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Estado de Minas CONFLITO NA EUROPA

Dólar, inflação e petróleo: os impactos do conflito na Ucrânia para o Brasil

O primeiro grande impacto sentido no país foi positivo, com a queda do dólar por quatro dias seguidos, mas pressão sobre combustíveis e outros aspectos relacionados devem afetar brasileiros, segundo economistas.


24/02/2022 14:19 - atualizado 24/02/2022 15:21

Homem fardado faz guarda em frente a trem, com duas mulheres caminhando atrás
Militante da autoproclamada República do Povo de Donetsk monitora evacuação de cidade; tensão sobre possível guerra aumentou depois que Vladimir Putin anunciou o reconhecimento da independência da região (foto: Reuters)

Os relatos sobre uma possível invasão da Rússia à Ucrânia despertam temores de efeitos negativos não só na Europa e nos Estados Unidos, mas também entre outros países que mantêm parcerias políticas e comerciais com as duas nações. O Brasil está nessa longa lista.

Mas o primeiro grande impacto sentido no país foi positivo, com a queda do dólar. A moeda americana registrou nesta terça-feira (22/02) sua quarta redução seguida frente ao real e fechou em 1,09%, sendo negociada a R$ 5,0511.

O movimento, segundo analistas, é consequência não só do aumento da taxa Selic pelo Banco Central, mas também da entrada de capital estrangeiro no país em tempos de alto risco.

Apesar da expectativa de economistas uma migração de ativos para mercados mais seguros, o Brasil se tornou atrativo por sua capacidade de se tornar um possível fornecedor substituto para alguns dos bens agrícolas produzidos na Rússia e na Ucrânia.

"O atual conflito atinge países que são grandes produtores de insumos agrícolas, grãos e minérios, commodities que também podem ser encontradas no Brasil", diz Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos.

Mas os impactos indiretos no Brasil de uma possível guerra não são apenas positivos. Segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil, esses efeitos podem chegar à economia nacional também na forma de um aumento na inflação e alta nos preços do petróleo e seus derivados.

A crise pode ainda impactar a capacidade do Brasil de importar fertilizantes e insumos agrícolas, que estão atualmente no topo da lista de produtos importados da Rússia, e prejudicar o setor agrícola nacional.

Politicamente, o Brasil será afetado pela posição que tomar nas discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o país ocupa um assento não-permanente desde o início do ano.

O aumento da inflação, impulsionado não só pela crise no leste europeu mas também por outros fatores externos e internos, ainda pode influenciar o resultado das eleições presidenciais marcadas para outubro.

Dólar e mercado financeiro


Notas de dólar
Nos últimos dias, preço do dólar teve queda em relação ao real brasileiro (foto: Reuters)

O impacto da crise na Ucrânia no mercado financeiro é o primeiro a ser sentido de forma direta no Brasil.

Segundo Rachel de Sá, conflitos geopolíticos costumam elevar a incerteza na economia global e, consequentemente, levam um aumento da aversão ao risco. Isso significa que muitos investidores podem preferir migrar seus ativos para mercados mais seguros, como o americano ou o japonês, e abandonar os emergentes, como brasileiro.

"Países emergentes, como o Brasil, tendem a sofrer mais em cenários de maior aversão ao risco, com reflexos na taxa de câmbio, na bolsa e em outros ativos", diz a economista.

Apesar disso, o que se observa no Brasil atualmente é um movimento grande de fluxo de capitais estrangeiros. Segundo Rachel, isso acontece primeiramente por conta da alta da taxa Selic, impulsionada pelo Banco Central para tentar frear o aumento de preços, que garante maior perspectiva de lucro aos investidores.

Ao mesmo tempo, por ser um grande mercado produtor de commodities, o Brasil também já está atraindo empresas e investidores que procuram alternativas à Rússia.

"O Brasil produz muitos bens que podem ser substitutos imediatos para os bens produzidos na Rússia e até na Ucrânia, especialmente na área agrícola", diz a economista.

