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Estado de Minas ENSINO SUPERIOR

UFMG muda política de cotas para concursos de professores e divide opiniões

Objetivo da mudança é garantir reserva de vagas, que não vinha ocorrendo de forma efetiva. Dados de autodeclaração de professores, porém, podem impedir avanços


21/12/2022 12:40 - atualizado 28/12/2022 16:17

Alunos observam um professor cadeirante durante uma aula na UFMG
Política centralizada trará equilíbrio representativo para a comunidade acadêmica (foto: Lucas Braga/UFMG)

A reserva de vagas em concurso público para pessoas negras e pessoas com deficiência (PcD) é determinada por lei desde 2014, com critérios estabelecidos em decreto de 2018. No entanto, basta entrar nas salas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para perceber a pouca efetividade da legislação: ainda são poucos os professores negros e PcD. A universidade propôs uma mudança na política de reservas de vagas para os futuros concursos, mas a proposta divide opiniões em relação à efetividade.

A percepção foi quantificada em relatório técnico apresentado por comissão formada para analisar a reserva de vagas  na universidade. A comissão replica dados de um mapeamento de vagas em concursos público para carreira de magistério em 63 universidades federais, de 9 de junho de 2014 a janeiro de 2018.
 
Para candidatos negros, o número de vagas é baixíssimo, e para PcD praticamente inexistiu. O relatório aponta que a UFMG colocou em concurso 572 vagas no mesmo período, 18 (3,14%) das quais foram reservadas para negras/os e somente uma vaga teria sido reservada para PcD (0,17%).
 
Uma das razões para o número ínfimo de vagas para professores negros e PcD se deve a um critério de que elas devem ser ofertadas em concursos com mais de três vagas em aberto. No entanto, como os concursos nos departamentos são feitos por áreas do conhecimento, quase nunca há três vagas para uma única área, o que acaba impedindo a reserva.

Para mudar essa situação, a UFMG deu início à implementação de uma política centralizada de reserva de vagas na docência para pessoas negras e para pessoas com deficiência (PcD).
 
Todo o processo, no entanto, se alicerça no Índice de Desigualdade Racial, que por sua vez se alicerça em uma base de dados antiga. Muitos professores não se lembram como fizeram a autodeclaração e, muitos a fizeram, há muito tempo, antes de o tema de autodeclaração ter sido problematizado.
 
Essa base de dados pode gerar distorções, uma vez que muitos professores podem ter se declarado pardos - o que entra na categoria de negros. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a categoria negros engloba pretos e pardos.
 
"No papel a iniciativa é muito boa, mas a fonte de dados que ela usa para criar o índice de desigualdade racial, por exemplo, é uma fonte de autodeclaração", diz um professor negro que teme que, por essa distorção na base de dados, a medida não mude nada. Ele pediu para não ser identificado por temer futuros problemas institucionais.
 
Alguns professores negros ouvidos pelo Estado de Minas, mas que pediram para manter o nome em sigilo, temem que o fato de um dos critérios da nova política estar atrelado ao número de professores negros nos departamentos possa gerar uma distorção. A questão é que há casos de professores que se autodeclaram pardos, mas que não são lidos socialmente dessa forma.
 
"Não foi comunicado aos professores que esse dado seria coletado. Não foi demandado dos professores uma atualização desse dados.E aí pode ser um dado que está defasado pode ser um dado sujeito à autodeclaração equivocada", reforça o professor.

De acordo com relatórios da comissão, os cinco departamentos com mais professores negros são Administração Escola, na Faculdade de Educação (FAE); Comunicação Social (Fafich); Organização e Tratamento da Informação e Métodos e Técnicas de Ensino (FAE).

Política centralizada

O objetivo da política centralizada é estabelecer uma maior efetividade na aplicação dos percentuais de vagas reservadas estabelecidos pela legislação: 20% para pessoas negras e, no mínimo, 5% para PcD – o que já vinha sendo cobrado pelo Ministério Público.
 
De acordo com a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) da universidade, órgão responsável pela proposta de alocação das vagas de professores, a aplicação da reserva para esses grupos já vinha sendo feita “dentro do que a lei preconiza”, mas de forma individualizada para cada concurso – o que não estava sendo efetivo.
 
