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Estado de Minas ENTREVISTA/FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

"Crescimento é investimento, que depende de confiança", diz FHC

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lembra adoção do real, alerta sobre expansão do país e prega respeito ao Congresso


postado em 01/07/2019 06:00 / atualizado em 01/07/2019 08:17

(foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press 27/4/17)
(foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press 27/4/17)
São Paulo — Da safra de ex-presidentes da República eleitos diretamente desde o processo de redemocratização do país, Fernando Henrique Cardoso é o único que tem o que comemorar neste 1º de julho.

Há 25 anos, ele estava em agenda de campanha em Minas Gerais, três meses depois de deixar o Ministério da Fazenda, onde liderou o plano que resultou na mais longeva moeda brasileira e alavancou sua candidatura.

Nesta entrevista ao Estado de Minas, na sede fundação que dirige, ele recorda com carinho o apoio do presidente Itamar Franco à época e traça um paralelo entre aqueles primeiros passos do real e os dias atuais.

Aproveita para fazer um alerta: “A população tem que perceber que esse governo vai nos levar para algum futuro. O presidente Itamar opinava muito no começo. A bolsa oscilava. Depois, perceberam que ele não usaria a vontade dele para atrapalhar um processo econômico. Aqui, não temos muita certeza ainda. A gente vê, de vez em quando, uns impulsos presidenciais que assustam. Dá a impressão de que o ministro da Economia (Paulo Guedes) não tem tanto poder quanto é necessário para levar adiante o país”, diz.

FHC também faz um alerta sobre os riscos para a democracia e afirma que Bolsonaro precisa entender que o Congresso tem poder — e muito.

BODAS DE PRATA DO REAL
Primeiro, nós nunca imaginávamos, no começo, que seria possível estabilizar a economia do jeito que foi. São 25 anos com a mesma moeda. Estávamos acostumados com um vaivém de muda moeda, muda taxa de câmbio, muda tudo. E de surpresa. Ninguém imaginava que fosse possível uma certa tranquilidade. O Real deu uma certa tranquilidade ao país. O salário, no fim do mês, você recebia menos do que imaginava. Como é que se calculava orçamento? Era palpite. Qual seria a taxa de inflação do ano que vem? Sei lá. O Congresso mudava, aumentava a receita e aumentava os gastos também. Era uma grande confusão. Isso foi muito importante para dar uma certa normalidade ao Brasil. Você pode prever o preço real das coisas. Você pode prever o que vai acontecer com mais precisão, o dinheiro de que pode dispor e tal. Isso veio do real.

''Dá a impressão de que o ministro da Economia (Paulo Guedes) não tem tanto poder quanto é necessário''



UM PAÍS QUE NÃO CRESCE
Crescimento é investimento. E investimento depende de confiança. Os fatores de crença e confiança tiveram mais força na vida econômica contemporânea. Expectativas. Não havendo investimento, não há crescimento. Não havendo crescimento, há desemprego, há mal-estar. Não adianta apenas ter a economia estável. Você tem que ter a economia crescendo. A estabilidade é condição. Por exemplo, fui ministro da Fazenda na época de inflação alta. Fui ao Chile, país no qual vivi por muitos anos, e ninguém acreditava que o Brasil estava crescendo. E estava. A inflação não permitia que as pessoas percebessem a taxa real do crescimento. Você pode ter crescimento com inflação. O bom é você ter crescimento sem inflação. Agora, não temos inflação, mas também não temos crescimento. Precisa ter estabilidade, ou seja, confiança, rumo para o país outra vez, para haver crescimento. A inflação deveria voltar para ter crescimento? Não, essa receita não. Mas há quem diga. Aumenta o consumo, que, aí, aumenta investimento. Não acontece.

PAULO GUEDES VOLUNTARIOSO
Vejo o ministro Paulo Guedes de vez em quando na tevê. Ele crê, é uma coisa importante. Não vou discutir se está certo ou está errado, mas ele acredita naquilo. Só que não tem jeito para lidar com o Congresso. A diferença que havia naquela época em que eu fui ministro da Fazenda é que eu era senador. Então, eu me reunia com as bancadas todas, discutia com elas. Eu sabia o jeitão, e o Itamar também. Agora, eu acho que é mais voluntarioso do que propriamente de conquistar o apoio. Essa é uma diferença importante. Em segundo, fomos pouco a pouco estabelecendo regras fiscais que funcionaram. Aqui, ainda estamos para ver se vão funcionar ou não. Primeiro teste importante é a Previdência. Se passar de uma maneira aceitável, já dá um certo respiro. Agora, repito: O Brasil não vai acabar. Tem que ter a confiança da população. A população tem que perceber que esse governo vai nos levar para algum futuro. O presidente Itamar opinava muito no começo. A bolsa oscilava. Depois, perceberam que não era para oscilar em função das opiniões dele, porque ele não usaria a vontade dele para atrapalhar um processo econômico. Aqui, nós não temos muita certeza ainda. A gente vê, de vez em quando, uns impulsos presidenciais que assustam. Demite, prende. Prender não, mas demitir, mudar. Dá a impressão de que o ministro da Economia não tem tanto poder quanto é necessário para levar adiante o país.

