Tina Turner se apresenta em Groningen, na Holanda, em 2000

Tina Turner esbanjou energia e talento durante sua carreira, iniciada nos anos 1950. Nesta foto, ela se apresenta em Groningen, na Holanda, em 2000

Ed Oudenaarden/AFP


Diva do rock'n'roll, Tina Turner, que morreu ontem aos 83 anos, era uma explosão de sensualidade no palco, com sua voz potente e afinada, pernas torneadas e gestos marcantes. Estrela pop, vendeu 180 milhões de discos, ganhou 12 prêmios Grammy. Quebrou recorde no Maracanã, em 1988: cantou para 180 mil pessoas, show solo carioca que foi parar no Guiness.

Tina conheceu o céu do sucesso e o inferno da violência doméstica, vítima da violência do marido, Ike Turner, de quem se separou no final da década de 1970. Pensou em se matar diante de tanta pancadaria, amargou fracassos e renasceu como fênix.

Ela se aposentou em 2000, mas voltou ao palco oito anos depois, ao lado de Beyoncé, e também fez turnê de despedida. Nunca deixou de ser estrela.
 
Nascida em Brownsville, em 1939, Anna Mae Bullock começou a cantar ainda criança no coral da igreja. Cresceu, foi trabalhar como empregada doméstica e auxiliar de enfermagem.

No final da década de 1950, ao frequentar clubes noturnos com uma das irmãs, Anna se interessou pelar carreira artística. Ao assistir uma apresentação de Ike Turner, seu futuro marido, decidiu que o palco seria o seu lugar.

De Anna Mae a Little Anne

Pioneiro do rock, Ike fazia testes com garotas para backing vocals do Kings of Rhythm, seu grupo. Tina não participou de nenhum deles. No intervalo de um show do Kings, abordou o baterista, exibiu sua voz. Encantado com aquele talento, ele a apresentou a Ike, que a convidou para ingressar na banda.

Anna Mae virou Little Anne, a cantora do Kings of Rhythm. São dela as vozes de fundo nas faixas de “Boxtop” (1958), álbum de estreia da banda.

A parceria entre a cantora, agora Tina, e Ike se fortaleceu. Em 1960, eles já eram um casal e formavam o duo Ike & Tina Turner. Gravaram “Dynamite!”, “Don't play me cheap” e “It's gonna work out fine”, que lhes rendeu uma indicação ao Grammy.

O estrelato veio com “A fool in love”, segundo lugar na parada de R&B e 27º lugar na lista de singles pop mais ouvidos nos Estados Unidos em 1960.

A convivência de Tina com Ike era conturbada. Adepto da cocaína, ele era extremamente agressivo. Tina, no entanto, insistiu na parceria com o marido. Apresentações ao vivo eram bem-sucedidas, mas não havia gravadora interessada em chamá-los para o estúdio.

Uma aparição no filme “The big TNT show” (1965), de Larry Peerce, foi a tábua de salvação. Por acaso, o produtor Phil Spector viu a dupla e resolveu contratar Ike e Tina.

Não deu muito certo. “River deep – Mountain high”, de Spector, foi um dos maiores fracassos da indústria fonográfica norte-americana. Ironicamente, a interpretação de Tina nessa canção é considerada sua performance vocal mais intensa. Graças a ela, Tina chegou ao Hall da Fama do Grammy, em 1999.

No final da década de 1960, Ike e Tina passaram a se dedicar a covers e releituras de canções famosas em busca de um hit. E ele chegou: “I've been loving you too long”, de Otis Redding.

Beyoncé e Tina Turner no palco

Beyoncé e Tina Turner: duas gerações de poderosas rainhas do pop na festa do Grammy em 2008, em Los Angeles

Mike Blake/Reuters/10/2/08

Com a pequena ajuda dos jovens Stones

Durante o período difícil, a ajuda veio dos britânicos do Rolling Stones, apaixonados pela música negra americana. A banda convidou Ike e Tina para sua turnê nos EUA, em 1969. A performance sensual de Tina chamou a atenção em “Gimme shelter” (1970), documentário dos diretores Albert e David Maysles sobre a tour americana dos Stones.

