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Estado de Minas

Investigação do MP põe em risco 5 mil empregos em cidade mineira

Pitangui, município que é referência na produção de cigarros de palha, teme o fechamento da fabricante Souza Paiol, investigada por sonegação fiscal e lavagem de dinheiro


postado em 30/06/2019 07:00 / atualizado em 30/06/2019 08:23

De carne a gás de cozinha, o dinheiro movimentado pela produção de cigarros sustenta as vendas do maior supermercado da cidade, segundo Valdirene Cezar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
De carne a gás de cozinha, o dinheiro movimentado pela produção de cigarros sustenta as vendas do maior supermercado da cidade, segundo Valdirene Cezar (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
Pitangui – Operação de combate à sonegação fiscal e lavagem de dinheiro realizada na fábrica de cigarros de palha Souza Paiol deixa uma cidade em suspense. No Centro-Oeste de Minas, Pitangui aguarda o desfecho da investigação do Ministério Público, em conjunto com a Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) e a Polícia Civil, que identificou dívida da empresa de pelo menos R$ 20 milhões em impostos. Quase um quinto dos 28 mil habitantes do município trabalha direta ou indiretamente na produção artesanal do cigarro. Os donos do negócio cogitam fechar as portas depois da cobrança, ainda sem data para ocorrer. Órgãos públicos apontam que a operação visa à regularização da empresa, e não seu fechamento.

A incerteza sobre o futuro da empresa pioneira na produção do “paieiro” toca de forma nevrálgica na economia de Pitangui, considerada referência em cigarro de palha. Depois da fundação da Souza Paiol, em 1998, pequenas fábricas se multiplicaram no fundo das casas, onde também surgiram palheiros – locais em que é feito o beneficiamento da palha. A plantação de milho expandiu em toda a região. Famílias inteiras passaram a se dedicar ao cigarro, produzido manualmente, um a um.

“Junto com a siderurgia, o cigarro de palha é uma grande potência em Pitangui. É uma cadeia produtiva. Tem a turma que planta o milho, a que fabrica a palha. Se a Souza Paiol fechar, será um desastre. Quase 70% da população rural trabalha com isso. Nem 10% deles conseguiriam emprego”, diz o prefeito de Pitangui, Marcílio Valadares. Ele calcula 3 mil postos de trabalho diretamente envolvidos na cadeia, embora a fábrica estime em 80 empregos diretos e mais de 5 mil indiretos.

Engrenagem Os números exatos são desconhecidos num setor que surgiu de forma despretensiosa e cresceu na informalidade, mas que hoje tem peso para a cidade. Fumante há 50 anos, José Haroldo Vasconcelos, fundador e dono da fábrica, não sabia enrolar seus cigarros de palha e contratava mão de obra para suprir o próprio consumo. Os cigarros faziam sucesso e a história do negócio começou. A biografia da empresa cita, inclusive, que a Souza Paiol funcionou por algum tempo sem registro.

“A gente sabe que há muita informalidade. Mas é uma situação que não deixa de rodar a economia, porque as pessoas que trabalham com isso compram no comércio. Tem uma contribuição e vai gerar imposto. Vai comprar para gerar um outro imposto”, observa o prefeito. Segundo ele, a fábrica não deve nada à prefeitura, mas 25% do pagamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) devidos são de direito do município.

No comércio, a instabilidade sobre a situação da empresa preocupa. “Semana passada, uns 10 fregueses falaram que não sabem como vai ficar. Gente que vem comprar carne, gás de cozinha, tudo com o dinheiro do cigarro. Tem muita gente que depende disso. Se fechar, para Pitangui, vai ser péssimo”, afirma a gerente do supermercado Rogério, um dos maiores da cidade, Valdirene Cezar.

Artesões do fumo A agilidade dos dedos impressiona. Silvana Aparecida Pereira, de 47 anos, abre a palha, corta a borda, dobra o filtro, põe o fumo, enrola e torce as pontas. Os movimentos são repetidos pelo menos 12 mil vezes por mês, há mais de 10 anos. Quando estava melhor de saúde, chegava a produzir sozinha 40 mil por mês. O ofício de confeccionar cigarros sustenta a família, compondo quase 80% da renda. Sentada no sofá no quintal e com caixa de tabaco no colo, ela fica com um olho no cigarro e outro nos netos, de 5 e 6 anos. “Tira esse cachorro daí, Eloá”, diz a avó, repreendendo a menina.

E é assim, sem vínculo empregatício e em casa, que garante o ganho de R$ 47 a cada 1 mil cigarros confeccionados. “É o dinheiro do cigarro que paga a luz, a água. Tem dia que fico fazendo desde cedo até 5 horas da manhã”, afirma Silvana, que ensinou as filhas a enrolar o cigarro quando elas só tinham 10 anos. “O meu marido ganha meio salário mínimo e todo mundo aqui em casa faz cigarro”, conta. Na companhia da filha e do genro, ela prefere nem pensar no futuro da atividade. “Vamos ver o que vai acontecer”, diz.

Na garagem da casa de Anderson Faria, de 33 anos, a palha cobre todo o chão da garagem, transformada em palheiro, local onde o material é preparado para enrolar o fumo. “Pitangui gira nisso. Em Nova Serrana (cidade vizinha especializada na produção de calçados), é o tênis e aqui, o cigarro”, explica. Mesmo com a instabilidade sobre o futuro da empresa, Anderson continua normalmente a produção no palheiro que herdou do pai, já falecido.

“Se fechar a fábrica, vai desempregar muita gente. O povo quer fazer até abaixo-assinado”. Na casa, trabalham 11 pessoas, com remuneração proporcionalà produção. Paga-se R$ 8 pelo milheiro e a produção diária é de 50 mil. Anderson estima pelo menos 50 desses locais na região, que começaram a produzir palha para fornecer à fábrica Souza Paiol.

Em Capão do Vale, zona rural de Pitangui, Leandro Aparecido, de 22, criou o seu próprio palheiro, dentro de casa. Ainda adolescente, com 13 anos, aprendeu a enrolar cigarro. Na comunidade onde vive naquela zona rural, a maior parte dos moradores lida com palha ou com a confecção dos cigarros. “Se for trabalhar na granja, ganha 800 reais. Também não tem faculdade e, pra estudar, tem que ir pra fora”, diz. A produção é toda vendida para a Souza Paiol. “Aqui não tem outro emprego”, diz.

Com uma sacola de cigarro convencionais no braço, a doméstica Maria da Conceição Araújo, de 78, cliente d'A Casa do Fumante, em Pitangui, conta que já “nasceu fumando”. Ela prefere fazer seu próprio cigarro de palha a comprar os prontos e, embora não seja cliente das fábricas da cidade, defende a atividade, que traz na raiz a contradição entre o prazer e o vício. “É muito bom porque dá muito serviço para o povo. A pobreza é muito grande”, afirma.


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