CONSELHO AO PRESIDENTE BOLSONARO
Eu não dou conselho nenhum. O presidente tem que entender quais são os constrangimentos do cargo. É difícil ser presidente. O pessoal quer muito ser presidente, mas não é bom, não. É uma dureza. O presidente atual, qualquer presidente, tem que entender, primeiro, que o Congresso tem força. Os partidos são fracos. O Congresso, não. É difícil, porque os partidos não têm tanta força assim, mas o Congresso como instituição, tem. Você tem, portanto, que respeitar o Congresso. Tem que entender que as instituições do Estado brasileiro são antigas e funcionam. O Itamaraty, as Forças Armadas, o Judiciário. Você tem que entender que eles têm a lógica deles. E tem que respeitar, compreendê-los. E não expulsá-los. E o principal: o povo conta.

ITAMARATY NÃO IDEOLÓGICO
Eu sei, mas acho que está errado. Tomar partido é você se arriscar a perder a guerra. Para quê, se a guerra não é nossa? O Itamaraty nunca teve uma tradição ideológica, sempre teve uma tradição negociadora, não-ideológica. Tenho medo dessas visões muito assim, eles contra nós, cristãos contra os não-cristãos, porque esse é um mundo fantasmagórico. O Itamaraty tem outra tradição, não só de entendimento entre os países, entre os Estados, mas também de defesa, como é natural, dos interesses brasileiros. São, no caso, basicamente comerciais, não são bélicos. E tem que manter a defesa desses interesses. Eu tenho alguma preocupação. Não é a correta essa pauta mais ideológica. É claro que, em algumas circunstâncias, você… Nós tivemos contra o eixo, contra o nazismo. Mas não é o que está se apresentando no mundo de hoje. Não é uma guerra tão acirrada, um lado é civilização o outro é anti-civilização. Não é. São dois modelos de organizar politicamente os países. E que se baseiam em sociedades também diferentes. Vão ser sempre diferentes, porque, apesar da globalização, que é um fato, você tem a existência da cultura dos países, que é variável. Mesmo que seja globalização, capitalismo, comunismo, vão existir diferenças. E temos que entender esse processo da diversidade do mundo. E o Brasil não tem por que imaginar que o mundo é cara ou coroa. Não é.

REFORMAS
É só ver os dados para saber que é necessária. E essas reformas no Brasil não se fazem de supetão, elas vão acontecendo. Quando perdemos por um voto a idade mínima (esse voto foi do então deputado Antonio Kandir, do PSDB), o que fizemos? O fator previdenciário foi a Solange Vieira quem inventou. Já derrubaram duas vezes, e o presidente vetou, inclusive o Lula teve que vetar, porque precisa um freio. Já que não tem a idade mínima, faz-se uma composição entre tempo de contribuição e tempo de trabalho, que é o fator previdenciário. Tem que fazer. Tem que olhar mais pelo lado da igualdade do que do fiscal. O fiscal é importante, mas, para o povo, o importante é ver que estamos nos aproximando uns dos outros. A direção da reforma é correta. É preciso avançar com essa pauta. E nisso não se pode pensar em governo e oposição. É o interesse nacional. Minha experiência de reforma é que, quando você quer mudar tudo, não se faz nada. É melhor você ver qual a reforma que terá consequências ao longo do tempo.

CAPITALIZAÇÃO
É um problema. No meu tempo, já se falava disso. Tinha o Chile. Mandei calcular. Naquela época, custaria um PIB para poder pagar o processo de transformação. Não sei como está sendo proposto agora. O relator tirou da pauta porque há uma reação grande a isso. O problema é como você faz com quem não capitalizou até agora. Vai começar do zero? Não pode. Então, ou você tem dinheiro para financiar ou... No Chile, eles tiveram numa certa altura e, mesmo lá, houve muito problema com a capitalização. Então, acho que tem que ir com jeito, tem que estudar melhor.

GERAÇÃO DE EMPREGOS
Primeiro, a economia precisa de credibilidade para haver investimentos públicos e privados. E mais privado que público, no nosso caso. Temos um campo enorme, que é a infraestrutura, que tem que ser refeita. Tem capital sobrando no mundo. Agora, para atrair, nós temos que acreditar em nós próprios, no nosso rumo. Há uma mudança, que é estrutural, na organização da produção no mundo contemporâneo. Mesmo que a pessoa não tenha consciência, dá uma certa dúvida sobre o que vai acontecer com ela no futuro. Na França, uma parte das pessoas que estão revoltadas têm medo. Medo do futuro. Aqui, como não chegamos a esse ponto de avanço, não sei se as pessoas têm tanto medo do futuro. Têm medo do presente, porque a taxa de desemprego cresceu muito. No meu tempo, quando chegou a 7% foi uma gritaria infernal. Agora, está o dobro.



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