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Estado de Minas

Falta água para viver no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha

No Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha, a seca que dizima o gado expulsa as famílias do campo. Período crítico chegou mais cedo e lavouras da região já têm perdas de até 70%


postado em 25/07/2014 06:00 / atualizado em 25/07/2014 09:50

Manoel de Lourdes Barros mostra o leito quase seco do Córrego do Bonga, em Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha. Estiagem estimula o êxodo (foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press )
Manoel de Lourdes Barros mostra o leito quase seco do Córrego do Bonga, em Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha. Estiagem estimula o êxodo (foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press )
Matias Cardoso (Norte de Minas) e Itamarandiba (Vale do Jequitinhonha) – Nas regiões que, historicamente, foram castigadas pela má vontade dos céus, neste ano, as agruras da seca estão mais severas e chegaram mais cedo. No Norte de Minas, a cada dia agrava-se o quadro de perdas das lavouras, rios completamente esturricados e milhares de famílias padecendo da falta de água, impulsionando o êxodo rural. A região sofre as consequências diretas da baixa do nível do Rio São Francisco, agravada por conta da drástica redução do volume de água liberado pelo reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Marias. E a situaçãopiora com a situação de outros afluentes. No Noroeste do estado, em área assistida pelas águas do Rio Paracatu, maior afluente do São Francisco, contribuindo com 26% de suas águas, o volume é 30% inferior ao padrão mensal.

“O panorama que estamos antevendo é que, em setembro ou outubro, quando chegar o pico da seca, a situação poderá ser pior mais ainda”, alerta o secretário-executivo da Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (Amams), Luiz Lobo.

Mesmo faltando mais de 100 dias para o chamado período seco acabar, 136 municípios já decretaram estado de emergência em Minas por causa da seca, quase a totalidade deles situada no Norte de Minas e no Vale do Jequitinhonha. A tendência desse número é subir. “Normalmente, a situação piorava mesmo em setembro. Mas, neste ano, no início de julho o quadro já está drástico, com os municípios reivindicando caminhões-pipas e cestas básicas. Até agora, no entanto, não foi adotado um plano de emergência, pelo governo federal, para socorrer os municípios atingidos”, relata Lobo.

O técnico Reinaldo Nunes de Oliveira, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) em Montes Claros, salienta que as consequências estão sendo piores porque a região acumula três anos seguidos de estiagens prolongadas. Um dos setores mais afetados é a pecuária, um dos suportes da economia regional. De acordo com os dados da Emater, nos últimos quatro anos, além das perdas de milhares de reses, que morreram de fome e sede, mais de 600 mil cabeças de gado saíram da região. Neste ano, as perdas nas lavouras foram superiores a 70%, atingindo em cheio os pequenos produtores, sustentados pela agricultura familiar.

Êxodo

A saída de moradores dos pequenos municípios, devido à falta de emprego e renda nos locais de origem, é outro problema. Uma das cidades mais castigadas pela seca no Norte de Minas é Espinosa, de 31,1 mil habitantes, na divisa com Bahia. No município, sofrem com a escassez de água em torno de 1 mil famílias, moradoras de 84 comunidades, segundo o presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Espinosa, José Maria França Alkimin. “Muitas pessoas já deixaram o município por causa da escassez de água. Falta água até para a sobrevivência”, revela José Márcio.

Ele salienta que os caminhões-pipas que circulam no município não dão conta de atender a demanda e, em diversas localidades, as pessoas têm que carregar água na cabeça, em carroças ou no lombo de animais para encher latas e tambores no reservatório onde chega o caminhão.

No município de Montes Claros, centenas de pequenos produtores sofrem com a estiagem prolongada. É o caso do lavrador aposentado Valdomiro Ribeiro de Almeida, de 55 anos, casado e pai de três filhos, da comunidade de Valentina. A água que é fornecida pelo caminhão-pipa chega a cada 30 dias, não sendo suficiente para abastecer a família. O lavrador busca água para beber em sua moto em um posto de combustíveis a dois quilômetros de casa. Por conta da seca, teve de interromper uma pequena criação de porcos, o que fez minguar a renda da família.

Opostos

Itamarandiba, no Vale do Jequitinhonha, em dezembro passado foi castigada pelo excesso de chuvas, que levou a prefeitura a decretar estado de emergência no município. Meses depois, a prefeitura voltou a decretar emergência, dessa vez por os danos provocados pela falta de chuvas. O prefeito, Erildo Gomes, afirma que, no final do ano passado, foram registrados no município 271 milímetros de chuva em 24 horas. O “dilúvio” danificou 42 pontes e estradas vicinais ficaram intransitáveis, isolando diversas comunidades rurais.