Tudo isso levou nos últimos dias a uma queda no preço do dólar em relação ao real brasileiro. Consequentemente, a divisa americana encerrou o dia nesta terça no menor valor desde 1° de julho de 2021, quando fechou em R$ 5,0448.

Petróleo

Para além do impacto no mercado financeiros, economistas ouvidos pela reportagem afirmam que o principal efeito imediato da escalada das tensões tende a ser a alta nos preços do petróleo e seus derivados.

A Rússia é atualmente um dos maiores produtores de petróleo do mundo, com capacidade de produção de mais de 10 milhões de barris por dia. O país é ainda o maior fornecedor de gás natural da Europa, responsável por cerca de 40% do abastecimento total do continente.

Além da própria possibilidade de um confronto militar, a imposição de sanções contra bancos, empresas e empresários russos poderia paralisar a produção e a exportação de commodities.

Os Estados Unidos anunciaram nesta terça-feira sanções contra a Rússia. As medidas atingem duas instituições financeiras russas - os bancos VEB e PSB, incluindo 42 subsidiárias - e impedem a negociação de novos papéis da dívida pública russa no mercado.

O Reino Unido já havia anunciado mais cedo penalizações contra cinco bancos e três bilionários da Rússia, e outras potências ocidentais ameaçaram tomar ações semelhantes nos próximos dias.

"Uma invasão deve ser respondida com sanções mais graves do que as que já estão sendo aplicadas atualmente. Isso impacta diretamente na subido dos preços do petróleo e, consequentemente, no aumento dos preços dos combustíveis no Brasil", afirmou o economista e ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, à BBC News Brasil.


Barris de petróleo
A Rússia é atualmente um dos maiores produtores de petróleo do mundo, e conflito envolvendo a Ucrânia pode afetar de forma significativa o mercado (foto: Getty Images)

Na manhã desta terça-feira, após o anúncio da decisão de Moscou de reconhecer a independência dos territórios separatistas ucranianos de Donetsk e Luhansk, o preço do barril de Brent já se aproximava dos US$ 100 (R$ 509).

"No Brasil, o aumento do preço do barril de petróleo não significa apenas pagar mais caro pela gasolina, mas também por derivados do petróleo como o gás de cozinha", diz Rachel de Sá, chefe de economia da Rico.

Inflação

O aumento no preço do petróleo impacta diretamente na inflação mundial e, consequentemente, na brasileira, que já vem sofrendo uma alta desde o ano passado.

"A alta nos preços dos combustíveis no Brasil impacta na inflação e dificulta o trabalho do Banco Central de conduzir os preços para as metas de inflação", diz Maílson da Nóbrega. Para o economista, isso pode exigir também a adoção de taxas de juros mais altas por um longo período de tempo.

Rachel de Sá lembra que, além do petróleo e derivados, a Rússia também é o polo de exploração e produção de diversas outras commodities, como minérios e grãos.

A exportação desses bens também deve ser dificultada pelas sanções, causando ainda mais danos às já abaladas cadeias globais de produção. Isso pode, ao mesmo tempo, pressionar os preços pela oferta limitada e reforçar a onda de inflação global.

"Já vivenciamos há cerca de um ano um movimento forte de inflação global, impulsionado por um grande estímulo monetário do começo do fim da pandemia. Esse movimento se fortalece ainda mais com as incertezas em relação à crise na Ucrânia e crescimento constante dos preços do barril de petróleo", diz Rachel.

Para o ex-ministro da Fazenda, o efeito final da elevação da inflação é uma redução do ritmo de crescimento da economia brasileira. "A economia provavelmente não crescerá este ano e pode até cair um pouco. E o quadro pode piorar ainda mais com o aumento dos preços de petróleo e da inflação", diz.

Tudo isso pode ainda impactar diretamente no resultado das eleições presidenciais, marcadas para outubro.

"Um ambiente de grave inflação pode atingir de maneira muito negativa a campanha do presidente Jair Bolsonaro, porque não importa a origem da inflação, aqui ou em qualquer lugar, ela é sempre imputada ao chefe de Governo", diz Maílson da Nóbrega.

