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Estado de Minas GEOPOLÍTICA

A Turquia e os desafios para a entrada na União Europeia

A espera turca para entrar no bloco econômico europeu pode continuar longe de ser alcançada sem as mudanças exigidas pelo bloco


07/02/2022 07:21

Protesto na Turquia contra violência contra imigrantes
Uma das questões mais polêmicas sobre a entrada na UE é a relação da Turquia com migrantes (foto: ARIS MESSINIS / AFP)


Nesta ultima semana, ao retornar às aulas,  uma aluna do Ensino Médio me questionou, durante uma atividade revisional, no colégio Olimpo-BH, se a Turquia não entrava na União Europeia (UE) devido aos conflitos com os curdos. Preciso frisar que fiquei orgulhosa da importância e profundidade da pergunta dessa aluna, que acompanho desde o oitavo ano do Ensino Fundamental.

Evidentemente, os conflitos com os curdos exercem um papel significativo nos planos de os turcos comporem o bloco.  Mas essa causa isolada não explica as dificuldades para que tal desejo seja alcançado. Vamos aos fatores que explicam a resistência de os  membros da União Europeia (UE) em aceitarem o país no bloco.

O tratado de Roma criou, em 1952, a Comunidade Econômica Europeia (CEE), o bloco econômico mais ambicioso do mundo, nos moldes de um Mercado Comum Europeu (MCE), com os seus 6 signatários: França, Alemanha, Itália, Países Baixos (Holanda) Bélgica e Luxemburgo (a Europa dos Seis).

A Turquia demonstrou interesse de integrar esse bloco desde 1959, cinco anos após a criação da CEE, que, posteriormente, iria originar a UE (1991).  O Acordo de Ancara (1963) foi o primeiro passo nessa direção. Entretanto, somente em outubro de 2005, após um longo e difícil processo, o Conselho da União Europeia decidiu dar início às negociações com a Turquia, com vista à sua adesão ao bloco.  

É bom lembrar que foi em 1999, depois de uma longa espera, que a Turquia foi, oficialmente, reconhecida como um país candidato à EU. O pedido havia sido oficializado em 1987. Nenhum outro país esperou tanto tempo para obter o estatuto de país candidato; nenhum outro país provocou um debate tão intenso entre os líderes europeus e entre a opinião pública.

Se, a princípio, esse pedido foi visto com certo entusiasmo pelos membros fundadores do bloco, ao longo do tempo os ânimos arrefeceram. Os dois lados culparam-se repetidamente pela falta de esforço. Os turcos acusavam a Europa de falhas, com as sucessivas restrições à quantidade de têxteis e poucas concessões aos produtos agrícolas.

A Europa questionava as falhas na proteção dos direitos humanos, em geral, e, em especial, dos dissidentes políticos, além da persistente debilidade das instituições democráticas e na situação problemática da ilha de Chipre.

O fim da URSS, no início dos anos de 1990, abriu um novo cenário. A Turquia demonstrou amplo interesse em parcerias comerciais com os novos países que surgiram da desintegração soviética, sem o aval de Bruxelas, o que foi visto com grande desconfiança pelos europeus. Naquele momento, o bloco havia duplicado de tamanho com a entrada, em 1973, do Reino Unido, República da Irlanda e Dinamarca (Europa dos Nove); Grécia, em 1981 e Portugal e Espanha, em 1986 (Europa dos Doze).

Mas a Europa alterou o foco. Os novos países do Leste Europeu, sem a subordinação da ex-superpotência socialista, tornaram-se alvo de interesse do bloco e a questão turca foi relegada a um segundo plano (até 1999, quando finalmente, o país foi considerado candidato ao bloco).

Argumentos favoráveis à Turquia

Um argumento a favor é a situação econômica do país. Apesar da ambiguidade que causa, a economia pode ser uma vantagem para a Turquia. Mesmo com a menor participação de investimentos internacionais e um grande desequilíbrio na distribuição das riquezas, a Turquia tem potencial de alavancar sua taxa de crescimento.

