhados às necessidades da produção local.

 

Para Machado, o modelo ideal é conceder uma espécie de "vale curso", incentivando as empresas a contratar um profissional que terá a qualificação garantida pelo Estado. "Esse é um trabalhador que tem mais valor, porque tem o curso garantido, e o curso vai ter relação com a área de atuação", afirma. "Precisamos de saídas inteligentes."

TRABALHO E RENDA DOS 10% MAIS POBRES

Renda de transferências (média por adulto)

- 2001 - R$ 31

- 2014 - R$ 112

- 2021 - R$ 84

Renda do trabalho (média por adulto)

- 2001 - R$ 103

- 2014 - R$ 164

- 2021 - R$ 57

Taxa de ocupação

- 2001 - 48%

- 2014 - 36%

- 2021 - 18%


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