Sérgio Pererê toca a marímbula, instrumento musical africano

A marímbula de Pererê foi encomendada a um mestre de Cuba

Patrick Arley/divulgação

'A primeira vez em que vi um lamelofone na vida foi justamente no Conservatório. Então, fiz questão de levar a marímbula e outros instrumentos da família para apresentá-los'

Sérgio Pererê, compositor e pesquisador



Sérgio Pererê tinha 13 anos quando decidiu ir à apresentação de um percussionista alemão no Conservatório UFMG, na década de 1970. Foi lá que conheceu a marímbula, instrumento cuja forma é semelhante à do cajon, mas, em vez de percussivo, assume a função de contrabaixo.

A marímbula pertence à família dos lamelofones, originários da África, cujos sons são extraídos de lâminas de metal presas pela extremidade a uma grande caixa de madeira. Eles têm diferentes tamanhos e afinações.
 
Criada em Cuba, a marímbula é uma variação dos tradicionais lamelofones africanos, que, diferentemente da versão latina-americana, são bem menores, do tamanho de um livro.

Depois do show do percussionista alemão, de cujo nome Pererê nem sequer se lembra, ele nunca mais viu a marímbula cubana.
 
 

Lâmina ancestral

Corta para 2023. Aos 47 anos, Pererê, já com carreira artística consolidada e – por mais que rejeite o título – pesquisador respeitado de musicalidades e instrumentos africanos, chega ao mesmo Conservatório UFMG, nesta sexta-feira (19/5), para apresentar o show “Lâmina ancestral – Pesquisa sonora em torno dos lamelofones”.

O mineiro vai executar composições ao som dessa família de instrumentos. Entre eles está a marímbula, com a qual Pererê se reencontrou há poucos anos. A dele foi encomendada a um mestre cubano.

O instrumento não foi o primeiro lamelofone de Pererê. Antes, ganhou a mbira, versão utilizada pelo povo xona, de Moçambique e do Zimbabwe.

“Com o tempo, comecei a dialogar com pessoas que também têm interesse nas culturas dos países africanos e o hábito de ir para lá pesquisar. Foi então que ganhei a mbira de uma amiga carioca, também pesquisadora e documentarista”, lembra o compositor.

Por causa da mbira, ele se aproximou de outros lamelofones.

“Aqui no Brasil, quando a gente pensa em musicalidade africana, tendemos a pensar nos tambores. Dá para entender, porque entre o que ficou para nós de herança musical africana, eles estão bem presentes. Porém, quando a gente vai entender a música africana, do continente inteiro, vemos que tem muitas outras coisas lá”, explica.
 
Sérgio Pererê toca o instrumento musical africano mbira

Pertencente à família dos lamelofones, a mbira vem do povo xona, de Moçambique e do Zimbabwe

Patrick Arley/divulgação
 

Entre esses instrumentos, ele cita os diferentes tipos de flautas, o conjunto de harpas e instrumentos de arco, da família do berimbau, muito comuns no continente. “Tem também os lamelofones, que têm lâminas e são da família da mbira”, detalha.

Quando chegou o convite para fazer show no Conservatório UFMG, Sérgio Pererê ficou na dúvida sobre o que apresentaria. Falta de repertório não era problema. Afinal, em fevereiro, ele lançou o álbum “Velhos de coroa”, no qual, em parceria com várias guardas de congado e moçambique, celebra a cultura tradicional do reinado em Minas Gerais.
 

Contudo, Pererê não queria repetir o show de lançamento do “Velhos de coroa” e nem antecipar as novidades dos álbuns que lançará este ano.

“Decidi fazer algo inédito. Lembrei-me de que a primeira vez em que vi um lamelofone na vida foi justamente no Conservatório. Então, fiz questão de levar a marímbula e outros instrumentos da família para apresentá-los.”
No show, Pererê vai tocar mais três tipos de lamelofones, além da marímbula: mbira, ylimba (também conhecida como kalimba) e yzimba.