O primeiro edital centralizado com vagas destinadas aos dois grupos foi publicado em outubro deste ano e foi conduzido por comissão especial instituída pela Reitoria da UFMG e aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe).

Segundo o professor Rodrigo Ednilson de Jesus, presidente da Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão da UFMG, o antigo funcionamento da reserva de vagas – semelhante ao da maioria das universidades públicas brasileiras – é ineficaz por conta da especificidade das áreas e dos concursos que eram divulgados.

“É muito raro a abertura de três ou mais vagas numa mesma área de conhecimento, porque elas são muito específicas. Essa fragmentação das vagas, que é uma tradição de muitas universidades, acaba inviabilizando a aplicação [da reserva para pessoas negras e PcD]”, explica. “Essa forma pulverizada de lançar os editais não estava atendendo o previsto na legislação”, complementa a professora Regina Céli Fonseca Ribeiro, diretora do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG.   

Professores e técnico-administrativos

Ao contrário dos concursos para servidores técnico-administrativos, que são conduzidos de forma centralizada pelo Departamento de Recursos Humanos (DRH) da Pró-reitoria de Recursos Humanos (PRORH) da UFMG, os concursos para vagas de magistério superior são realizados pelas próprias unidades e departamentos.
 
A professora Ana Lydia Reis de Castro e Silva, presidente da CPPD, explica que um dos incentivos para aprimorar a reserva de vagas para o corpo docente vem do aumento da diversidade nos corpos discente e técnico-administrativo.

“Observando, na Universidade, o impacto da reserva de vagas nos corpos discente e técnico-administrativo, com aumento de uma diversidade que trouxe inúmeros ganhos para a formação na universidade, sentimos a necessidade de desenvolver uma melhor aplicação da legislação também para os docentes. Mesmo sem descumpri-la, percebemos que a forma da aplicação não estava sendo efetiva”, afirma Ana Lydia.

De acordo com Rodrigo Ednilson, a aplicação da reserva de vagas tem sido mais efetiva para servidores técnico-administrativos por conta de processos centralizados – o que não acontecia com concursos para docentes. “A legislação estabelece que, a cada três vagas, uma deve ser reservada para pessoas negras. No entanto, raramente ocorrem concursos com três vagas para um mesmo departamento ou uma mesma área de conhecimento, o que vinha dificultando a aplicação dos percentuais previstos pela legislação”, conta o professor.

No contexto da reserva de vagas para PcD, o processo é parecido, como explica a professora Regina Céli Fonseca. “Nesse caso, das vagas que vão ser ofertadas em concurso, seriam necessárias ao menos cinco para se ter uma vaga para pessoa com deficiência. Como os concursos são organizados por área de conhecimento e raramente uma mesma área recebe um número tão elevado de vagas, a aplicação do percentual legal ficava prejudicada”, diz ela.

A reitora da UFMG, Sandra Regina Goulart Almeida, explica que a universidade já tinha uma cultura bastante estabelecida na formatação de editais e na realização de concursos para docência e que, por este motivo, foi necessário instituir esse grupo para buscar formas concretas de viabilizar a melhor aplicação dos percentuais na reserva dos concursos, respeitando a legislação e a estrutura organizacional da instituição.

“O trabalho da comissão foi fundamental para o desenvolvimento de uma política centralizada que nos possibilitasse identificar a efetividade da aplicação da reserva de vagas no nosso corpo docente. Reunindo a expertise da CPPD e a experiência de professores como o Rodrigo Ednilson, referência na área de ações afirmativas e inclusão na UFMG, e a Regina Ribeiro, cujo trabalho com as pessoas com deficiência na Universidade já é bastante consolidado, chegamos a um formato que nos permitirá colher, também no campo docente, os ganhos da diversidade que temos visto nos nossos corpos discente e técnico-administrativo nos últimos anos", afirma a reitora.

A presidente da CPPD explica que, mesmo com as mudanças, não haverá órgão centralizado para a realização dos concursos docentes, que continuarão sendo organizados pelos departamentos e unidades. “A centralização ocorrerá apenas pela consideração de um edital de condições gerais, definindo um conjunto de vagas para aplicação da reserva. Uma vez definida a modalidade da vaga na sessão pública – ampla concorrência ou preferencial de reserva –, o processo de realização dos concursos seguirá o formato usual”, explica.

