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Estado de Minas

Rodrigo Oliveira defende que a gastronomia de São Paulo tem gosto de Brasil

Chef paulistano ficou conhecido pelo trabalho à frente do Mocotó e, mais recentemente, pelo Balaio, que tem uma cozinha mais autoral


postado em 26/01/2020 04:00 / atualizado em 28/01/2020 18:11

Pastel de verduras da horta e queijo canastra(foto: Carol Gherardi/Divulgação)
Pastel de verduras da horta e queijo canastra (foto: Carol Gherardi/Divulgação)

Dizem que a cozinha paulistana não tem personalidade, que é um apanhado de receitas de vários lugares do mundo. O que pode parecer um defeito é visto como virtude por Rodrigo Oliveira. “A cidade é um ponto de encontro para o Brasil e para o mundo. É um lugar de diversidade, de tolerância e de sincretismo culinário”, defende o paulistano de coração pernambucano, que comanda os restaurantes Mocotó e Balaio. Justamente por seguir esse pensamento, ele é o chef escolhido para homenagear a cidade de São Paulo, que completou ontem 466 anos.
 
Rodrigo cresceu na Vila Medeiros, bairro periférico de São Paulo. “A gente não tinha o hábito de sair para comer, a família é de origem bastante humilde, mas lembro-me de algo muito forte da minha infância, que acredito ser um ícone do jeito paulistano de comer, para mim um dos grandes tesouros da cidade, que é pastel de feira com caldo de cana”, aponta o chef, que acompanhava o pai, fundador do Mocotó, nas compras. Para além da memória afetiva, o pastel o encanta pela sua simplicidade e perfeição: massa fresquíssima, na cor e textura certas, com recheio sempre quente e perfeitamente temperado.
 
Moqueca de caju, palmito e banana-da-terra(foto: Carol Gherardi/Divulgação)
Moqueca de caju, palmito e banana-da-terra (foto: Carol Gherardi/Divulgação)
Os sabores da infância estão presentes nos menus dos dois restaurantes. O Mocotó tem pastel de carne de sol, enquanto o Balaio serve pastel de verduras da horta com queijo canastra. Ambos com vinagrete, para Rodrigo o acompanhamento perfeito. No extinto Esquina Mocotó, o chef uniu pastel e caldo de cana em uma provocativa sobremesa. “Muito delicada e poderosa”, acrescenta. Batata yacon, que é mais adocicada, infusionada em caldo de cana, verbena, limão e suco de abacaxi e cortada em formato de cana-de-açúcar, sorbet de caldo de cana e pastel de vento com açúcar e canela.
 
O Balaio, que fica no prédio do Instituto Moreira Salles, tem comida paulistana, sim, mas com abordagem distante dos clichês. “O nosso restaurante, de cozinha brasileira, pode ser entendido como de cozinha paulistana. Se você olha para o menu, não reconhece Minas nem Pará ou Rio Grande do Sul. Vai ver que tem gosto de Brasil e acho que São Paulo é isso, tem gosto e cara do Brasil todo.” Como São Paulo se coloca como um lugar de vanguarda, o chef olha para os ingredientes disponíveis e toma a liberdade de apresentá-los de maneira autoral e original.
 
Carne de sol desfiada com cebola roxa e pimenta biquinho(foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
Carne de sol desfiada com cebola roxa e pimenta biquinho (foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
Um prato, especificamente, é para o chef o símbolo maior do sincretismo culinário de São Paulo: a moqueca de caju, palmito e banana-da-terra com molho de tucupi, dendê e leite de coco, ora-pro-nóbis, coentro e fava verde portuguesa, servida com arroz vermelho integral do Vale do Paraíba e farofa de coco queimado com farinha de biju que vem de Trindade, em Goiás. “Como se define esse prato? É uma moqueca capixaba, uma peixada baiana, um cozido pernambucano? Não, é uma moqueca típica da Avenida Paulista, porque só seria viável em São Paulo. Onde mais teriam estas interconexões?”, reflete.

DUALIDADES Mesmo no Mocotó, onde as raízes nordestinas temperam a comida, São Paulo se faz muito presente. Para o chef, a cidade está representada em muitas dualidades, como o sertão pernambucano e o “sertão” paulistano, tradição e inovação, regional e cosmopolita, excelência e inclusão (todos são recebidos da mesma maneira). “A nossa relação com o entorno é o que faz o restaurante essencialmente paulistano. Todas as pessoas que trabalham aqui são do entorno e os nossos fornecedores estão a poucos quilômetros de distância, tirando produtos específicos que vêm do Nordeste.”
 
Pudim de tapioca(foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
Pudim de tapioca (foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
 
No caso dos vegetais, a lógica é simples: quanto mais frescos, melhor. Os restaurantes de Rodrigo recebem mandioca orgânica todos os dias. “Não conseguiríamos armazenar a quantidade de mandioca que usamos”, conta. Só para citar dois exemplos: o steak tartare é acompanhado de beiju de mandioca e a carne seca desfiada chega à mesa com mandioca cozida. Fora isso, o chef usa queijos do Vale do Paraíba, meis da Serra do Mar, farinha de milho de moinho de pedra também do interior. A famosa linguiça de Bragança Paulista é a estrela de um arroz que ainda tem costelinha e quiabo.
 
