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Estado de Minas

Mecanização da colheita afetou famílias e comerciantes no Jequitinhonha

A substituição do homem na colheita tem provocado desemprego e queda na renda da região mineira


postado em 16/04/2018 06:00 / atualizado em 16/04/2018 08:02

Dona de mercearia em Chapada do Norte, Corina Brandão amarga queda de 70% nas vendas, provocada pela redução da renda das famílias(foto: Solon Queiroz/Especial para o EM )
Dona de mercearia em Chapada do Norte, Corina Brandão amarga queda de 70% nas vendas, provocada pela redução da renda das famílias (foto: Solon Queiroz/Especial para o EM )

Minas Novas/Chapada do Norte – Gerente de um supermercado em Minas Novas, Samuel Alves dos Santos lamenta a queda nas vendas do estabelecimento nos últimos três anos. “Foi um fracasso. O movimento aqui caiu mais de 80%, afirma. Em outro ponto do Vale do Jequitinhonha, na zona rural de Jenipapo de Minas, o lavrador Edgar Batista da Silva lembra desolado que chegou a ter várias carteiras de trabalho assinadas, mas, agora, está desempregado.

O “fracasso” apontado por Samuel e o desamparo de Edgar têm a mesma origem, que vem de longe: a mecanização da colheita de cana-de-açúcar no interior de São Paulo.


A substituição do homem na colheita tem provocado um grave impacto financeiro nas famílias e nos municípios mineiros do Vale do Jequitinhonha, nos quais o desemprego se multiplicou e a renda caiu depois que os canaviais reduziram as contratações na região de Minas.

Com a presença cada vez menor dos chamados boias-frias nas usinas do interior paulista, a saída de casa para buscar trabalho temporário em outras cidades reduziu drasticamente no Vale. A migração ainda existe, mas em escala muito menor, desta vez para usinas de estados como Bahia, Mato Grosso e Paraná, nas quais o trabalho braçal ainda tem mais espaço que as máquinas.


Com a perda das vagas nas lavouras canavieiras paulistas – agravada pela carência de chuvas, a ausência de indústrias e a falta oportunidades de emprego no Jequitinhonha –, a saída é buscar o sustento em outros serviços temporários, como a colheita de café no Sul de Minas. Ou então, tentar uma vaga na construção civil em São Paulo, o que exige uma mudança definitiva para outra cidade.

Neste caso, as consequências para o Vale são piores: o êxodo aumenta e o salário do retirante não chega à sua região de origem, como ocorre no trabalho sazonal para o corte de cana. Ou seja: agrava o empobrecimento da região, com a economia local ficando restrita basicamente à circulação do dinheiro oriundo dos benefícios governamentais, como o Bolsa-Família, de pagamentos de aposentadorias e dos servidores das prefeituras.

DEPENDÊNCIA DIRETA

Historicamente, na região sempre houve relação direta entre comércio de alimentos e a migração para o corte de cana. Em geral, a família que fica para trás faz compras e anota em cadernetas os valores, que são pagos 20 ou 30 dias depois que os trabalhadores que migraram mandam dinheiro para quem ficou para trás. Assim, a dívida é paga e outra é feita. Um ciclo de confiança que mantém o comércio em funcionamento e as famílias abastecidas.

A diminuição da migração para o serviço temporário abalou esse sistema, reduzindo as vendas de mantimentos. “Já chegamos abastecer até 30 mercearias de localidades da zona rural, que vendiam para as mulheres dos cortadores de cana. Hoje, atendemos duas”, lamenta Samuel, gerente de supermercado em Minas Novas.

 


Segundo ele, antes da mecanização das usinas do interior de São Paulo, que se intensificou há quatro anos, cerca de 20 ônibus partiam do município entre março e abril. Agora, saem de três a cinco. Samuel lembra que “o dinheiro da cana” aquecia o comércio na região no fim de ano, quando os boias-frias retornavam para a casa, trazendo no bolso tudo que conseguiu acumular ao longo de oito ou nove meses no pesado serviço.

Ele ressalta também que muitos trabalhadores compravam aparelhos domésticos, motos e outros bens duráveis por terem recebido prêmios de produtividade oferecidos pelas usinas.

Morador de Minas Nova, o técnico de informática Renan Gomes afirma que, não contando mais com o dinheiro do serviço no corte de cana, muitas famílias são obrigadas a abandonar a zona rural, problema agravado pela seca. “Em muitos lugares, as condições de conforto até melhoraram com a chegada da luz elétrica, mas o pessoal é obrigado a sair por não conseguir viver sem água, sem produção e sem dinheiro”, afirma Renan.

VENDAS EM QUEDA

Dona de uma mercearia as margens da poeirenta BR-367, na comunidade de Barro Branco, no município de Chapada do Norte, Corina Ferreira reclama dos prejuízos sofridos por causa da queda da saída para o corte de cana. “Minhas vendas caíram cerca de 70%”, afirma.

Queixa semelhante é feita por Antonio Valdivino Guedes, dono de um pequeno supermercado em Jenipapo de Minas. “O movimento reduziu uns 50%.O dinheiro que circula na região é muito pouco”, comenta. A dependência entre o comércio local e a migração é tanta que já houve casos de cortadores de cana depositarem os salários diretamente na conta bancária do supermercado de Guedes, para que ele descontasse o pagamento das compras e entregasse o restante para as famílias.


Na mercearia em Jenipapo de Minas, a reportagem encontrou Valdete Costa Moreira, de 57 anos, cujo marido, Sinvaldo Soares da Rocha, havia acabado de viajar para o corte de cana na Bahia. Ela fez uma feira, mas sem desembolsar nada. A feira foi anotada para ser paga no dia do primeiro envio de dinheiro de Sinvaldo.

“Aí, faço outra, para pagar depois”, comenta Valdete, mãe de duas crianças. Ela contou que vive na condição de “viúva da seca”, tendo em vista que o marido viaja para o corte de cana há 10 anos seguidos e que não sabe como ficaria sua vida se ele não conseguir mais o serviço temporário longe de casa.


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