Neste ano, a região foi castigada por um veranico, em janeiro e fevereiro, e as últimas chuvas foram registradas em março. Segundo o prefeito, muitas comunidades já começaram a sofrer com a falta de água, tanto para o consumo doméstico quanto para a agricultura familiar.

Morador na localidade de Lagoa do Bonga, situada numa região isolada, a 33 quilometros da sede do município, o agricultor Manoel de Lourdes Barroso perde sono com a triste situação do córrego do Bonga, que, segundo ele, já correu caudaloso no passado e hoje se resume a um filete. “Nunca vi esse córrego secar tanto. Do jeito que está indo, em poucos dias ele e vai secar de vez. E não sei como viver, pois aqui não tem outra fonte de água por perto”, assombra-se Manoel.

Menos café e leite no Sul de MG

Baixa no Rio Verde expôs paredão construído há mais de 100 anos onde antes corria cachoeira de 5 metros de altura (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Baixa no Rio Verde expôs paredão construído há mais de 100 anos onde antes corria cachoeira de 5 metros de altura (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Lavras, Ribeirão Vermelho e Varginha – Uma das regiões mais ricas do país, o Sul de Minas Gerais também pena com a estiagem. A falta de chuva reduziu o volume de represas, baixou o leito de rios e prejudicou a agropecuária. A safra de café, principal commodity do setor no estado, despencou quase um terço neste ano. “A (fundação) Procafé fez um levantamento com previsão de queda em torno de 30% em todo o Sul de Minas. Em nossa área, a média de recuo também é essa”, calculou Carlos Paulino, presidente da Cooxupé, a maior cooperativa de cafeicultores do mundo, com sede em Guaxupé e que reúne cerca de 12 mil fazendeiros de 200 cidades do Sul do estado, do Alto Paranaíba (cerrado mineiro) e do Vale do Rio Pardo (SP).

Em Varginha, a 300 quilômetros de Belo Horizonte, o volume do Rio Verde recuou tanto que fez reaparecer o paredão de uma barragem erguida há mais de 100 anos. A represa fazia parte de uma usina que abastecia 52 cidades daquelas bandas e foi desativada na década de 1950. “Tenho 43 anos e é a primeira vez que vejo o paredão. Dá tristeza testemunhar a cena, pois significa que o volume d’água está baixo”, lamentou o carpinteiro Cláudio Rogério. Ele foi ao local nesta semana para “ver com os próprios olhos” o que os moradores de Varginha comentam: “O leito passava por cima do paredão”.

O Rio Verde, que nasce na Serra da Mantiqueira e deságua no Lago de Furnas, beira diversas fazendas produtoras de café. A estiagem não deixou as lavouras se desenvolverem como em anos anteriores. Resultado: a oferta menor da commodity elevou o preço da saca de 60 quilos. “O valor estava R$ 250 no início do ano. Saltou para R$ 520 há algumas semanas e, depois, caiu para R$ 360. Em seguida, houve uma nova alta. Agora, o preço está entre R$ 400 e R$ 420 (aumento de até 68% em relação a janeiro)”, disse o presidente da Cooxupé.

Régua do lago da Usina Hidrelétrica do Funil mostra que seca também castiga reservatórios do Sul de Minas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Régua do lago da Usina Hidrelétrica do Funil mostra que seca também castiga reservatórios do Sul de Minas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
A estiagem atrapalhou os negócios de João Antônio, dono de uma pequena propriedade rural em Ribeirão Vermelho, a 220 quilômetros de BH. “Eu tirava em torno de 300 litros de leite por dia. Agora consigo metade”. Ribeirão Vermelho é a primeira cidade banhada pelo Rio Grande depois de o leito descer as comportas da usina hidrelétrica Funil, inaugurada em janeiro de 2003.

“O volume está baixo”, afirmou Manuel Tadeu de Oliveira, de 61 anos. Ele também reclama da paisagem a poucos metros da represa: “O pasto está seco. A estiagem este ano está brava. Eu retirava 50 litros de leite de duas vacas. Atualmente, caiu pela metade”. Manuel mora numa comunidade rural de Lavras, a poucos quilômetros das comportas da Funil. Apesar da estiagem, a água do local ajuda na sobrevivência da horta de vários moradores da região, como o caseiro Ronaldo Alves, de 40. “Não teria como cultivar a hora se não fosse o rio.”


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