Distribuição de vagas

Agora, além de um edital de condições gerais com o conjunto das vagas, os processos seletivos contarão com um edital complementar e os editais de abertura, que terão indicação da modalidade da vaga nos departamentos.

Para que a política centralizada de reserva de vagas seja efetiva, a CPPD definiu uma série de critérios a serem seguidos ao longo dos próximos concursos que serão aplicados na universidade. O primeiro deles é vincular a reserva de vagas ao conjunto daquelas que são colocadas em concurso pela UFMG a cada alocação. Assim, a reserva passará a ser aplicada no montante das vagas disponíveis para provimento, e não nos departamentos específicos.

O segundo foi a aplicação de indicadores de disparidade em cada departamento que receberá as vagas reservadas a fim de minimizar as desigualdades em cada uma das unidades acadêmicas da UFMG. Os indicadores de Disparidade Racial (IDR) e de Exclusão de Pessoas com Deficiência (IEPCD) foram construídos com base no número de pessoas negras e com deficiência que compõem a população e na representatividade desses grupos entre os professores efetivos da universidade com detalhamento por departamento.

Como terceiro critério, quando houver empate e não for possível definir a alocação com base nos indicadores de disparidade e exclusão, a distribuição será feita por sorteio transmitido em sessão pública em tempo real pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no Youtube. Os departamentos que receberem vagas reservadas não participam dos próximos critérios, por modalidade.

Nas duas modalidades de reserva de vagas, tanto para candidatos negros quanto para PcD, os selecionados nos processos seletivos serão submetidos a avaliação por comissões específicas: pessoas autodecladas negras serão submetidas à Comissão de Heteroidentificação que já é responsável pelas bancas na graduação, pós-graduação e nos concursos de servidores técnico-administrativos; e candidatos aprovados para ocupar as vagas reservadas às PcD serão submetidos a uma avaliação biopsicossocial feita pela Banca de Verificação e Validação (BVV).

Impactos na universidade

Para a professora Ana Lydia, os indicadores criados para critério de distribuição de vagas na universidade são um grande diferencial na política desenvolvida pela UFMG. “A aplicação desses índices é algo muito diferente do que a gente viu, porque traz bases sólidas para a distribuição de vagas. A alocação aleatória não privilegia a construção de uma política, e o trabalho com esses índices busca trazer para a UFMG a aplicação da mesa política de inclusão que a gente vê em outros grupos da nossa comunidade, como os servidores técnico-administrativos e discentes. Com isso, a gente espera, de fato, que a nossa comunidade reflita melhor a composição da população do estado de Minas Gerais”, afirma.

A universidade, como um espelho da sociedade, reflete não apenas o avanço de pautas importantes de representação e representatividade, mas também a ausência delas em determinados ambientes, como explica Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política na UFMG.

“Quando você tem, na universidade, professores que sejam majoritariamente brancos; majoritariamente vindos das classes altas e médias brasileiras, uma série de interesses de pesquisa são deixados de lado. O processo de diversificação do corpo docente é fundamental para aprimorar o fazer científico, afinal a presença de pessoas negras e com deficiência, vindas de realidades socioeconômicas distintas, vai trazer um ganho fundamental para a universidade”, comenta o professor.

O presidente da Comissão Permanente de Ações Afirmativas e Inclusão da UFMG conta que a perspectiva dessa política centralizada e dos próximos concursos é de equilibrar a proporção de pessoas negras e de PcD na universidade de maneira mais ampla e que isso também possa ser utilizado em outras universidades e instituições de ensino. “Ao nosso entender, ela vai ao encontro do espírito da Lei [Brasileira de Inclusão e da  Lei 12.990, que estipula a reserva de vagas para pessoas negras em concursos públicos], que é identificar e diminuir desigualdades sociais que existem na nossa sociedade”, afirma Rodrigo Ednilson.

“Esse é um ponto bastante importante para nós conseguirmos, ao mesmo tempo, potencializar o debate sobre relações sociais no Brasil, mas fazer uma intervenção que surta efeitos de justiça racial e de mais diversidade”, complementa o professor.
 

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