Embora façam parte da mesma família, os instrumentos têm formatos e afinações diferentes, que não se assemelham à musicalidade associada ao Ocidente. A mbira, talvez, seja aquele com sonoridade mais próxima da música ocidental.
 

'Aprendi a pensar que quando estou indo à África, não estou indo encontrar com os ancestrais, e sim com meus contemporâneos, porque a África também caminhou'

Sérgio Pererê, compositor e pesquisador

 

Lamelofones entre o céu e a Terra

Tradicionais em países da África – cada qual com suas especificidades –, os lamelofones foram criados e utilizados inicialmente com a mesma finalidade: criar vínculos do homem com o mundo espiritual e os ancestrais. Com o passar dos anos, foram incorporados à música popular de cada país.

Movimento parecido ocorreu no Brasil com os tambores africanos. Inicialmente utilizados nas giras dos terreiros, o instrumento aos poucos foi incorporado à MPB, muito em função dos trabalhos desenvolvidos por Naná Vasconcelos, Gilberto Gil e Caetano Veloso.

“O mais interessante desta apresentação é que não vou tocar músicas tradicionais dos lamelofones, e sim as minhas canções nesses instrumentos”, adianta Pererê. “Como se fosse uma releitura da maneira de tocar”, emenda.

O instrumentista mineiro conta que sua “releitura” foi bem aceita por colegas africanos, pois eles veem esse movimento como consequência concreta da diáspora africana.
 
“Um músico da Guiné-Bissau, meu amigo, é descendente do povo brams. Ele ficou surpreso quando eu disse que o resultado de DNA apontou minha descendência do povo dyola, justamente de quem os brams se originaram”, revela Pererê.

“A gente pensou sobre como a coisa circula. Sou descendente de um povo do qual o povo dele se originou. No entanto, ele é africano e eu sou brasileiro. A gente ficou imaginando: eu buscar a sonoridade africana para a minha música brasileira, de certa forma, me aproxima da ancestralidade que está além do que o colonizador pode ter imaginado”, ressalta o músico.

Para ele, o encontro com os ancestrais não precisa ser necessariamente na África, na região específica onde eles viveram. Pode ocorrer em qualquer lugar. A terra dos ancestrais de Pererê, ele diz, está onde ele estiver, seja no Brasil, na África ou em qualquer outro lugar.

“Aprendi a pensar que quando estou indo à África, não estou indo encontrar com os ancestrais, e sim com meus contemporâneos, porque a África também caminhou. Às vezes, para nós, aqui no Brasil, fica difícil entender que quando a gente está em busca da raiz, estamos com a saudade que ficou no coração de quem veio para cá”, afirma o músico.

“Quem estava lá, continuou. Ou seja, nós caminhamos juntos. Onde é a terra dos meus ancestrais? Ela é aqui e é lá. A gente vê o poder da música nesse sentido, porque quando levo lamelofones para o palco, é uma forma de reverenciar a musicalidade dos povos africanos, independentemente da época”, continua.

Som também é mensagem

A música como forma de discurso, por sua vez, é uma das maiores preocupações de Pererê, para quem ela pode ser muito mais eficaz do que as palavras ao transmitir uma mensagem no campo sensorial. Em muitas situações, acredita, as pessoas se identificam com a sonoridade antes mesmo de entender do que a música trata.

Dessa forma, quando lança mão da mbira, ele faz referência e reverência ao povo xona, de Moçambique. Quando toca a ylimba, alude ao povo da Tanzânia.

Paralelamente a esse processo, Pererê apresenta instrumentos desconhecidos do público. No fundo, alimenta a esperança de, quem sabe, ter na plateia algum garoto que se interesse por lamelofones e se dedique a eles, assim como ocorreu há 30 anos.

“LÂMINA ANCESTRAL”

• Show de Sérgio Pererê, concebido a partir de pesquisa dos lamelofones
• Nesta sexta-feira (19/5), às 20h, no Conservatório UFMG (Avenida Afonso Pena, 1.534, Centro)
• Entrada franca
• Informações: (31) 3409-8300