
O governo brasileiro admitiu ontem que a guerra da Rússia na Ucrânia tornou inviáveis novas compras de fertilizantes, suspensão que deverá se estender pelo tempo que o confronto durar, embora o Brasil não tenha sido incluído numa lista de países para os quais Moscou decidiu interromper as exportações do insumo, segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
Resta saber se o país conseguirá, num ambiente de insegurança internacional e, internamente, de custos altos da produção, substituir o fornecimento russo, que foi o carro-chefe das importações brasileiras de US$ 15,136 bilhões em adubos e fertilizantes químicos no ano passado.
Resta saber se o país conseguirá, num ambiente de insegurança internacional e, internamente, de custos altos da produção, substituir o fornecimento russo, que foi o carro-chefe das importações brasileiras de US$ 15,136 bilhões em adubos e fertilizantes químicos no ano passado.
Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas consideram que o problema para o país resolver no abastecimento de fertilizantes para o agronegócio é bem mais amplo e complexo do que pode parecer. Com as sanções econômicas impostas ao governo de Vladimir Putin, empresas seguradoras estão se recusando a atender aos navios com destino à Rússia e também não há condições de carregar as embarcações.
O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome, sendo que mais de 30% têm origem na Rússia e em Belarus, a antiga Bielorrúsia, parceira do governo russo.
O Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome, sendo que mais de 30% têm origem na Rússia e em Belarus, a antiga Bielorrúsia, parceira do governo russo.
No ano passado, o Brasil importou 41,549 milhões de toneladas, 21,4% a mais que em 2020. Das importações brasileiras de adubos ou fertilizantes químicos, que somaram US$ 15,136 bilhões, o país dependeu da Rússia em 23,3% desse total, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia.
Adubos são nutrientes orgânicos (naturais) enquanto fertilizantes derivam de elementos químicos como nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), necessários para o aumento da produtividade nas lavouras.
Adubos são nutrientes orgânicos (naturais) enquanto fertilizantes derivam de elementos químicos como nitrogênio, fósforo e potássio (NPK), necessários para o aumento da produtividade nas lavouras.
Na quarta-feira, Belarus também interrompeu o fornecimento de fertilizantes para o Brasil, devido a perda de acesso ao mar, com o fechamento da fronteira da Lituânia, no Leste europeu. A ministra Tereza Cristina confirmou, ainda ontem, que o governo vai lançar, no fim deste mês, um plano nacional para a produção própria de fertilizantes, e disse, ainda, que há negociações em curso com outros fornecedores, como o Canadá e o Irã.

A dependência também é estimulada pela falta de interesse do governo brasileiro em projetos de produção nacional. “Ao longo do tempo, o alto custo existente no Brasil da produção desses itens acabou favorecendo uma importação dos produtos”, observa Miguel Daoud.
O analista salienta, que diante do conflito no Leste europeu, o agronegócio brasileiro tende a ser impactado em sua produtividade devido à falta dos fertilizantes, “insumos que são essenciais para garantir a quantidade e a qualidade da nossa agricultura", um dos carros-chefes da economia nacional, com grande geração de emprego e renda.
O analista salienta, que diante do conflito no Leste europeu, o agronegócio brasileiro tende a ser impactado em sua produtividade devido à falta dos fertilizantes, “insumos que são essenciais para garantir a quantidade e a qualidade da nossa agricultura", um dos carros-chefes da economia nacional, com grande geração de emprego e renda.
Como exemplo do “descaso” com o setor – e que ocasionou a dependência da importação de fertilizantes, Daoud lembra que foi construída em Três Lagoas (MS) uma fábrica de fertilizantes nitrogenados, projeto da Petrobras em parceria com outras empresas, com 82% das obras concluídas, mas que está paralisada há vários anos. “A Petrobras nunca se interessou em concluir (o projeto), e acabou vendendo a planta para um grupo russo, que agora não poderá mais atuar neste cenário”, afirma Daoud.

Para Miguel Daoud, falta ao Brasil um projeto de planejamento e estruturação da agropecuária para evitar situações de vulnerabilidade como a da dependência da importação de insumos. “O Brasil (no agronegócio), cresceu em virtude da demanda existente – não porque tivesse algum projeto. Então, como na indústria em que nos perdemos nossa participação (na produção mundial), na agropecuária, provavelmente, se nós não tivermos investimentos em projetos que definam o que produzir, onde produzir e como produzir, vamos acabar não tendo condições de ser um grande produtor de alimentos”, afirma.
A expectativa é de que o mundo vá dobrar a demanda por alimentos até 2050, e o Brasil teria a participação de 50% nessa demanda.
A expectativa é de que o mundo vá dobrar a demanda por alimentos até 2050, e o Brasil teria a participação de 50% nessa demanda.
Alternativa
O subsecretário de Política e Economia Agropecuária da Secretaria de Estado de Agricultura Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), João Ricardo Albanez, afirma que o governo estadual tem acompanhado com muita atenção a questão da importação de fertilizantes, diante da guerra na Ucrânia,, considerando a importância do agronegócio e também a “a questão humanitária do conflito”. O agronegócio tem peso significativo no Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto da produção de bens e serviços) do estado, representando 22,6%.