Os defensores alegam que a Turquia apresenta condições econômicas similares ou melhores que os doze novos membros, absorvidos a partir de 2004, e muito semelhantes à daqueles que entraram na década de 1980. Portanto, as possibilidades econômicas não seriam um entrave à adesão. A adesão turca geraria maior confiança externa e atrairia os investidores, possibilitando uma Turquia europeia, mais liberal e democrática. Essa Turquia beneficiaria o bloco, gerando mais oportunidade para todos. 

O crescimento populacional, visto com reticências por muitos (falarei à frente) é considerado uma vantagem. A Turquia tem uma população estimada, em 2022, em 88,6 milhões de habitantes. Esses números ampliam, expressivamente, o mercado europeu.  

Para uma Europa que envelhece em ritmo muito acelerado, podem ser a força de trabalho, o trunfo necessário, para um futuro não tão distante. Nos próximos anos, acredita-se que todos os países membros necessitem de mão de obra. A juventude turca, atualmente, é maior que a de 20 países membros da UE, podendo ser um ativo importante para o bloco.

Mesmo que ocorra um grande afluxo de imigrantes, é possível que esse cenário seja positivo, porém esse processo pode não ocorrer da forma como preveem.  O país, crescendo sua economia, como esperado, buscará os meios para integrar a sua jovem população no mercado de trabalho interno.

A questão geoestratégica e geopolítica é um fator decisivo inegável pela localização geográfica turca.

A proximidade fronteiriça com o Oriente Médio (uma região que é sempre uma prioridade da política externa europeia, apesar dos laços próximos da Turquia com os EUA e Israel, o que tende a afastá-la dos demais países dessa área), o controle dos estreitos de Bósforo e Dardanelos, que conectam o Mar Negro (Rússia e Ucrânia, por extensão) ao Mediterrâneo e estar nas adjacências da costa setentrional africana garantem vantagens singulares a toda a Europa, com uma Turquia como membro.

O fato de a Turquia integrar a poderosa Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e possuir um dos maiores e mais bem treinados exércitos dessa aliança militar, perdendo em números apenas para o dos EUA, reforça os benefícios de uma participação na UE.

Argumentos desfavoráveis à Turquia

Apesar das vantagens apresentadas, há o risco de uma recusa europeia à adesão da Turquia. A xenofobia religiosa é um grande entrave à entrada desse país.  

O sentimento de que a Turquia não é a Europa é fala recorrente entre os opositores. É um país próximo ao continente, mas não é europeu.  É um país muçulmano, que descaracterizaria a união da Europa desejada pelos seus fundadores. Se entre os muçulmanos a Turquia é vista como o mais ocidental dos países que professam a religião Islâmica, entre os europeus, o país é visto como mais oriental e com muito pouca partilha desse ideal europeu.

A economia apresenta uma faca de dois gumes. As crises sucessivas que o país enfrenta pela má gestão das finanças públicas e pela fragilidade do sistema bancário (é bom lembrar a crise de 2001), somado à falta de segurança do mercado (o que afasta os investidores) e o elevado índice de corrupção são fatores negativos e amplamente utilizados pelos opositores.

A dívida externa turca também é uma agravante. O socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial (BIRD) e de fundos da própria UE gerou um aumento expressivo da dependência de capital externo. Isso não é visto com bons olhos por alguns, principalmente, após a crise grega (2010) e os riscos de crise que envolvem outros países membros do bloco: Portugal, República da Irlanda, Portugal e Espanha, que, junto com a Grécia, formam os PIIGS.

A questão demográfica é outro empecilho. Os opositores temem que ocorra um fluxo maciço permanente de imigrantes turcos para a Europa. Foi esse temor que levou o Parlamento Europeu, em 2016, a pedir o congelamento das negociações para a entrada do país no bloco, após o agravamento da crise migratória europeia.

Esta onda de emigração tão temida é mais uma hipótese. Assim, como os demais membros que aderiram à UE, a partir de 2004, muitas restrições serão impostas à Turquia (no mínimo por sete anos) até que todos as regras de livre circulação e fronteiras sejam liberadas 100%.

