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Estado de Minas PRENÚNCIO

Líder quilombola executada na Bahia alertou sobre ameaças de morte recentes

Segundo a Conaq, Mãe Bernadete e outros líderes quilombolas vêm recebendo ameaças há alguns meses; SSP-BA afirma que não houve registro de denúncias


18/08/2023 15:09 - atualizado 18/08/2023 15:52
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Mãe Bernadete era uma mulher negra. Na imagem, ela segura um microfone e usa um turbante e um vestido brancos.
Mãe Bernadete era líder do Quilombo Pitanga dos Palmares (foto: Redes Sociais/Reprodução)
A líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, Maria Bernadete Pacífico – ou Mãe Bernadete, como era conhecida –, assassinada na noite de quinta-feira (17/8), teria denunciado ameaças de morte pouco tempo antes de ser executada. Ela foi desligada do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH) em maio deste ano por falta de recursos.

De acordo com a Conaq, Bernadete já havia alertado há alguns meses que ela e outras lideranças do Quilombo Pitanga dos Palmares vinham sofrendo ameaças de morte, supostamente vindas de grupos ligados à especulação imobiliária em Salvador. Segundo as lideranças, o governo da Bahia não ofereceu proteção aos moradores do quilombo e as ameaças não foram alvo de investigação dos órgãos públicos baianos.

A Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) informou não haver registros policiais nos últimos meses sobre ameaças contra os líderes do Quilombo Pitanga dos Palmares, e que a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Governo da Bahia fazia acompanhamento constante com Mãe Bernadete. A reportagem do EM entrou em contato com o órgão para saber sobre motivos para não ter havido providências e aguarda retorno sobre possíveis relatos ou denúncias de ameaças.

Assassinato do filho

Mãe Bernadete era coordenadora da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), Yalorixá e ex-secretária de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho (BA). Ela lutava por Justiça pelo assassinato do filho, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, que foi executado em 2017, também a tiros. Aos 36 anos, ele deixou três filhos, um dos quais viu a avó ser executada na noite de ontem.

Até o momento, a SSP-BA não confirmou a relação entre as duas mortes, mas Wellington dos Santos, filho de Mãe Bernadete e irmão de Binho, falou à TV Bahia que acredita que os crimes têm ligação entre si.

“Um crime liga o outro. Minha família está sendo perseguida, eles querem nos dizimar. Agora só tem eu, então eu sou o próximo, mas eu não tenho medo. Eu só nasci uma vez e morrerei apenas uma vez, lutando. Queria saber o que a gente fez para esse povo. Não sabia que fazer o bem contrariaria tanto as elites”, disse ele.
 
Segundo Wellington, o homicídio foi um crime de mando. "Vou deixar um recado para o ministro Flávio Dino e o governador Jerônimo Rodrigues, que estava com ela até a semana passada: está fácil de resolver esse crime. Eu peço, por favor, que se faça justiça. Que não aconteça o que aconteceu com meu irmão. É a chance de elucidar os dois casos", declarou. 

Denildo Rodrigues, da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), concorda que Mãe Bernadete foi assassinada pelo mesmo grupo responsável pela execução de Binho.

“Ela sabia, e a Justiça sabia, que quem mandou matar Binho estava lá perto da comunidade, só que não deu em nada. Ela nunca ficou quieta. Agora, foi silenciada. Muito triste para nós”, disse.
 
Mãe Bernadete fez parte do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), incluída por conta do assassinato do filho e ameaças de madeireirso ilegais. No entanto, de acordo com a ONG Justiça Global, foi desligada do programa em maio deste ano por falta de recursos.

"Ela entrou no programa há dois anos. Bernadete recebia ameaças de várias frentes, que foram intensificadas quando madeireiros ilegais passaram a ameaçá-la. Ela sempre deixou claro os riscos que corria e ficou sob o programa a pedido dela mesma", explicou o advogado da família, David Mendez, ao g1.

No entanto, para o representante da família, a ação não era efetiva. "A proteção do estado era só uma ronda simbólica. Uma viatura da PM ia lá uma vez por dia, geralmente no final da tarde, falava com ela e ia embora. Que segurança é essa?", questionou.
 
Em julho, ela falou sobre a situação de viver sitiada com a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, em encontro com outras lideranças na Bahia. "Recentemente, perdi um outro amigo e amiga de quilombo também. É o que nós recebemos: ameaças. Principalmente, de fazendeiros e de pessoas da região. Hoje, vivo assim: não posso sair que estou sendo revistada, minha casa é toda cercada de câmera, me sinto até mal com um negócio desse", afirmou ela na ocasião. 
 
Segundo Mendez, dias antes de ser executada, Mãe Bernadete relatou ter recebido novas ameaças. "Recentemente ela relatou para a gente, em três ocasiões, que pessoas passavam pela casa dela à noite dando tiro para cima, como se fosse uma espécie de recado, de aviso. Fora as comunicações de boca a boca. Então não era novidade para ninguém", contou.

O advogado também afirmou que o estado sempre esteve ciente do risco que Mãe Bernadete corria. Para ele, o envolvimento da líder em lutas que envolvem interesses econômicos podem dificultar descoberta de mandante do assassinato.

"Ela lutava contra vários interesses econômicos, eram lutas realmente grandiosas. Havia processos milionários envolvendo royalties de petróleo e gás explorados pela Refinaria Mataripe, concessão de energia elétrica sem contrapartida para a comunidade, e até uma represa da Embasa [Empresa Baiana de Águas e Saneamento S.A] que inundou território quilombola e a comunidade nunca foi indenizada”, explicou. 

Violência contra quilombolas

O município de Simões Filho fica na região metropolitana de Salvador, cidade que foi identificada pelo Censo Quilombola do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) como a capital com a maior população quilombola do país. São quase 16.000 quilombolas e 5 quilombos oficialmente registrados.

Um levantamento da Rede de Observatórios de Segurança, realizado com apoio das secretarias de Segurança Pública estaduais e divulgado em junho deste ano, já apontava a Bahia como o segundo estado do Brasil com mais ocorrências de violência contra povos e comunidades tradicionais. Atrás apenas do Pará, a Bahia registrou 428 vítimas de violência no intervalo de 2017 a 2022.

Integrantes dos governos Federal e Estadual se reuniram na manhã desta sexta-feira (18) na sede da Secretaria de Segurança Pública do Estado, em Salvador, para estabelecer medidas conjuntas a serem tomadas diante da morte da líder quilombola.

De acordo com a SSP-BA, além de atualizar os primeiros passos da investigação, medidas de apoio à comunidade e reforço da segurança no entorno do local onde aconteceu o crime também foram discutidas. Diligências estão sendo promovidas, testemunhas foram ouvidas, câmeras de segurança serão analisadas e a perícia já foi realizada no local.
 

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