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Estado de Minas DiversEM

Tina Martins: conheça a primeira ocupação de mulheres da América Latina

A Casa Tina Martins, espaço de resistência feminista e acolhimento de mulheres, foi fundada há 6 anos na capital mineira e acolhe mulheres vítimas de violência


04/06/2022 07:00 - atualizado 03/06/2022 20:35


Fachada da casa Tina Martins
Tina Martins é uma homenagem a uma anarquista do século XX, que dispersou uma cavalaria da polícia que reprimia trabalhadores em greve com um coquetel molotov em forma de buquê (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
“Todas nós mulheres temos relatos de violência, e, se não temos agora, teremos um dia”, conta Indira Xavier, uma das coordenadoras da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, que fica na região centro-sul de Belo Horizonte. A Casa foi fundada em março de 2016, funciona com o acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica, e foi a primeira ocupação de mulheres da América Latina.

O projeto começou com uma ocupação urbana no centro da capital mineira, em 8 de março de 2016, reivindicando mais abrigos e políticas públicas para mulheres em situação de violência. Pouco antes da ação, havia ocorrido um feminicídio dentro de uma das ocupações coordenadas pelo Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), que motivou as mulheres a se organizarem.

Belo Horizonte ainda não havia fundado a Casa da Mulher Brasileira, projeto lançado pelo governo Dilma em 2013, que objetiva articular atendimentos especializados no âmbito da saúde, da justiça, da segurança pública, da rede socioassistencial e da promoção da autonomia financeira às mulheres. 

"Mais de 100 mulheres ocuparam o prédio do antigo bandejão da faculdade de engenharia da UFMG. Um imóvel que já tava fechado a muito mais de 10 anos, sem cobrir nenhuma função social, pelo contrário, ali na região da Guaicurus com Espírito Santo é marcada por muita violência contra as mulheres, muitas em situação de prostituição. Então a gente entendeu que era um marco simbólico, ao mesmo tempo que o imóvel é próximo de onde foi destinado o terreno para construir a Casa da Mulher Brasileira”, relata Indira.


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A ocupação teve início em um prédio abandonado da UFMG no centro de BH, em 2016 (foto: Redes Sociais)
Aos poucos, mulheres que sofriam violência começaram a enxergar a ocupação como um lugar de refúgio e acolhimento. Em situação precária, com pouca luz, sem quartos e vivendo de doações, a procura dessas mulheres pela Tina Martins mostrou as falhas das políticas públicas no enfrentamento à violência de gênero. 

Nós estamos em um estado que é rico. Enquanto existe uma crise generalizada no nosso país, hoje os municípios de Minas Gerais têm recurso fruto do acordo com a Vale. Qual a preocupação que esses municípios têm em criar políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres? Qual a prioridade que se dá a isso?

Indira Xavier, coordenadora da Casa



Poucos meses depois da ocupação inicial, em junho de 2016, as mulheres do Movimento Olga Benário conquistaram o empréstimo de uma casa, fechada há 7 anos e tombada como patrimônio histórico, no bairro Santa Efigênia, em BH. 

Ano após ano, o contrato de comodato tem que ser renovado, e a falta de garantia de permanência dificulta o trabalho da Tina Martins, que conseguiu realizar uma pequena reforma no espaço durante a pandemia. “A gente ficou um período grande aqui no espaço da casa com muitas dificuldades de infiltração… chovia lá fora e aqui dentro”, conta Pedrina Gomes, assistente social da casa. 

Atualmente, o projeto consegue receber para abrigamento até 12 pessoas, entre mulheres e crianças, de forma emergencial. A Casa Sempre Viva, fruto de um consórcio entre Belo Horizonte e outras 14 cidades da região metropolitana, recebe cerca de 20 mulheres. 


Indira está sentada em uma poltrona, com as mãos apoiando o queixo. Usa camiseta azul e máscara branca
A professora Indira Xavier conta como é possível manter a Casa Tina Martins sem apoio do estado ou da Prefeitura (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Segundo Indira e Pedrina, a maioria das mulheres que passam pela casa são vulneráveis economicamente e majoritariamente mulheres negras. Além de acolher e prestar serviços de orientação jurídica e psicossocial, as coordenadoras da casa consideram importante realizar formações com as acolhidas. “A gente tem trabalhado para que o espaço dê condições para as mulheres se reorganizarem financeiramente,que façam cursos, para adquirirem o mínimo de autonomia. Temos a consciência de que a violência doméstica não vai ser superada se não tiver essas outras violências superadas também”, contam. 

Indira e Pedrina relatam que, em Minas Gerais, são 8 instituições - contando com a Tina - que recebem mulheres vítimas de violência, dentro de 853 municípios. No total, seriam cerca de 60 vagas que atendem o estado inteiro. “Municípios dizem que esse tipo de política de abrigamento é oneroso. Mas a gente está falando de vidas de mulheres que são perdidas, ceifadas, porque o Estado olha pra gente como um gasto”, argumentam. 
 
Ver galeria . 5 Fotos Interior da casa Tina MartinsJuarez Rodrigues/EM/D.A Press
Interior da casa Tina Martins (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press )
 

Com divisão de tarefas entre as mulheres atendidas e ativistas do movimento, a casa também recebe doações, tanto financeiras quanto de alimentos, para se manter diariamente, funcionando 24h. Além disso, mensalmente realiza uma feira feminista, que também contribui no financiamento do projeto.

A Tina Martins não recebe apoio financeiro ou de donativos nem do estado e nem da prefeitura, mesmo acolhendo mulheres que são encaminhadas pelos órgãos públicos, como da Delegacia Especializada ou de CRAS ou CREAS.

A realidade de violência contra as mulheres é crescente, não só em Minas como no país. Em 2021, foram 144.618 mulheres que denunciaram violência no estado, de acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (SEJUSP). 
 
“Falam que a mulher está nessa situação de violência porque ela gosta, mas muitas vezes ela não aprendeu outra forma de vida. A gente reproduz aquilo que aprende, se a gente não aprende o que não é violento, não saberemos viver sem violência”, finaliza Indira Xavier.
 

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