Outro fator ligado à demografia turca estaria associado à participação da representação no Parlamento Europeu. Em 2005, junto com a Alemanha, teria direito a 96 cadeiras, que seria maior que todos os demais membros. A Europa não vê isso como favorável, sob nenhuma circunstância.

Os países menores demograficamente, como os Países Baixos, levantam fortes objeções a tal possibilidade. Não lhes agrada a ideia de que a Turquia, recém-chegada, se aproprie dessa posição de força e elevado peso político. Uma Europa “comandada” por turcos é inconcebível e gera grande aversão junto à opinião pública.

A violação à democracia e à constituição são fatores que dificultam os interesses turcos. Apesar de uma constituição laica/secularista (1924), instituída por Mustafa Kemal Atatürk - o “pai dos turcos”-  após Guerra da Independência (1919-1922), os países europeus têm desconfiança quanto à práticas democrática sólidas no país, nos tempos atuais.  

Não há segurança, também, quanto ao afastamento religioso dos princípios constitucionais, principalmente, com o governo de Erdogan, com claras ações fundamentalistas e aumento das agressões aos direitos humanos, como a falta de liberdade de imprensa, o aumento das torturas nos presídios e a possibilidade de implementar a pena de morte (o que a afastaria, quase que definitivamente, do bloco), elementos que complicam o alargamento da UE com a adesão turca.

A questão das minorias, especialmente a dos curdos é outro grande obstáculo. Os curdos (a maior etnia sem pátria do mundo, com mais de 30 milhões de pessoas) querem criar o Curdistão, seu próprio país, em terras turcas, iraquianas, sírias e iranianas. O território turco abriga a maioria dos curdos.

Durante a Guerra da Independência da Turquia (1919-1922), o governo de Atatürk prometeu a esse povo um estatuto autônomo, próximo ao federalismo.  No entanto, quando a independência foi conquistada (1923), o governo não cumpriu a promessa e baniu a língua e sobrenomes curdos, o próprio termo "curdo" foi eliminado e os políticos se referiram a eles como "turcos da montanha".

Escolas e jornais curdos são fechados e a primeira Assembleia Nacional, onde se sentaram setenta e cinco deputados do Curdistão foi dissolvida. Diante dessa negação do fato curdo e da identidade curda, esse povo provocou conflitos em várias ocasiões. As revoltas foram violentamente reprimidas pelo exército turco. A instabilidade é constante na porção sudeste da Turquia, onde estão concentrados. A Europa não deseja um parceiro com essa realidade.

A recusa dos turcos em reconhecer o genocídio armênio (1917), fartamente comprovado, é também inaceitável para os europeus. O apoio da Turquia ao Azerbaijão, na questão conflituosa de Nagorno-Karabach - a região separatista armênia -  agrava todos os cenários de adesão. O fantasma do passado continua a assombrar o país e o afasta das suas pretensões no bloco.

Há também a questão que envolve a parte turca-cipriota da Ilha de Chipre, não reconhecida por nenhum país do mundo, exceto pela Turquia, que a apoia militarmente a região.

O frágil direito das mulheres e da comunidade LGBTQIA+ é outro obstáculo defendido pelos opositores. Apesar de o artigo 10 da Constituição turca reconhecer os direitos iguais para todos os indivíduos, “sem distinção de idioma, etnia, cor, sexo, opinião, política, crença filosófica, religião ou seita”, a situação aplicada a esses grupos é vista como arcaica, violenta e repressiva.

Bem, esses são alguns dos argumentos mais defendidos pelos aliados e opositores da Turquia na questão muito complexa que envolve na UE.

O atual governo de Recep Erdogan afirmou, no ano passado, que a UE sem a Turquia não poderia se tornar um centro de poder atraente e pleno na Europa. Pediu o fim do racismo, da islamofobia e das ideias anti-imigrantistas. Deixou claro que para a Turquia a Europa continuava como a prioridade estratégica do país.

Resta saber se a Europa está disposta a tê-la como prioridade estratégica. Somente o futuro dirá.

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