Rodrigo Oliveira volta seu olhar principalmente para a Vila Medeiros, onde cresceu(foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
Rodrigo Oliveira volta seu olhar principalmente para a Vila Medeiros, onde cresceu (foto: Ricardo D'Angelo/Divulgação)
 
Moqueca de caju, palmito e banana-da-terra

Ingredientes
120g de cebola branca; 54g de tomate maduro em cubos; 30g de alho-poró; 125g de salsão picado; 200ml de azeite extra virgem; 60g de cenoura em cubos; 800ml de tucupi; 400ml de leite de coco; 10g de extrato de tomate; 4g de pimenta dedo de moça; 4g de pimenta de cheiro; 4g de pimenta de cambuci; 3g de sal refinado; 2g suco de gengibre; 11g de cabeça de alho; 150g de pimentão vermelho; 150g de cebola branca; 250g de pupunha em rodelas; 250g de banana-da-terra; 200g de maxixe; 200g de chuchu; 100g de vagem holandesa; 100g de mini arroz integral; 300ml de água; 30g de cebola branca em brunnoise; 10g de alho; 20ml de azeite extra virgem; 10g de ora-pro-nóbis; 120g de castanha de caju; 120g de coco ralado; 120ml de azeite extra virgem; 620g de farofa de beiju.

Modo de fazer
Para o molho, aqueça em uma panela o azeite e então coloque a cebola, salsão, cenoura, alho-poró, tomate e a cabeça de alho cortada na metade. Doure bem todos os vegetais. Adicione o tucupi e, quando começar a ferver, deixe cozinhar por 1h. Coe todo o molho e reserve. Volte o molho para o fogo com o leite de coco e o extrato de tomate. Mexa bem e deixe cozinhar até levantar fervura. Desligue o fogo, adicione o mix de pimentas, o suco de gengibre e sal a gosto. Doure todos os legumes e vegetais da moqueca no forno a 180°C, exceto a cebola e os pimentões. Em uma panela, refogue com azeite as cebolas e os pimentões. Acrescente o molho depois e deixe cozinhar um pouco. Adicione os vegetais e legumes dourados. Para o mini arroz de ora-pro-nóbis, refogue a cebola branca e o alho em azeite. Adicione o arroz. Refogue bem e acrescente a água quente. Para a farofa de coco e castanha, pique as castanhas de caju grosseiramente e reserve. Em uma panela, aqueça o azeite e então adicione o coco ralado até dourar. Em seguida, coloque a castanha picada e a farinha de beiju. Acerte o sal e verifique se a farofa não está muito seca. Se estiver, adicione um 
pouco mais de azeite. 
 
Arroz de linguiça bragantina, costelinha e quiabo(foto: Gherardi/Divulgação)
Arroz de linguiça bragantina, costelinha e quiabo (foto: Gherardi/Divulgação)
 
Presente para a cidade 
Rodrigo é tão envolvido com São Paulo que, numa decisão corajosa, fechou o premiadíssimo Esquina Mocotó, que tinha uma estrela Michelin, por entender que a Vila Medeiros não precisava de mais um restaurante. No lugar, será aberto um espaço de eventos, que pode ser encarado como um presente para a comunidade, e por que não para a cidade? “Se fosse por interesse comercial ou financeiro, não teria nada mais lucrativo e seguro do que aumentar o Mocotó, que até hoje tem filas na porta. Poderia ter mais 80 lugares, mas nao é o que a gente sente que é certo fazer”, justifica.
 
Não pense que o espaço será como tantos outros, “uma casca vazia, sem personalidade”. O chef se prepara para ocupar o imóvel majoritariamente com eventos ligados à cultura, arte e gastronomia, como apresentações musicais, jantares temáticos, aulas e saraus. “Vamos receber todo tipo de intervenções que enriqueçam a vida cultural e gastronômica da nossa comunidade”, pontua. O novo empreendimento, ainda sem nome, deverá ser inaugurado até o fim de março. Segundo Rodrigo, ainda haverá espaço para eventos particulares, almoços corporativos e lançamentos de produtos.
 
Os projetos não param por aqui. Em julho, o paulistano inaugura uma unidade do Balaio em Los Angeles, dentro de um hotel em Hollywood. Com orgulho, ele propaga a missão do restaurante, que é mostrar que a cozinha brasileira pode ser universal, que tem conceitos e produtos que cabem em qualquer lugar do mundo. “É a chance de levar um Brasil viável, contemporâneo, saudável, vibrante, sem as amarras dos preconceitos e caricaturas, e também de trazer conhecimento para cá. Estamos falando de um mercado de gastronomia muito desenvolvido, com um profissionalismo sem igual no mundo”, destaca.
 
Voltando a São Paulo, o chef enxerga que a gastronomia da cidade se volta cada vez mais para o essencial. A questão não é mais o que colocar, mas é o que se pode tirar. “Grandes chefs de cozinha, de uma geração supertalentosa, que poderiam trabalhar em restaurantes estrelados, estão optando por uma estrutura modesta, mas com uma cozinha tão ou mais ambiciosa, buscando valores em produtos locais e cotidianos, com uma forma de servir mais direta, sem rodeios. Tudo é mais livre, mais autoral.” Rodrigo cita Jiquitaia, Charco, Corrutela e Tan Tan Noodle Bar como exemplos deste novo momento.
 

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