“Se reduzirmos o uso de fertilizantes a produtividade da atividade agropecuária sofrerá uma redução e, consequentemente, pode vir a impactar a geração de riqueza”, reconhece Albanez. Ele ressalta que uma alternativa para reduzir a dependência da importação de fertilizantes é a adoção de novas tecnologias que elevam o potencial de ação dos nutrientes nas raízes das plantas. “Já temos tecnologia para a solubilização de fósforo. É um inoculante líquido, recomendado para o tratamento de sementes ou aplicação via jato dirigido no sulco de semeadura”, informa.
Reservas de potássio em jogo
Cerca de 40% de todo o fertilizante utilizado nas lavouras no Brasil tem como destino a cultura da soja, carro-chefe da produção agrícola do país. Em Minas Gerais, além da soja, existe gasto dos insumos em maior escala nas lavouras de café, milho, plantios de frutas e em pastagens. O estado consumiu, no ano passado, 3,87 milhões de toneladas de fertilizantes importados pelo país, do total buscado no exterior, de 41,6 milhões de toneladas. Os números ajudem a entender o grande impacto que a interrupção do fornecimento da Rússia pode provocar na agricultura mineira.
Segundo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, o Brasil tem estoques para três meses do insumo. Caio Coimbra, analista de negócios da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), observa que uma das dificuldades brasileiras no setor é a falta de matérias-primas para fertilizantes. “O Brasil importa 80% do nitrogênio, 55% do fósforo e 95% do potássio utilizado no fornecimento às plantas. É uma dependência muito grande do exterior para produtos primordiais para o agronegócio.”
A solução para esse gargalo passa pelo aproveitamento de jazidas no país. “Temos grandes jazidas de potássio, por exemplo, que poderiam ser utilizadas de forma sustentável para o desenvolvimento do país, gerando emprego, renda e ao mesmo tempo, reduzindo drasticamente a dependência estrangeira do produto. Mas que anteriormente foram demarcadas como áreas indígenas, sendo assim, impossibilitadas de serem exploradas”, afirma o analista de negócios da Faemg.
Uma saída, de acordo com Coimbra, é debater de maneira séria e honesta com a sociedade brasileira, uma forma de explorar essas reservas, avaliando os impactos ambientais e como poderia ser feita uma recomposição dessa área. Ele também lembra que é necessário mais investimento em pesquisas para buscar formas alternativas de produção de fertilizantes e cita como exemplo, a produção de bioinsumos no país, “que possui um futuro promissor para a redução da dependência estrangeira por fertilizantes”. (LR)
Compras nas mãos de 11 países
A busca de fornecedores substitutos da Rússia pode não ser uma tarefa fácil. Cerca de 80,7% do valor total das importações brasileiras de adubos e fertilizantes no ano passado tiveram um grupo de 11 países como origem. Depois das empresas russas, o maior fornecedor é a China, com 13,7% do total, seguida de Marrocos (10,5%) e o Canadã (9,75%).
A parceria com o governo de Vladimir Putin resultou em vendas ao Brasil de US$ 3,5 bilhões relativas ao insumo básico da agropecuária – o mais importado em 2021 –, e elas representaram aumento de 97,7% frente a 2020. Trata-se de um percentual superior à média de acréscimo da receita total das importações de fertilizantes, de 89% na mesma base de comparação.
Minas Gerais importou o equivalente a US$ 1,53 bilhão em adubos ou fertilizantes químicos em 2021, receita que respondeu por 12% das importações globais do estado, de US$ 13,059 bilhões. Acompanhando o comportamento verificado no Brasil, a receita das aquisições do produto subiu bem acima da média das compras totais. Minas importou 128% a mais de adubos em relação a 2020, enquanto as importações gerais cresceram 58,2% em valor.
A dependência de fertilizantes do Brasil e de Minas e a participação crucial do fornecimento russo nesse comércio se mantiveram neste começo de ano conturbado. O Brasil comprou 2,306 milhões de toneladas no exterior em janeiro e pagou 150% a mais no preço da tonelada, em comparação a janeiro de 2021. Foi o terceiro produto mais importado pelo país, em valor, com aumento de 78,3% em média.
A Rússia forneceu 30,1% das compras totais de fertilizantes em janeiro, participação avaliada em US$ 345 milhões, avanço de 98% ante janeiro de 2021. O fornecimento da Ucrânia foi irrelevante, mas Belarus teve contribuição importante, fornecendo aos brasileiros 3,36% de toda a compra, parcela de US$ 508 milhões. Minas foi o sexto estado que mais importou o insumo em janeiro, depois do Mato Grosso, Maranhão, Paraná, Goiás e Rio Grande do Sul, nesta ordem. As compras mineiras foram de US$ 104 milhões, 82,5% de aumento frente a idêntico mês de 2021.
(Colaborou Marta Vieira)
