
“Foto na hora, foto!”, gritam vendedores acostumados a disputar o espaço das calçados do Centro de Belo Horizonte num árduo duelo de produtos e serviços. “Dentista, orçamento sem compromisso”, ecoam outras vozes desse grupo de profissionais que se autointitulam ‘guerreiros’, tentando falar mais alto do que os concorrentes do “self-service sem balança!”. Os potenciais clientes passam diariamente pelos quarteirões no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas, nas ruas Rio de Janeiro e Carijós, que conduzem à Praça Sete. Os ‘guerreiros’ se esforçam para chamar a atenção do consumidor e levá-lo a uma loja, em busca de uma boa comissão, seja pela venda de uma foto 3 x 4, seja de uma escova ou corte de cabelo, ou mesmo de um orçamento sem compromisso numa clinica odontológica.
No entanto, pouca gente imagina que o negócio ganho no grito gera muitos empregos, mas de forma predominante são ocupações de baixa qualificação, sem carteira de trabalho assinada e as garantias sociais previstas em lei. A renda pode passar dos R$ 2 mil por mês, o equivalente a mais de dois salários mínimos (R$ 788). No entanto, exige horas estafantes de dedicação de autônomos, desempregados, pessoas de todas as idades que aproveitam a demanda do comércio. As vagas de vendedores de fotos 3 x 4 para documentos são as mais concorridas e também aquelas que ocupam o maior número de pessoas. Em apenas um dos quarteirões fechados da Rio de Janeiro é possível contar mais de 30 guerreiros nesse trabalho.

A alta procura faz sentido, já que essa é a única função em que o vendedor ganha por dia e leva comissão. A loja, geralmente, cobra R$ 5 para produzir as fotos. Livre para estipular o ganho, em alguns casos, chegam a cobrar até R$ 20 pelo serviço. Há oito anos no mesmo ponto, Maria Aparecida Jesus Souza, de 57 anos, conta que começou a trabalhar na Praça Sete para complementar a renda. O trabalho, hoje, consome 10 horas por dia. Com sorte e um bom movimento, ela apura R$ 100 por dia, levando de 10 a 20 pessoas na loja do contratante do serviço. “O segredo é ficar no ponto certo e tratar bem o cliente”, afirma.
No Edifício Joaquim de Paula, na esquina da Afonso Pena com Carijós, há pelo menos seis lojas que oferecem serviços de foto 3 x 4 feitas na hora. Cada uma delas contrata entre sete e 12 vendedores para captar clientes na região. Segundo o proprietário de uma das lojas, Marcelo Ferreira, não há meta estabelecida para os guerreiros cumprirem a cada dia. “Eles ganham por cliente. Se levarem 10 ganham comissão por eles, se não levarem nenhum não ganham nada”, afirmou. O esforço, entretanto, recompensa. O comerciante atende, em média, 100 clientes por dia. Ainda de acordo com Ferreira, se o vendedor fecha mais de 12 negócios ganha passagem e almoço.
Para aumentar a atratividade do emprego de vendedor, um dos mais antigos no mundo, os comerciantes da região criaram o ‘Dia do Guerreiro’, que é realizado uma ou duas vezes no mês. Segundo vendedores e lojistas, tudo que é vendido neste dia fica para o guerreiro. “A loja não ganha nada nesse dia. Se a pessoa vende 10 fotos a R$ 10, ela ganha R$ 100. É uma forma de retribuir e incentivá-los a vender mais em outros dias”, explica Marcelo Ferreira.