Tina conheceu pessoalmente Mick Jagger. Revelou ao jornal britânico The Guardian que desenvolveu certa paixão platônica por ele, “crush” que permaneceu pelo resto da vida.

Depois dos Stones, Ike e Tina lançaram “Proud Mary”. A versão da canção da banda Creedence Clearwater Revival deu o Grammy a eles. Foi assim que o duo conseguiu gravar o álbum “Workin' together”.

Em 1978, Tina partiu para a carreira solo. Vítima de violência doméstica há tempos, finalmente seguiu sozinha. Ike chegou a lhe quebrar a mandíbula, jogou café quente no seu rosto e a obrigava a se apresentar mesmo quando não estava bem.

“Nossa vida juntos foi marcada por abuso e medo”, revelou a cantora, na autobiografia “Tina Turner – Minha história de amor”.

“Num jeito perverso, os hematomas que ele me deu – um olho roxo, o lábio machucado, a costela trincada – eram marcas de posse. Uma maneira de dizer: 'Ela é minha e posso fazer o que quiser com ela'. Eu sabia que tinha que ir embora, mas não sabia como dar o primeiro passo. Nas horas mais difíceis, me convenci que a morte era o meu único caminho”, revelou Tina.

Deixar Ike não foi uma decisão fácil. Toda a renda do casal pertencia a ele. Mas Tina encarou o desafio. Gravou “Love explosion” (1979), partiu para a primeira turnê solo e fracassou.

Bowie, a mão amiga

Com a ajuda do astro David Bowie, conseguiu o contrato com a Capitol Records. Lançou o single “Let's stay together”, de Al Green, fez sucesso na Europa e conseguiu convencer a gravadora a bancar seu novo disco, “Private dancer”, em 1984.

A bela e carismática Tina Turner tinha tudo a ver com o cinema. Fez a vilã The Acid Queen no longa “Tommy” (1968), baseado na ópera rock homônima do The Who.
 
Depois do divórcio, dedicou-se também às telas. Seu filme de maior sucesso foi “Mad Max” (1985), distopia apocalíptica de George Miller e George Ogilvie, na qual Tina interpretou a governadora da comunidade que luta para sobreviver em uma região desértica.

Mas destaque, mesmo, foi a música deste filme. Ela gravou a trilha sonora do longa com a Orquestra Filarmônica Real da Inglaterra. “We don't need another hero” – canção que se tornou quase sinônimo de Tina Turner – conquistou o segundo lugar na parada pop americana.

A cantora também filmou a cinebiografia “Tina” (1993), de Brian Gibson, e o longa “O último grande herói” (1993), de John McTiernan.

Nos anos 1980, finalmente, veio a consagração. Tina ganhou o Grammy nas categorias disco do ano, com “What's love got to do with it” (1985), e performance vocal pop feminina. Com a canção “Better be good to me”, conquistou o prêmio de melhor performance feminina de rock.

A onda de sucesso continuou, com os álbuns “Break every rule” (1986), “Foreign affair” (1988), “Wildest dreams” (1996) e “Twenty four seven” (1999).

Cinquenta indicações ao Grammy

Em 2008, indicada ao Grammy pela 50ª vez, dividiu o prêmio de melhor álbum do ano com o jazzista Herbie Hancock. Levou oito estatuetas para casa.
 
Desde 2013, Tina passou a viver na Suíça e renunciou à cidadania americana. Casou-se com o empresário alemão Erwin Bach. Perdeu dois filhos, Ronnie e Michael, nos últimos cinco anos.

A causa da morte de Tina em casa, na Suíça, não foi informada até o fechamento desta edição. Assessores informaram que ela estava doente. A cantora deixa o marido e os dois filhos de Ike Turner que adotou, Raymond e Ike Jr. (Com agências)