Agronegócio e mercado nacional


Trator perto de plantação sob céu azul
Trator carrega fertilizante para plantação de soja perto de Brasília (foto: Reuters)

Economistas apontam ainda que a imposição de sanções contra a Rússia pode prejudicar indiretamente o mercado nacional, em especial o agronegócio brasileiro.

Em 2021, o Brasil foi o sexto maior destino das exportações russas. Os fertilizantes e adubos dominaram a lista de produtos importados, correspondendo por cerca de 60% (US$ 3,5 bilhões) dos US$ 5,6 bilhões totais.

A Rússia é ainda a mais importante origem de fertilizantes para o Brasil, tendo sido responsável, em 2021, por em torno de 25% do volume total importado. Com os bloqueios econômicos, a compra desses produtos se tornará consideravelmente mais difícil.

"Com as sanções ou até a perda de capacidade de exportação russa, os fertilizantes se tornam mais caros e a rentabilidade dos produtores brasileiros cai, afetando sua capacidade de continuar a ampliar a oferta nos próximos anos", avalia Maílson da Nóbrega.

Segundo Igor Lucena, economista e membro da Chatham House - The Royal Institute of International Affairs, o mercado interno em geral também pode ser atingido, ainda que de maneira bastante discreta.

"Todas as relações econômicas com a Rússia devem diminuir. Os russos respondem por apenas 0,6% das exportações brasileiras, o que é pouco, mas em um cenário complexo como o atual o Brasil não pode arriscar perder nenhum tipo de mercado consumidor", diz.

Lucena lembra ainda que as sanções também podem impedir que o Brasil atue como entreposto comercial para navios e embarcações russas na América do Sul.

"Assim como aconteceu com embarcações do Irã após a imposição de sanções pelos Estados Unidos, os navios russos não poderão mais parar para abastecer e comprar suprimentos nos portos brasileiros, sob risco de penalização", afirma.

Política externa

Em termos políticos, o Brasil assume uma posição secundária na disputa. Apesar disso, ganhou mais destaque desde que assumiu um assento não-permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas no início de janeiro.

"A tradição brasileira em casos como esse sempre foi de manter uma posição 'neutra', então a princípio imaginaríamos que o Brasil não se posicionaria de maneira clara apesar da atuação russa obviamente representar uma violação do direito internacional e da soberania da Ucrânia", diz o professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Oliver Stuenkel. "Porém, como membro do Conselho de Segurança, o país não pode ficar de fora do radar."

Segundo o analista, a posição que o Brasil adotar a partir de agora influenciará muito mais sua percepção pela comunidade internacional do que qualquer comentário feito pelo presidente Jair Bolsonaro durante sua visita a Moscou na semana passada.

Em pronunciamentos após seu encontro com Putin no Kremlin na última terça-feira (16/02), Bolsonaro evitou mencionar a Ucrânia, mas enfatizou o compromisso do Brasil e da Rússia com a paz.

"Pregamos a paz e respeitamos todos aqueles que agem dessa maneira, afinal de contas esse é o interesse de todos nós: paz para o mundo", disse. Em outro momento, o presidente brasileiro ainda ressaltou a proximidade de valores cultivados pelas duas nações.

As declarações de Bolsonaro foram na contramão de governos como o dos Estados Unidos e, segundo analistas, a própria visita em um momento de tanta tensão pode ter causado desconforto.

Na sexta-feira (18/2), a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, chegou a afirmar que o Brasil "parece estar do lado oposto à maioria da comunidade global" em relação ao conflito entre Rússia e Ucrânia

Para Oliver Stuenkel, porém, o Brasil terá novas chances de se posicionar agora que a ameaça de invasão se tornou ainda mais urgente. "Tudo vai depender do comportamento do Brasil nas votações no Conselho de Segurança", diz.

A expectativa do especialista é que o Brasil adote a postura mais neutra possível, se abstendo de moções contra a Rússia, assim como fez após a invasão à Crimeia em 2014. "Mas diante da gravidade da violação, poderemos sofrer mais críticas e pressão por parte dos Estados Unidos", avalia.

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