Os vendedores de aparelhos celulares e ouro, além daqueles que levam clientes aos salões de beleza ou clinicas odontológicas, são pagos por semana. Os ganhos ficam entre R$ 150 e R$ 200, em geral, acrescidos de comissão, dependendo do serviço adquirido pelo cliente. Dono de um salão num edifício na Praça Sete, Marcelo Soares, de 40, conta que contrata quatro pessoas por semana para captar clientes. “Compro ouro para fazer alianças, mas não recomendo as pessoas que contrato a gritarem que compram ouro. A maioria das pessoas que querem vender não gosta de chamar a atenção”, afirma.
Disputa em dobro Os comerciantes também correm atrás desse valiosos ‘guerreiros’. A estratégia de contratar os vendedores de rua ajuda o comerciante a pagar o aluguel de R$ 2 mil do espaço onde funciona o salão e as alianças são fabricadas. “Fico no segundo andar. Se não tiver ninguém lá em baixo para trazer os clientes, eles não vão adivinhar que oferecemos os serviços. Gasto quase R$ 1 mil por semana com eles, mas o retorno é bom”, comenta o comerciante Marcelo Soares.
Desempregado há três meses, William da Silva, de 34, consegue, no grito, ganhar um salário mínimo por mês trabalhando no local. Quando o movimento permite, ele leva de 10 a 15 clientes por dia a um salão de beleza ou nas empresas que compram ouro. “Não tenho vergonha de trabalhar aqui, acho até bom. É um emprego comum, como qualquer outro, onde dá para ganhar dinheiro honestamente”, diz.
Gerente de um salão e de uma loja que compra ouro na mesma região, Leonardo Cléber Diniz afirma que as comissões têm de ser atraentes. “Aqui é um comerciante engolindo o outro. Para vencer a concorrência, a gente trata bem o cliente e dá uma comissão boa para o vendedor trazer mais pessoas”, afirmou. A dona de casa Elisabete da Silva Martins foi uma das clientes que, na semana passada, “caiu no grito” e conseguiu se desfazer de uma aliança de ouro que estava presa em seu dedo. Ela conta que terminou um casamento de 19 anos e, recentemente, estava ansiosa para se desfazer da aliança, que não trazia boas lembranças. “Ela pesou 3,6 gramas e consegui R$ 136 nela. Não é tudo que preciso, mas é alguma coisa. Já consigo pagar algumas contas”, comemorou.

Gestão moderna condena a prática
A prática do grito para ganhar clientes ainda é comum em mercados de produtos populares como ocorre no Centro de Belo Horizonte. No entanto, o método é considerado ultrapassado e tende a perder força nos próximos anos, à medida que o mercado de consumo se tornar mais maduro, na avaliação de Eduardo Andrade, mestre em administração e coordenador dos programas da escola de administração Ibmec em Minas Gerais. “É uma medida que pode repelir o cliente, dependendo da ocasião. E à medida que o empreendedor tiver consciência disso e conhecer técnicas de publicidade mais avançadas, esse tipo de ação tende a ter menos força”, afirma.
Ainda de acordo com Eduardo Andrade, as pessoas têm deixado de prestar atenção aos gritos e se sentem incomodadas com a poluição sonora. Além disso, no mundo moderno, onde grande parte da população já tem acesso à internet em computadores e smartphones, a forma de se comunicar com o cliente passa a ser diferente. “Existe uma teoria que diz que as empresas são frutos dos ambientes onde estão inseridas. Logo, se o ambiente começa a mudar com as pessoas mais bem informadas, os empreendedores também precisam mudar e arrumar uma nova forma de fazer negócio”, completou.
O dentista Felipe Batista Araújo, dono de uma clínica odontológica instalada na Rua Carijós, não tem do que reclamar. Ele diz que paga diárias de R$ 30 para um vendedor que trabalha entre as 8h30 e as 18h30 na captação de clientes no Centro de BH. O retorno, segundo ele, é bom, de oito a 10 pessoas por dia solicitam orçamento à empresa. “A maioria delas faz algum procedimento. Pode ser que ela não faça tudo que precisa, mas pelo menos os procedimentos mais urgentes”, afirma. Ainda de acordo com Felipe, alguns clientes tornam-se habituais e levam outros consumidores. Entre os ‘guerreiros’ que disbribuem os panfletos de dentistas está Elielson Alves dos Santos. Ele trabalha duro, mas mantém o sorriso no rosto.
Sentada em uma cadeira na calçada da Rua Rio de Janeiro, Sônia Maria de Souza Araújo, de 50 anos, tentava, na semana passada, levar clientes para um salão de beleza instalado no segundo andar do prédio ao lado. Ela ganha R$ 180 por semana para oferecer corte de cabelo, design de sobrancelha e outros procedimentos. O rendimento pode aumentar em R$ 50 se ela conseguir fechar negócio para aplicação de megahair e em R$ 30 se levar o cliente para fazer uma progressiva. “Trabalho pela manhã vendendo jornal, com carteira assinada. Venho para cá em seguida para fazer uma renda extra. Grito o dia todo, ganho um bom dinheiro e nunca fiquei sem voz”, comemora.
